02

O som das buzinas fazia a minha cabeça doer enquanto a minha mãe soltava palavrões baixinhos, o que fez com que eu abrisse os olhos do meu estimado cochilo – que parecia realmente um universo muito distante.

Havia uma fila de carros parados na frente da Universidade de Oryon. Passei os meus olhos pelo reboliço no estacionamento e nas calçadas e suspirei desanimada. Eu queria mesmo voltar para casa e para os meus lençóis.

O primeiro dia de aula nunca pode ser realmente fascinante. E eu não acho que seja apenas meu costumeiro mau humor matutino reclamando. Minha mãe conseguiu encostar e eu saltei, tendo que desviar do garoto que vinha desgovernado com a sua bicicleta em cima da calçada.

Eu respirei fundo, observando o grande complexo de prédios. Marchei até o prédio principal – por onde entrávamos –, desviando das pessoas que embaçavam em meu caminho. Lá dentro não era muito melhor, o congestionamento nos corredores não me deixava respirar – parecia que estavam distribuindo dinheiro em algum lugar.

Os corredores cheios de gente me deixavam ligeiramente tonta, meio enjoada para falar a verdade. As pessoas corriam de lado para o outro, gritavam e faziam do ambiente o melhor estilo de uma feira livre – não era interessante. A minha vontade era de dar meia volta e realmente desistir. Afinal, eu nem precisava ir para a faculdade mesmo e...

Certo, era preciso, mas nunca era tarde para pensar positivo.

Não tive muito mais tempo de pensar em fugir – mesmo que as rotas de fuga tenham se tornado assuntos interessantes em minha cabeça –, já que senti um par de braços envolvendo a minha cintura com dificuldade. Eu sorri reconhecendo os braços finos que tanto a irritavam. Era a única pessoa que me faria sorrir naquele momento.

Olhei para Gaya Flynn, a minha melhor amiga e cheguei a concordar que seria bem pior sem ela. A menina baixinha – que por incrível que parecesse era ainda menor do que eu – parecia radiante naquela manhã. Certo, ela estava sempre radiante, então como explicar para ela que o primeiro dia em um lugar totalmente novo não era o que se podia chamar – ou ainda esperar – de divertido?

Eu a conhecia desde a minha infância e era bom a ter por perto ali também. Sim, era difícil me lembrar de um tempo em que tivéssemos estado separadas, o que era realmente adorável. E minha maior alegria foi que tivéssemos escolhido também o mesmo curso na faculdade – o quis me lembrava de agradecer a nossa professora de Química que nos tinha feito apaixonar.

O corpo mirradinho, baixinho e magrelo – magreza que odiava profundamente – era de um bonito e suave amorenado que fazia a minha palidez invejar um tanto. Ela tinha longos e volumosos cabelos cacheados que pairavam um pouco acima de seu quadril ossudo em um mar comportado e bonito de castanho. Os seus olhos verdes como a oliva sempre sorriam, assim como no rosto de traços bonitos sempre surgia um sorriso de dentes brancos e prefeitos. A menina tinha uma lista de fãs e não só por sua notável beleza, também por sua simpatia – e por acreditar que todo dia seria bom.

- Animada, Mads? – serpenteava ao meu lado enquanto íamos até a secretaria buscar nossos horários e outros documentos importantes, mesmo que me parecesse uma missão impossível já que muitos corpos ocupavam nosso caminho. E realmente não duvidava de Newton.

Eu não respondi, afinal, não queria jogar um balde de água fria na animação.

- Esse ano vai ser incrível. – ela passou os olhos por um grupo de garotos que ela julgava interessantes. – Demais, Maddie. – riu animada e eu não pude não sorrir com a animação, mesmo que meu estômago doesse de nervoso. Ok, talvez fosse de fome, afinal eu costumava comer mais do que uma maçã de manhã.

- Claro Gy... – eu não posso dizer que estava muito animada.

A essa altura tínhamos, a duras penas, conseguido chegar à secretária. E, certamente, tínhamos achado o lugar de distribuição de dinheiro. Olhei para a fila enorme para pegar os papéis e me senti suspirar pesadamente. Tinha que ser o humor matutino – ou a falta dele.

Ótimo.

O que eu podia dizer até o momento? Que já estava sendo tão demais que era impossível me expressar...

- Você é tão ranzinza às vezes, Mads. – ela acusou e eu dei de ombros. Não era a primeira vez que me falavam aquilo. – Quem tomou o seu mingau amiga?

- Não me culpe por achar o primeiro dia de aula em um lugar completamente novo algo completamente contrário à maravilha que você pinta, Flynn. – ela rolou os seus olhos enormes. Oh certo, para ela que era tão extrovertida como eu nunca vira, era mesmo uma coisa bem fácil.

- Pensa, poderia ser pior. Você poderia não me ter aqui com você. – ela falou, supervalorizando-se. Ela se amava, aquilo era mais do que certo.

Foi então que eu o vi. Ele saia da pequena salinha com um avental azul escrito “Guia” em branco e bem grande.

Eu não sei bem como ele percebeu que o encarava com um nível de patetice impressionante. Realmente me sentia violando o seu espaço naquele momento.

Claro, eu tinha motivos para isso. Liam Harrison, o melhor amigo de meu irmão desde sempre, andava como um rei entre os calouros perdidos entre a emoção de um primeiro dia. Desculpem-me, mas eu não me interessava pelos hormônios ambulantes, mas o veterano da Física me parecia incrivelmente ideal.

Em outra época, onde Liam ainda era um menino mirradinho ele já havia me conquistado com o seu sorriso.

Agora, o garoto alto e ligeiramente corpulento – eu não sabia o motivo, mas o excesso de músculos não me chamava tanta atenção como fazia com Gaya –, abriu um sorriso tão enorme quanto perfeito. Lembrava-me daquele sorriso e ainda via como impressionante a reação que me causava. Seus olhos límpidos de um azul tão escuro quanto a água de um mar revolto eram extremamente charmosos e agora pareciam bem focados em mim – ou em Gaya, já que chamar a atenção normalmente era coisa dela –, o que me deixou um tanto nervosa e me perguntando se ele se lembrava de mim. Os cabelos escuros que tinham aquele ar de desarrumado proposital sobre a sua cabeça contrastavam com a sua pele ligeiramente pálida e fazia do conjunto adorável. Sim, essa era a palavra. Ele parecia... Adorável, por mais que muitas outras palavras viessem na minha mente para descrevê-lo.

O que eu podia fazer? Eu não era muito adepta a mudanças.

- Mads, você está babando. – Gy cutucou a minha costela, fazendo-me fechar os olhos com força pelo incômodo.

– E a fila andou. – olhei para frente, forçando-me a romper a estúpida conexão visual. Ele jamais se lembraria da irmã pirralha do amigo dele que viva babando por ele. – Não disse? Aparentemente, o ano já começou bem... – ela falou rindo enquanto dávamos alguns passos para frente e ela sorria bobamente. Ainda mataria Gaya se ela continuasse a fazer aquele tipo de barbaridades enquanto eu flertava. Tá, não era um flerte, era mais eu sendo estúpida.

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