5. ENTRELAÇADOS

(Ryan)  

Mais uma semana e mais uma m*****a seleção, de novo não tirei uma candidata descente desse monte de mulher. Ligo para Bernardo.

 — Fala. – Ele atende no quinto toque. 

— Temos que cancelar a seleção de sexta, já é a terceira, Bernardo. Não aguento mais. – Ando em círculos em cima do tapete, mais um pouco e abriria um buraco. 

— Olha cara, sei o quanto isso é importante para você, mas temos que ser pacientes, prudentes e focados se quisermos encontrar a mulher certa. – Abaixo a cabeça, estou impaciente mas sei que ele tem razão. 

— Vou cancelar a seleção de sexta, mas vamos nos encontrar amanhã de manhã fora da empresa. Quem sabe assim temos novas idéias.

— E o expediente? – Pergunto. 

— Um dia sem trabalhar não vai te matar e o meu expediente continua normalmente a tarde. Sem grandes transtornos. 

— Sem grandes transtornos. – Repito.

— Na cafeteria Grenz as oito? — Ele pergunta. 

— Por que tão longe?  – Franzo as sobrancelhas.

— Qual é Ryan, é só sentar no banco do carro e dirigir. Estou tentando ampliar seus horizontes. – Reviro os olhos. 

— Fechado.  

É imprescindível que minha mãe goste dessa mulher, seja ela quem for.

(Gabi)  

Saí todos os dias da última semana para procurar emprego, estou cansada de participar de entrevistas,sete dias desempregada não parece muito mas ficar sem trabalhar é uma tortura para mim.  

Ficar dentro da mesma casa que Nanda o dia todo é impossível, quando Duda chega a noite ajuda a piorar o clima, odeio como ela muda na presença da irmã. Estou sensível e me pergunto quanto tempo vou aguentar até explodir uma discussão enorme ou virar minha mão na cara de Fernanda.

Meu celular vibra ao meu lado no colchão.

É Leila, marcando de encontrar comigo em uma cafeteria para depois procurarmos uma vaga juntas, é folga dela e ela está me apoiando. Aline também mandou mensagem dizendo para eu não me preocupar que daqui a algumas semanas consegue uma vaga para mim, agradeci mas não vou ficar parada até lá, confirmo o encontro com Leila e vou dormir.  

(Bernardo)  

 Esta é uma manhã bonita, é possível ver algumas nuvens escuras no horizonte então não sei por quanto tempo. O Rio de Janeiro nunca deixa de ser bonito. Ryan vai se atrasar como sempre, então sem nenhuma pressa me preparo e me arrumo para passar o dia. O cheiro bom do café de Vanda invade meus sentidos.

— Bom dia! – Beatriz aparece na sala, está arrumada e sorri enquanto afasta o cabelo longo para prender um par de brincos grandes nas orelhas. 

— Bom dia... Mal chegou já vai sair? — Levanto uma sobrancelha. Ganho uma careta como resposta. 

— Vou fingir que isso é amor por mim e não ciúmes, irmãozinho querido. – Debocha. Ela sai andando em direção a cozinha e eu faço o mesmo. 

 Beatriz reclama do calor do Rio de Janeiro, ela mora em São Paulo com nossos pais, abriu sua empresa de moda há dois anos e é a primeira vez que tira férias desde então, para que reservar um hotel quando se tem um irmão mais velho generoso que mora na cidade escolhida, não é mesmo?  

Ter Beatriz aqui é bom, frequentemente me sinto sozinho, as vezes imagino como seria morar com alguém aqui. Acordar e encontrar alguém sorridente, descalça, de pijamas e cabelos presos andando pela cozinha enquanto crianças assistem TV ou brincam pela casa. É um pensamento um tanto clichê, mas de vez em quando me acerta. 

Saio de casa as sete e quarenta da manhã, e dirijo até a cafeteria, milagrosamente o trânsito não está caótico e consigo chegar no horário que marcamos. Adentro a cafeteria empurrando a porta de vidro. 

O lugar tem cheiro de doces, a decoração é reconfortante. Bancos acolchoados e mesas de madeira escura. As paredes também tem a combinação creme e marrom, alguns quadros com paisagens e mensagens motivacionais compõem o ambiente. Olhando rapidamente pelo estabelecimento constato o que já sabia, Ryan ainda não está aqui. 

Vou até o balcão passando por entre as mesas, não está totalmente cheio como achei que estaria. Me sento em um banco na frente do enorme balcão retangular, logo uma atendente vem me cumprimentar. 

— Bom dia, senhor. Vai pedir? – Ela pergunta. 

— Bom dia... Por enquanto não. Obrigado. – Ela concorda e se retira. Pego o celular a procura de algum sinal de vida do Ryan, nenhuma ligação ou mensagem. Sou capaz de matá-lo se estiver dormindo.

Vinte minutos se passam, meia hora, quarenta minutos... Espero que Ryan tenha um bom motivo para me deixar aqui plantado. 

(Gabi)  

Já cedo estou pronta para ir procurar emprego, Leila cancelou pois teve que cobrir uma das meninas no trabalho, mas eu vou mesmo assim. Saio do quarto e vejo o movimento de Nanda e Beth na cozinha, Fernanda está dizendo que Beth devia voltar para cama e ela reclama que pode andar e cozinhar pois não está morta. Duda já deve ter ido trabalhar. 

— Bom dia. – Murmuro para as duas.  Fernanda me olha atravessado e mamãe me dá um sorriso que me sinto obrigada a retribuir. 

— Bom dia, filha. Está tão linda, vai sair?  – Ela vem me beijar no rosto. 

— Vou sim, vou procurar trabalho. 

— Boa sorte, meu amor. 

— Obrigada. – Passo a mão no pulso e sinto falta da pulseira que uso todos os dias, foi presente de Aline.

Volto até o quarto, coloco a pulseira e pego o celular. Quando saio do quarto percebo a casa silenciosa, prestando mais atenção vejo que Beth está no quarto e Fernanda no banheiro. Ouço duas batidas na porta da frente, que estranho, quem quer que seja tem chave pois já passou do portão. Será que Duda esqueceu alguma coisa? 

Caminho até a porta, abrindo-a.

— Bom dia. – Allan, marido de Fernanda, murmura após passar longos segundos me analisando da cabeça aos pés. 

— Bom dia. – Não sorrio, ele me encara descaradamente outra vez e não consigo sustentar seu olhar, desvio os olhos para além da porta. Allan é casado com Nanda há alguns anos e jamais havia me olhado dessa forma, até hoje. Ele franze as sobrancelhas tentando lembrar de algo. 

— Gabriela, certo? – Seu sotaque arrasta, ele é alemão. Seus olhos são tão azuis como o céu em um dia de verão, os cabelos, sobrancelhas e cílios tão dourados quanto o pôr do sol, mas sua presença e seu olhar me deixam constrangida. 

— Certo.  E-eu vou chamar Fernanda... — Me viro para sair enquanto seus olhos continuam me percorrendo, mas ele me chama de volta. 

— Ela sabe que estou aqui. Falamos no telefone.  

— Ah...  Tá. Tá bom. – Ele finalmente me olha nos olhos. 

— Não vai me deixar entrar? – Levo alguns segundos para entender. O sotaque dele ainda é muito forte. 

— Claro. – Saio da frente da porta dando passagem para ele, que não demora a entrar, ele passa por mim e para no meio da sala, está vestindo uma camisa branca e calça jeans. Vou até o sofá pegar minha bolsa para sair e percebo ele acompanhar minha movimentação com os olhos.

— Estou de saída mas Fernanda já está vindo. – Ele não responde e decido ir saindo de uma vez. 

— Está diferente. – Ele diz do nada, me fazendo parar de novo. — Faz muito tempo que a vi, está mais bonita. 

Olho em seus olhos, não consigo crer no que estou ouvindo. Ao mesmo tempo sinto meu rosto e nuca esquentar de vergonha, decido não agradecer o elogio, ele é um homem casado. Só desvio o olhar após perceber que ele não vai fazer o mesmo. 

— E o seu namorado? – Ele pergunta. Está falando de Marcelo. Ele está tentando flertar comigo? — Estão juntos? 

— Não – Respondo seca. 

— Não entendo como te deixou.

— Algumas coisas apenas não são para ser. – Respondo esperando que ele entenda o duplo sentido.

— Entendo. – Ele passa a mão na barba que começa a crescer. — Devia ir nos visitar junto com Duda um dia desses. — Ele sorri e põe uma das mãos no bolso. 

Abro a boca para responder mas não sai nenhuma palavra, ele parece esquecer que a esposa dele me jogaria do décimo terceiro andar. 

— Chegou rápido, Allan. – Viro a cabeça na direção da voz de Nanda. Ela me encara de braços cruzados, quando olho para Allan ele não parece nem um pouco constrangido como eu. 

— O transito está bom. – Ele responde sem deixar de me encarar. Fernanda o encara, parece que vou morrer sufocada se não sair desse lugar agora. 

— Estou de saída. Com licença. – Ando até a porta. 

— Gabriela. – Fernanda me chama.— Preciso falar com você, agora. 

Respiro fundo, até dez Gabriela, conte até dez. Beth está em casa. Penso em flores e chocolate enquanto acompanho Nanda até a cozinha, para longe dos olhos de Allan. 

— O que pensa que está fazendo? – Ela põe uma mão na cintura e outra em cima da bancada de madeira. Chega bem perto de mim tentando me intimidar. 

— Não sei do que está falando, não fiz nada. – Encaro seus olhos castanhos do mesmo jeito que ela faz comigo. 

— Pare já de bancar a sonsa, acha que não sei que está tentando jogar charme para cima do meu marido? – Eu nego. 

— Seu marido – Digo a palavra com ironia. — Apenas bateu na porta e eu atendi. 

Fernanda cruza os braços. 

— Atendeu e não deixou de dar conversa como a vadiazinha que é. – Meu coração acelera e sinto fogo correndo nas veias, fecho os punhos para conter a vontade de socá-la. Dou dois passos a frente, ficando a poucos centímetros de distância dela, minhas mãos tremem, estou a ponto de jogar meu autocontrole para o espaço. 

— Tem certeza, Fernanda? Tem certeza que não é o seu marido que puxou conversa comigo e quis saber demais da minha vida, do mesmo jeito que deve fazer com outras mulheres quando está longe de você?

Ouço um estalo e no segundo seguinte meu rosto está virado para o outro lado, a ardência e a dor atingem e entendo o que houve, ela me deu um tapa. Quando volto a olhá-la seus olhos brilham de raiva. 

— Lave a sua boca imunda para falar de mim ou de Allan! – Ela esbraveja colocando o dedo na minha cara.— O que você tem é inveja, porque tenho um homem bom e bonito que me ama e me dá a vida que mereço, porque tenho a mãe que você sempre quis mas não tem!  VOCÊ É O QUE É E SEMPRE VAI SER! REJEITADA! MAL AMADA! 

Allan aparece na cozinha tentando entender a situação. As palavras de Nanda me atravessam como facas afiadas, meus olhos se enchem de lágrimas mas me obrigo a não derramá-las na frente dela. Ao invés disso deixo o autocontrole que restava escapar e devolvo o tapa que ela havia me dado, Nanda tenta vir para cima de mim mas é segurada por Allan. Me viro para sair dali mas dou de cara com Beth, ela me encara com lágrimas nos olhos, a decepção estampada em seu choro silencioso. 

Sei que ela me viu bater em Fernanda. 

Posso ouvir os cacos do meu coração se partindo, não aguento mais segurar as lágrimas diante da certeza que a decepcionei. A única pessoa que se importou comigo e me acolheu quando ninguém mais o fez. Cubro a boca com a mão tentando conter os soluços. 

— Desculpa, mãe. Me desculpa. – Murmuro antes de sair correndo dali. Saio sem rumo pela rua sem saber ao certo onde estou indo. 

Algumas pessoas me encaram e outras me ignoram. Ando até minhas pernas formigarem, deixo as lágrimas caírem livremente, o pior de tudo é saber que sou tudo que Fernanda disse. Toda vez que acho que minha vida vai melhorar tudo vai abaixo de uma hora para outra. Não tenho família, não tenho emprego, muito menos amor.

Não acredito que cheguei a pensar que poderia ser feliz com Marcelo algum dia a ponto de construir uma família, coisa que não tive. Acho que nunca vou saber o que é ser amada de verdade.

Continuo caminhando sem parar pelo que parecem horas.

Só me dou conta de onde estou quando avisto a cafeteria do outro lado da rua. Também não havia reparado que ironicamente o tempo mudou enquanto eu andava, andei tanto sem nem me dar conta. 

Antes que eu pudesse me perguntar se teria como piorar pingos grossos de chuva começam a cair. Olho a hora no celular, nove da manhã. De repente, como se um botão fosse acionado, a chuva cai de uma só vez, o tempo que levo para atravessar a avenida movimentada é suficiente para me deixar totalmente ensopada. 

Sem pensar demais na molhadeira que vou fazer no chão empurro a porta e entro pelo ambiente, o choque de realidade é agradável. Uma música calma e em som ambiente inundam meus ouvidos, dou passos largos até chegar ao balcão de atendimento. 

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