Foi no Mês de Inverno
Foi no Mês de Inverno
Por: Milena Souza
Capítulo 1

Yuki

Estamos no mês de inverno, está chovendo muito. O céu está escuro, há muitos relâmpagos e trovões, o vento uiva sobre as árvores, e o cheiro de terra molhada deixa essa manhã ainda mais gostosa. Em frente à minha casa há um jardim de rosas e a chuva cai sobre elas, alimentando-as. 

Meu irmão mais velho está na cozinha fazendo chocolate quente para nos aquecer. Enquanto ele está ocupado, fico assistindo à chuva cair lá fora, ouvindo jazz suave para manter o clima tranquilo.

Enquanto observo a chuva fico enrolando meus cabelos em meus dedos, ali fico a ter devaneios, pensando: “O que aquela flor está pensando? Será que está com frio ou será que está se divertindo com aqueles pingos gelados?” Perco-me em meus pensamentos e sem perceber mordo tão forte meus lábios que acabo fazendo um pequeno corte.

Meu irmão chega e o aroma de chocolate quente recém-feito adentra meu quarto. Enquanto o sabor da bebida quente derrete em minha língua, meu irmão me faz companhia assistindo à chuva. Depois que terminamos o nosso delicioso café da manhã, ele disse precisar ir trabalhar. Como ele trabalha numa livraria, periodicamente me traz livros de presente. Despeço-me dele e vou fazer minhas tarefas de casa.

 ... 

Enquanto estou arrumando meu quarto e ouvindo música percebo que de repente a luz acabara naquele instante. Tomei um susto, pois no primeiro andar a casa é mais escura. Desço as escadas rapidamente e vou para a sala. Enquanto estou acendendo as lanternas, percebo que alguém b**e em minha porta. Quando abro, lá está um garoto todo molhado, sorrindo. Ele é um garoto lindo, negro, de olhos castanhos avermelhados e cabelos cacheados em um tom de castanho-escuro, forte e com um sorriso encantador.

— Olá, meu nome é Peter! Sou seu novo vizinho. — Ele acena para mim, dando um sorriso. 

— Olá Peter! Meu nome é Yuki! Posso ajudá-lo em algo? — Digo olhando de cima a baixo aquele estranho. 

— Meus pais saíram e fiquei preso do lado de fora, esqueci minhas chaves sobre minha cama quando sai. Gostaria de saber se posso esperar aqui? Quando ele falou percebi que a sua mão foi diretamente em seus cabelos, alisou algumas mechas e olhou para o chão. Notei estar com muita vergonha. Ele é tão fofo.

Eu o olho, apreensiva, não sei se devo confiar nele, já que nunca o vi antes. Mordo meus lábios pintados para ele, analisando-o. Meus pensamentos são interrompidos por um clarão e em seguida um trovão.

— Juro que não irei lhe incomodar. — Diz juntando as mãos em sinal de clemência.

Ele me olha de uma forma que me dá pena, ninguém deveria ficar naquele frio todo e encharcado, poderia ficar resfriado ou pegar uma hipotermia. Meu coração mole me fez tomar a decisão de deixá-lo entrar. 

— Tudo bem. Entre, o tempo está terrível, lhe emprestarei uma toalha e roupas secas, de meu irmão.  

Ele entrou e lhe entreguei a toalha e as roupas, e fui para cozinha fazer mais chocolate quente para ajudá-lo a se aquecer. Enquanto estou preparando a bebida, fico a pensar… “Quem será aquele garoto realmente? E o porquê ele se mudou para a casa dos Johnson’s?” Corri para gaveta ao lado e peguei um canivete preto de Will e o escondi em meu bolso. Quando virei de costas, eu o vi de pé me olhando da porta. Fiquei muito constrangida, talvez ele estivesse percebido. Eu estava tão tensa que queimei minha mão, ao invés de ter pegado na colher acabei pegando na panela. Ele me olhou e começou a rir, virei me novamente para o fogão e continuei a fazer o chocolate quente.  

— A roupa de meu irmão lhe serviu perfeitamente. — Comento, sem parecer suspeita. 

— Sim, ficou perfeita, ele tem bom gosto. — Ele fala olhando para a jaqueta, sorrindo. 

— Então, Peter né? Se mudou faz quanto tempo? Eu moro perto e não ouvi nenhum caminhão de mudanças. 

— Eu e meus pais nos mudamos a uma semana, a mudança foi de madrugada e não trouxemos muitas coisas, os Johnson’s venderam a casa com todos os móveis.

— Ah sim! Entendo, e qual foi o motivo da mudança?  

— Bom, foi pela minha saúde, a cidade onde eu morava é muito agitada, eu precisava de um lugar mais tranquilo. 

Dou um sorriso e lhe entrego o chocolate quente. Vamos para sala e sentamos no sofá. Está tudo escuro e ficamos ali parados ouvindo à chuva. Lá fora estava uma verdadeira tempestade. Percebo que ele está inquieto, porém não comento nada, suponho que para ele também é desconfortável estar com uma desconhecida. Observando bem, ele não perece ser alguém ruim, ele tem um rosto sereno, seus lábios vermelhos são tão atrativos. Ouço um barulho de carro que me desperta de meus pensamentos.  

— São os meus pais, tenho que ir, mas obrigado por tudo. — De nada, foi bom ter sua companhia.

— Obrigado pelas roupas e pelo chocolate quente. Amanhã entrego as roupas de seu irmão. — Dou um sorriso e ele me dá um beijo no rosto e vai embora. 

Depois que ele se foi, fui ao meu quarto pegar meu casaco e um cobertor. Enquanto estou caminhando de volta para sala ouço um estalo, finalmente a luz havia voltado, espero um tempo e começo a religar os aparelhos de casa, aproveito que a luz voltou e vou assistir alguma comédia romântica.

Mais tarde vou para meu quarto, pego um livro que ganhei recentemente e começo a ler. Ele é sobre aventura, drama, romance e ficção. Há uma ninfa d'água que se apaixonou por um humano e teve uma filha com ele, mas quando outros humanos descobrem isso a matam. Eles eram intolerantes com os seres daquela terra. Seu amado para evitar mais uma tragédia fugiu com sua filha, para não matarem ela também, eles começaram a viver dentro de uma floresta onde nenhum humano entrava, e lá a pequena ninfa chamada Flora cresceu e manteve sua conexão com a natureza. Achei o livro tão incrível que o li inteiro. Quando percebi eram 18h

Desci para fazer o jantar, fiz nosso prato favorito, batata salte, com arroz, bife acebolado e salada verde, esse foi o primeiro prato que Will fez para mim quando vim morar com ele. Depois que terminei de fazer tudo, fui tomar banho e esperar Will. Enquanto eu o esperava fiz uma mousse de limão que aprendi em um canal culinário.  Meu irmão chegou, deu um beijo em minha testa e foi para o banho, e eu fiquei assistindo um canal de clipe musical esperando-o descer para jantar. 

— Yuki, de quem são essas roupas? O que aconteceu enquanto eu estava fora? Você está trazendo algum namorado para casa e não me disse nada? — Constrangida comecei a explicar o que havia acontecido. 

— Claro que não Willian, você sabe que eu não sou de ter namoradinho, ainda mais às escondidas. — Lhe recrimino. 

— E de quem são essas roupas? Minhas que não são. — Ele diz desconfiado e arqueando as sobrancelhas. 

— Um vizinho novo apareceu aqui todo encharcado pedindo abrigo, pois ficou do lado de fora da casa dele sem querer. 

— E você acreditou? Você sabe que não deve confiar em estranhos, eu já lhe disse isso, você não é criança. — Disse muito irritado. Quando ele está muito bravo começa a ficar vermelho, seus olhos azuis começaram a ficar esverdeados. 

— Desculpa, eu só queria ajudá-lo. Ninguém merece estar nessa chuva, com frio e com risco de ficar doente. E eu me protegi, peguei seu canivete. 

— Se ele tivesse uma arma esse canivete de nada teria lhe servido.

Depois que ele disse isso fiquei com um nó na garganta e muito assustada, queria chorar, e meu olhar não escondia o medo que eu estava sentindo naquele momento. Coloquei minha vida em risco por confiar em um estranho. Ele começou a me abraçar para me tranquilizar e diz. 

— Olha. Eu sei que você queria ajudar alguém, mas cuide-se tá bem? Nem todo mundo nessa cidade tem bom coração como você. Amanhã antes de ir trabalhar descobrirei quem é esse novo vizinho, para que nada de mal lhe aconteça. 

Para me deixar mais calma ele começa a cantarolar para mim enquanto continua me abraçando. Após eu ter me acalmado fomos jantar. Will me ensinou tudo que eu sei, ele é um verdadeiro chefe de cozinha. 

Logo após jantarmos, lavamos os pratos, assistimos uma série nova de comédia e rimos bastante. Gosto de passar um tempo com ele, às vezes ele é rígido, mas só quando precisa me proteger. A maior parte do tempo ele precisa ser assim, mas às vezes apenas age como meu irmão implicante e divertido.

Nós nos divertirmos bastante após o jantar. Algumas horas depois eu disse-lhe que ia dormir, e fui para o meu quarto. Deitei-me e fiquei a pensar sobre meu doloroso passado. Dói lembrar que fui abandonada pelos meus pais quando tinha apenas 5 anos. Como todas as noites, comecei a chorar.

Era como se eu estivesse vivenciando tudo aquilo naquele exato momento. Nada era capaz de me fazer esquecer essa dor, meu irmão age como se nada tivesse acontecido. Ele não suporta saber que fizeram isso comigo. Me tiraram da família e ficaram apenas os três, como se eu fosse um empecilho. O pior de tudo é saber não haver motivos para acontecer isso. Bem, talvez tenha, só não disseram qual. Prefiro acreditar que fizeram isso para me salvar de algo ruim. Will não sabe que choro todas as noites e ele também não sabe que meus sorrisos são para mascarar a minha dor. Fecho meus olhos, abraço meu travesseiro e ainda chorando me obrigo a dormir. 

À noite está complicada, toda vez que fecho os olhos os pesadelos aparecem, acordei durante toda a noite, viro para um lado e para o outro da cama, sinto que meu corpo está pesado. Resolvo tomar um banho gelado para me acalmar. Depois de um banho demorado deito-me, mas sinto que ainda estou quente e resolvo ler um pouco. Já eram 03h da manhã e nada de conseguir dormir, talvez o banho frio nesse inverno não tenha sido uma boa ideia, resolvo me levantar da cama e fazer um leite quente com canela, bebo devagar e coloco música clássica para ouvir, em seguida consigo dormir tranquila.

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