Como minha sorte e o carma são uma v****, eu realmente fiquei doente logo a noite depois de pegar aquela chuva, tosse, nariz escorrendo, garganta doendo, um pouco de febre, nariz congestionado, espirros, se fosse para eu ganhar na loteria da má sorte eu estava milionária ou morta. Estava deitada em minha cama de solteiro de baixo das cobertas. Meu quarto não era um quarto incrível, era apenas a minha cama e minha escrivaninha, na parede da cabeceira de minha cama havia uma tapeçaria de parede preta, ela era a estampa de uma carta de tarô, a carta da lua. Na minha janela haviam pequenas flores suculentas, eu tinha um pequeno closet e mais nada, o quarto em si não era grande, minha tia e eu compramos uma casa no estilo artesão, ela tem dois quartos, um só banheiro no andar de cima, a sala da TV e a cozinha, temos um quintal grande cheio de árvores enormes, quando faz neblina parece até um filme de terror.

            — Eu disse para você não vir embora na chuva! — disse minha tia entrando no meu quarto com uma bandeja na mão, ali havia um chá e alguns remédios. — Agora são três da manhã, você sabia disso?

            — É, meio que não — eu disse com a minha voz rouca por conta da garganta dolorida. Me sentei na cama e minha tia colocou a bandeja ao meu lado. Tia Eve era minha mulher muito bonita, tinha pele bronzeada, uma cor muito bonita, os olhos eram azuis, o cabelo preto era cacheado e curto deixando a nuca a mostra, ela tinha um corpo curvilíneo, os lábios eram carnudos.

            — Amanhã nada de escola — disse tia Eve.

            — Concordo plenamente — eu disse depois de tomar os remédios e tomando o chá. Depois de ser medicada eu finalmente consegui dormir melhor, se é que pode ser chamado de melhor. Se lembra daquele bicho que vi? Então, os olhos daquela coisa estavam na minha mente, nos meus sonhos, em toda p**** de lugar que eu fosse eles estavam lá. E assim foi, durante os três dias que eu fiquei de molho em casa, mas assim que melhorei voltei para a escola, ainda com cara de doente e com a garganta doendo.

           Na hora do almoço eu sempre comia sozinha, costumava levar meu almoço pronto e comia num lugar afastado, o que eu mais gostava era que as pessoas não forçavam chegar perto de mim, ou falavam comigo, ou faziam bullying, mas é claro que sempre haviam aqueles que tinham pena de mim.

            — Oi Ayla! — disse Vanessa, uma linda e perfeita garota de sorrido gentil, sua pele era negra, os cabelos eram bem cacheados e cheios, com algumas luzes loiras, o estilo dela era impagável, um pastel goth, os olhos cor de mel eram cativantes, o rosto sempre maquiado, a boca em tons escuros e delineado nos olhos.

            — Vanessa — eu disse assentindo uma vez com a cabeça num cumprimento. Vanessa seria a típica garota que pega no pé de esquisitos como eu, mas ela não fazia isso, pelo menos não comigo é claro.

            — Está sentada sozinha de novo, não quer sei lá, sentar comigo? — perguntou Vanessa. Caridade para comigo não é uma coisa que eu curta, ainda mais caridade de pessoas que me lembravam minhas amigas.

            — Eu estou bem assim — eu disse com a voz baixa e rouca.

            — Bom, você que sabe — ele disse dando um sorriso de pena e deu de ombros, depois saiu. Sinceramente, acho que preciso de um lugar mais reservado. Há uma sala esquecida nessa escola, a antiga sala de música que pegou fogo há tipo dez anos atrás e não foi mais reutilizada por que cinco alunos morreram ali, quando vejo que talvez eu não tenha paz, eu vou para lá. Assim que entro dá pra ver as manchas pretas nas paredes, no chão também, o teto praticamente caindo, as janelas tiveram seus vidros recolocados, haviam restos de cortinas vermelhas chamuscadas, era um mausoléu dentro de uma escola. Sento-me na janela e olho para fora, como meu sanduíche de atum e azeitonas, tomo meu suco e depois meus remédios para depressão, ansiedade e etc.

             Quando termino apenas paro e fico em silêncio olhando para a rua e para a cidade, precisamente para os telhados escuros e molhados das casas.

            — Posso entrar? — disse a voz grossa e o olhei, era Orion. Por alguma razão meu coração saltou no peito, talvez fosse por que ele prendeu o cabelo deixando apenas a parte de baixo solta e o rosto bonito estava mais a vista. E como era bonito o rosto dele. 

            — Já meio que entrou — eu disse abraçando meus joelhos e ele deu uma leve risada. — Por que está aqui?

            — Eu só estava passando e vi você entrando — disse ele.

            — Ficou esperando eu acabar de comer? — perguntei e ele assentiu. — Uau...

            — Você está doente? — ele perguntou e apenas assenti. — Eu disse que ficaria, mas não aceitou a minha carona.

            — Eu não aceito carona de estranhos — eu disse apertando minhas unhas em minhas pernas.

            — Eu sou da sua classe — ele disse confuso e dei de ombros.

            — Mesmo assim eu não te conheço — eu disse sem olhar para ele. — Só sei que é inteligente.

            — Eu me esforço — ele disse pegando uma cadeira e se sentando longe de mim. — Seu nome é Ayla, não é?

            — É.

            — Não é americano — ele disse sorrindo e o olhei desgostosa. — Poderia me dizer o que significa?

            — É turco — disse. — Significa luz da lua ou luar.

            — Muito bonito — ele disse. — Sua família é turca?

            — Não, minha mãe só pesquisou num livro de nomes para bebês — eu disse e o olhei, prendi o riso.

            — Bom, eu me chamo Orion — ele disse. — Por causa da...

            — Constelação de Orion, o Caçador — o cortei. — 

            — Exato — disse Orion suspirando em seguida. — Sabe... Eu.. eu meio que notei que você não tem nenhum amigo...

            — Não preciso disso — eu disse bufando pelo nariz. — Eu sou bem melhor sozinha.

            — Então você é uma loba solitária? — ele disse num tom brincalhão e sorrindo deixando as covinhas do sorriso evidentes.

            — Isso me faz parecer um solteirão de meia idade, nunca mais fale isso — eu disse o fazendo rir.   — Por que você está aqui?

            — Eu só queria jogar conversa fora — ele disse sorrindo e mostrando as covinhas que se formavam com seu sorriso. — E você me parece ser uma menina muito legal.

            — Não se engane comigo — eu disse e o sinal tocou logo em seguida. Orion apenas assentiu e se levantou da cadeira.

            — Te vejo na sala — ele disse e revirei os olhos. Depois que ele saiu eu sai, fui até a sala de aula, eu sempre me sentava na última carteira, o mais longe possível, e desta vez bem na minha reta a direita estava Orion, que antes se sentava mais para frente e de repente veio se sentar no fundo, o que é muito suspeito.

            Com o fim da aula eu iria para casa, como todo dia, da escola para casa, de casa para escola, essa era minha rotina e eu nunca, nunca desviava. Mas, minha tia me enviou uma mensagem para que eu fosse ao mercadinho comprar algumas coisas, eu sequer sei onde isso fica. Parei na calçada olhando a tela do celular e tratei de fazer um trajeto pelo mapa de um aplicativo.

            — Bingo — eu disse suspirando. Essa cidade é assim como várias do estado dependente de madeira, então o que mais tem por aqui são lenhadores e alguns caçadores. Quando entrei no mercadinho escutei um caçador:

            — Eu juro, era um lobo gigantesco! — disse ele. — Passava dos dois metros! E veio para cima de mim!

            — É? E por que você não o matou Joe? — disse outro. — Você é um caçador, ora essa!

            — É claro que é mentira, lobos são raros nessa região, ainda mais um lobo gigante! — disse outro caindo na risada. Então, aqueles enormes olhos amarelos voltaram a minha mente, eu não sei como são os olhos de um lobo exatamente, mas que eu vi olhos de um animal grande e que rosnava, ah eu vi. Depois das compras feitas, eu paguei e sai do mercadinho, já estava ficando tarde e meu celular com a bateria acabando, desesperada eu liguei para minha tia, muitas vezes assim que escurece e estou fora de casa entro em pânico, pois sempre penso que alguém vai me fazer alguma coisa ruim.

            — Oh neném, tá precisando de ajuda? — perguntou um dos caçadores e o ignorei enquanto estava com o celular na orelha.

            — Vamos tia atende — eu disse começando a tremer.

            — Boneca, o meu amigo aqui perguntou se precisa de ajuda — disse outro caçador e eles começaram e se aproximar, meu celular desligou.

            — Não, não, não, não — comecei a falar repetidas vezes e com meus olhos marejados.

            — Não ignora a gente princesa — disse o terceiro caçador e os três estavam agora muito perto. Um deles tocou meu ombro.

            — NÃO! — gritei batendo na mão dele e deixando as sacolas caírem. Dei três passos para trás e os três homens se entre olharam e deram um sorriso malicioso. Eu só pensei em apenas uma coisa, correr, correr o mais rápido que eu podia.

            — Ei boneca! Espera! — disse um deles e corri ainda mais, quando entro em pânico fico extremamente transtornada, muitas vezes nem sei a onde estou ou para onde estou indo, como é esse exato caso de agora. Parei apenas quando um caminhão de madeira freou a centímetros de mim.

            — Tá maluca?! — gritou o caminheiro colocando meio corpo para fora da janela e engoli em seco, quando ele abriu a porta do caminhão para descer eu sai correndo novamente, corri para mata a dentro, eu havia corrido tanto que sequer percebi que estava bem longe e totalmente perdida, eu acabei na floresta.