Capítulo 4

— Se você encostar um dedo em mim, seu filho da puta, pode se considerar um homem morto.

— Ah, é? E é você que me diz isso ou pretende chamar o irmãozinho pra te defender? — Mauro disse com ar de deboche.

— Com você me entendo sozinha, fique longe de mim.

— Quanto mais difícil pra mim, melhor é.

— Acorde desse sonho, eu pra você não sou difícil, sou impossível.

— Não há impossíveis pra mim, e não vai ser uma pobre coitada como você que vai me dizer não. Todas as mulheres nessa região dariam tudo para ter a honra — Rafaela gargalhou.

— Não desdenhe, você sabe que tudo isso ao redor é meu, todos me respeitam aqui, você pode nunca mais ter um emprego se sair por essa porta.

— Guarde seu emprego pra você mesmo, seu monte de estrumo, você é quem está precisando trabalhar e deixar a vida dos outros em paz, eu não vou precisar dele, sabe por quê? Porque eu estou indo embora daqui, ouviu bem? Embora, já percebi que não há lugar aqui para quem quer trabalhar honestamente, irei para a capital.

— E você acha que na capital terá trabalho honesto para você, sua idiota? Se olha no espelho, aonde você chegar, é na sua calcinha que eles vão querer entrar.

— Como você é baixo, eles só entrarão na minha calcinha se eu quiser. Eu sei me defender, e lá tem mais oportunidades, sim. Desde que eu cheguei aqui tenho trabalhado como voluntária, não me queixo de ajudar, mas tampouco posso me dar ao luxo de trabalhar sem receber, porque preciso do dinheiro. Adeus.

— Rafaela, espere, por... por favor — agarrou em seu braço quando ela deu as costas.

— O que quer Senhor Almeida?

— Mauro, Rafaela, pra você é Mauro. Olha, ouça-me, por favor, eu sei que uma garota como você quer um casamento com tudo que tem direito, filhos e todas essas coisas que as mulheres sonham; o casamento eu não posso te dar, porque já sou casado, mas se me aceitar, será tratada como uma princesa. Mulher, não haverá nada nesse mundo que eu não faça por você.

— Eu dispenso a sua oferta, senhor Almeida, e por nenhuma razão volte a me chamar com base numa mentira, porque da próxima vez, se é que vai haver próxima, eu posso não vir e alguém pode perder a vida.

Ele a chamou mais uma vez, ela deu as costas e foi embora.

Rafaela estacionou a velha Picape da família e estava entrando em casa, sua casa, humilde sim, mas sua, com sua família. Como tinha sentido falta deles, até doía lembrar. Era grata por tudo que seu padrinho havia proporcionado a ela; uma bolsa de estudos num colégio interno, ela esteve lá desde os treze anos e há seis meses havia concluído seu curso de medicina, se formando em medicina geral, mas teve que regressar, esteve quase nove anos longe de sua família. Quando saiu de casa contra sua vontade, sentiu tanto medo, pavor, na verdade. Tinha passado noites e mais noites chorando, mas sempre se lembrava das palavras da mãe.

— Filha, faça esse sacrifício por sua família, estude para que um dia possa nos ajudar, veja a condição em que vivemos, minha princesa, prometa que vai se comportar bem e voltará uma doutora para nos dar orgulho?

Mesmo em meio a tristeza, Rafaela sentiu o peso da consciência, não podia pensar em seus medos, o desejo de um dia poder ajudar a sua família a guiou, hoje, ela estava ali com eles e se envergonhava de não poder ajudar como gostaria, a cidadezinha era muito pequena e os postos no pequeno hospital já estavam todos ocupados.

Ela vinha atendendo em casa as emergências e até trabalhava no hospital, mas como voluntária, por não haver vaga para ela. Em muitos casos não cobrava para atender seus pacientes na casa deles, porque a maioria deles já eram tão pobres que ela não tinha coração para isso, cobrar de quem não tinha.

Teria que ir a capital procurar emprego e assim ajudaria sua família, tinha muita pena de ter que deixa-los outra vez, mas não tinha outra opção viável. Jamais se sujeitaria a ser amante de homem casado para ter uma vida folgada. Deus a livrasse daquilo.

Seus pais davam duro naquelas terras, plantando e colhendo para viver, mas nunca tiveram condições de fazer algo grande para vender e lucrar, só o suficiente para sobreviver. Criavam pequenos animais também para sustento próprio, e o pouco lucro que conseguiam usavam para pagar a hipoteca da propriedade.

Tinha um irmão, na verdade, meio irmão, porque quando sua mãe casou com seu pai, ele tinha um filho de cinco anos. Ela tinha muita pena que ele não tivesse tido a mesma oportunidade que ela de estudar. O conhecimento abria horizontes, era como uma espécie de arma de defesa.

Não que seu querido irmão não fosse inteligente, porque ele era, mas faltava cultura, ele era um homem rude, mas com o coração do tamanho do mundo. E não era por ser seu irmão não, mas ele era um pedaço de mau caminho, ela até tinha pena das mulheres que cruzavam o caminho daquele tigre, sim, tigre; bonito, mas indomável, para se admirar de longe. Rafaela ria pensando.

Entrou em sua simples, mas extremamente limpa casa e lá estava sua mãe, cuidando do jantar, sorridente. A sala de paredes da cor bege, tinha cortinas de renda branca em duas das janelas, os móveis eram todos em madeira rústica e o sofá era em madeira com estofado floral, a cozinha também rústica tinha uma abertura dupla onde deveria estar uma porta. Quem entrava pela porta da sala tinha essa visão da cozinha, nela tinha um grande forno à lenha que Rafaela adorava pelo gostinho que dava a comida, ela sempre tinha achado comida à lenha mais saborosa e tinha sentido muita falta quando esteve fora. E iria sentir em breve, pensou tristonha.

— O que minha princesa tem para estar com essa carinha? Então como foi lá na fazenda dos Almeida? Quem estava doente? E já está melhor?

— Ei mãe, que bombardeio é esse? Vai com calma, hein?! Uma pergunta de cada vez — riu.

Sua mãe sempre foi curiosa e perguntadora.

A mãe fez sinal de rendição com as mãos.

— Aquele idiota do Almeida me chamou lá porque queria falar comigo, e não porque alguém estivesse doente...

Antes que ela pudesse terminar de falar, sua mãe a interrompeu parecendo muito preocupada.

— O senhor Almeida? E o que ele queria com você, filha?

— Não mãe, não meu padrinho, o filho dele, o Mauro. Por que você está parecendo que viu fantasma?

— Nada não menina, impressão sua, mas o que ele queria de tão importante com você para inventar uma mentira tão feia como essa?

— Ai mãe, você nem vai imaginar a proposta suja que ele me fez, pediu, aliás, pediu não, me ameaçou para eu me tornar amante dele, que ia me dar o mundo e tudo mais.

Sua mãe que esteja sovando a massa deixou de fazer e pegou nos braços da filha sem lembrar ou se importar que estivesse sujando seus braços.

Filha, promete que jamais vai aceitar algo assim, promete.

Credo, mãe, até parece que não me conhece, sou eu sua filha, tá legal?

— Eu sei filha, te conheço bem, me desculpa duvidar de você, os valores que eu implantei aí nessa cabecinha não se perdem com o tempo não.

Muito modesta senhora.

E as duas caíram na gargalhada com seu pai chegando à cozinha sorrindo com a cena.

O que minhas princesas estão conversando de tão animado? Também quero rir.

— Nada senhor Emerson, eu e dona Ana estamos conversando assuntos de damas, sacou? — disse divertida.

— Vocês sempre me excluem, vou começar a me magoar com isso — se lamentou para obter atenção, e assim Rafaela fez cafuné em sua cabeça e muitos beijinhos para ele não ficar enciumado.

— Victor ainda está trabalhando, pai? Ele já deveria estar aqui, já está quase anoitecendo. Esse menino trabalha demais, meu Deus — a irmã indagou preocupada.

— Sim, deve estar, eu o chamei pra vir e ele quis continuar, aquele teimoso é muito trabalhador, mais do que eu — riu.

— Ai pai, você também não deve mais se esforçar tanto. Tenho que fazer algo para ajudar a todos.

— Ei menina, estamos bem, deixe de se preocupar tanto.

Era fácil falar, mas ela não conseguia arrancar aquela ideia e já tinha tudo parcialmente planejado para a viagem.

Seu irmão chegou e foram jantar uma boa sopa com pão, que tinha acabado de ser feito por sua mãe, a sopa quem tinha feito era ela. Adorava sopa, principalmente aquela feita com legumes plantados em sua propriedade e muito mais saudáveis.

Iria dormir logo a seguir do jantar, pois amanhã como seria domingo, iria para a mata visitar seus esconderijos de infância, lugares que ela ia sempre com o irmão ou sozinha. Uma cabana abandonada, toda feita em palha trançada e também uma caverna não muito distante uma da outra, iria de bicicleta.

Estava muito ansiosa, pois desde que tinha chegado perturbava o irmão para acompanhá-la e ele dava sempre uma desculpa para não ir, amanhã ela iria sem ele, não tinha medo, sabia se defender, levaria seus punhais; esse era o hobby preferido dela e de seu irmão: punhal ao alvo e, apesar dos quase nove anos semprática, ainda estava com a pontaria em 95%.

Por exemplo: eles colocavam uma madeira presa à árvore, em forma arredondada com círculos dentro como faixas de pontuação. Ela e seu irmão sempre foram criativos e arteiros.

Pois ela queria acertar ao meio e acabava sempre acertando uma ou duas linhas a mais, coisa de um centímetro. Seu irmão, o danado, como teve esses anos todos praticando, acertava em cheio o alvo, tipo: ele conseguiria acertar o sinal de alguém se assim o quisesse, mas ela conhecia seu valor e sabia que era muito boa no que fazia, quase excelente.

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