O passado ainda presente

Capitulo VI

— Nunca me imaginei indo ao cinema para assistir fronzen — falo encantada, por ter recebido um convite tão fofo.

— Eu sonhava com esse dia desde de criança — diz Theo com a ironia saltando dos olhos, ao segurar firme minha mão para atravessarmos a rua, que por sinal, hoje está bastante movimentada.

Hoje foi meu dia de escolher o jantar. Claro que não pensei duas vezes para escolher.

— Aqui está seu cachorrão prensado — diz o atendente do fast food que nos atendeu.

— Que delícia! — digo com os olhos fechados e com a boca cheia.

Theo apenas sorri e permanece calado, tenho a impressão que aconteceu algo, mas prefiro esperar que ele comente o que está o incomodando.

Depois que terminamos o lanche seguro firme sua mão que está apoiada sobre a mesa e pergunto:

— Você quer me falar algo?

— Preciso falar com você sobre meu passado.

— O que tem nele, que o preocupa tanto?

— Não tem nada na minha história que vá me indicar ao Nobel da paz — diz ele ao segurar bem firme minhas mãos.

Me debruço sobre a mesa para poder beija-lo e em seguida digo, ainda com meus lábios colados ao dele.

— Nada que você me conte, vai mudar meu sentimento.

Theo sorri com o comentário parecendo mais aliviado, mas continua calado os, olhos azuis que decoram a pele clara, mais parecem duas safiras lapidadas. Ele pega um cravinho da garrafinha de cerveja decorada que está sendo usada como vaso, põe atrás da minha orelha segurando assim meu cabelo, antes de comentar:

— Você parece um anjo que apareceu para acalmar os vendavais da minha vida.

Meu coração acelera com esse relato, o beijo novamente, desta vez segurando seu rosto, sentindo a barba por fazer massagear a palma das mãos, não me importando com os olhares curiosas das pessoas que estão na padaria, estou muito feliz, pareço estar vivendo um conto de fadas.

— Me fala sobre seu passado, fiquei curiosa — digo baixinho, enquanto ele fecha um botão da minha blusinha que acabou se abrindo sem que eu percebesse.

— Quando eu tinha 19 anos... — Theo foi interrompido por um senhor que entra no estabelecimento de mãos dadas com uma mulher, que acredito ser sua esposa.

— Olha só! Quanta coincidência, Theodor Neto, que bom vê-lo, assim bem acompanhado.

É visível a ironia no comentário, mais visível ainda é o desconforto que o casal provoca nas demais pessoas que estão no estabelecimento.

— Toni! — A mulher que o acompanha, chama sua atenção.

— Melanie, querida, eu só estou curioso para conhecer a namorada do Theo, o que a de errado nisso!?

— Ana Julia esse é o Toni e sua esposa, a policial Mariah — Theo pausa a apresentação — Toni, Melanie essa é a Ana Julia. — A apresentação soou estranha, até o senhor que está sentado na mesa ao lado parou de mastigar para ouvir a conversa.

Aí aconteceu a parte mais surpreendente, Toni pega uma cadeira de outra mesa, para sentar ao meu lado.

— Não sei o que aconteceu entre os dois, mas não deve ter sido nenhum acontecimento festivo — penso, quando aquele homem estranho senta ao meu lado, como se tivesse sido convidado.

— Toni, vamos! O Filippo está esperando — Melanie chama sua atenção.

— Calma querida, só vou trocar umas palavrinhas com a Ana Julia, ela me parece uma mulher inteligente, acredito que não saiba que o namorado é um ex-detento

Quando ele fala a palavra ex-detento, olho assustada para Theo, que se remexe desconfortável na cadeira.

— Toni vamos! — Melanie altera a voz.

— Minha querida! Por que tanta presa, eu e Ana precisamos nos conhecer melhor — diz ele com tom de voz debochado, parece que ele faz questão de ser desagradável.

Apoiando o braço sobre o encosto da minha cadeira, se aproxima de mim ao dizer baixinho, como se quisesse contar um segredo:

— Theodor Emmiliano Neto, foi acusado de estupro. Você sabia?

A palavra estupro foi um enorme balde de água fria, sobre minha cabeça. Dirijo o olhar rapidamente para ver qual seria a reação de Theo, esperando que ele o chame de mentiroso e o mande calar a boca.

Fiquei sem chão, vendo Theo em silêncio. Meu estomago dói, parece que levei um soco, fico imóvel encarrando Theo, que por sua vez não desmente a história.

— Toni, agora chega! Vamos embora! — Melanie altera ainda mais a voz e Toni com ar satisfeito se levanta. Calmamente devolve a cadeira de onde pegou, nos diz boa noite como se fossemos velhos amigos e vai atrás da esposa que saiu da padaria como um furacão.

Levanto da mesa e saio correndo, Theo me dá náusea, fico imaginado a cena, ele pegando uma menina inocente como eu a força. É horrível.

— July espera! — Theo me chama.

Acelero ainda mais o passo, me encaminho até um ponto de taxi no final da rua.

Alguns passos depois ele me segura pelo braço chamando minha atenção:

— July, será que você pode me ouvir? — Puxo o braço bruscamente, para que ele me solte.

— Theo, o que ele falou é verdade? — pergunto de forma agressiva.

Ele acena de forma positiva, antes de completar:

— Eu fui acusado, mas ... — não o deixo terminar a frase e saio andando ainda mais rápido em direção ao taxi, quando ouso Theo mencionar de longe.

— Você nem vai me ouvir?

Não dou ouvidos a pergunta, me encaminhando até o taxi que acabou de estacionar no ponto.

— Para onde você quer ir minha filha? — pergunta um senhor grisalho, saindo de dentro do carro.

— Meu nome é Ana Julia, sou neta do senhor Alberton. Eu e minha mãe estamos na casa dele, passando uns dias. O senhor sabe onde é?

— Claro que sei! Eu e seu avô jogamos muitas partidas de canastra juntos — diz o simpático senhor ao abrir a porta para que eu entre no carro.

Não sei o que pensar, só pode ser brincadeira, agora que eu encontrei uma pessoa que mexeu comigo de verdade. Eu acreditava que estava vivendo um conto de fadas. Sou uma idiota mesmo, deveria ter desconfiado ele parecia perfeito.

— Me chamando de milady, flor atrás da orelha, sem avançar o sinal. Só podia ser golpe, né Ana Julia? — penso irritada ao chorar de maneira descontrolada.

— Meu nome é Joaquim, sei de toda a história dessa cidade, se quiser saber de algum fato é só perguntar. — diz o taxista, me observando secar as lagrimas pelo retrovisor.

Continuo olhando estática pela janela, sem dar muita importância ao comentário do taxista.

— O senhor estava no julgamento? — pergunto quando já estava mais calma.

— Você está falando do julgamento do Theo?

 Aceno que sim.

— Claro que estava, o avô do Theo, também era do nosso clube da canastra.

— A moça que fez a acusação, ainda mora na cidade?

— Ela é a única policial mulher da região.

Paro de olhar pela janela e encaro o senhor Joaquim pelo retrovisor, franzindo a testa, perguntando incrédula:

— Policial Mariah!?

— Ela mesma!

— Senhor Joaquim, seja sincero! O Theo é esse mostro que acabaram de pintar?

— Minha filha, nessa história não tem monstro e mocinho, só tem três irresponsáveis, que jogaram um jogo perigoso. Theo era um moleque rebelde e irresponsável de 19 anos.  Toni o filho único do delegado, acostumado a ganhar tudo na bandeja. Para completar o triangulo amoroso Melanie, que na época não era policial. — Senhor Joaquim dá uma pausa, me observa pelo retrovisor, vendo que estou esperando por mais informações prossegue:

— Toni e Melanie tinham mais de 21 anos, eram noivos. Melanie ambiciosa via no filho do delegado um casamento prospero, mas chamava o “bad boy” para encontros noturnos quando estava sozinha. Toni descobriu a traição da noiva, mas não admitiu que fosse verdade e disse que ela estava sendo forçada a manter esse relacionamento extraconjugal. Melanie para salvar o casamento confirmou a versão do noivo até o dia do julgamento, quando o advogado de defesa a fez admitir que convidava Theo para visitas noturnas.

Permaneço em silêncio, tentando assimilar a história, até que meus pensamentos são interrompidos pela voz do senhor Joaquim:

— Chegamos!

            **

— Olá Theodor Neto, meu amigo. Pensei que não o veria sozinho tão cedo — Jonas me recebe no bar do seu restaurante, onde trouxe July para jantar no início da semana.

— Eu preciso de uma dose de whisky. Puro! — Jonas arregala os olhos, espantado com o pedido, sem questionar arruma duas doses de Johnnie Wolker. Puxa uma banqueta e senta do outro lado do balcão.

— Então meu amigo, o porquê dessa melancolia?

— Acabei de ser julgado e condenado. Outra vez — digo antes de beber um gole generoso de Whisk.

— A garota ficou sabendo antes de você contar?

— O Toni, contou a ela na minha frente.

— E ela? — pergunta Jonas.

— Saiu correndo, como se eu fosse um monstro, pegou um taxi e foi embora, sem deixar eu me defender. — Seco o copo no segundo gole, fazendo sinal para Jonas enche-lo novamente. — Doeu mais do que enfrentar aquele jure popular a seis anos atrás — completo.

 Jonas põe a garrafa de whisky em minha frente, antes de perguntar:

— O que você vai fazer?

— Acabei de passar na agropecuária e aceitei a proposta de sociedade que o Breno me fez. Ele vai assumir o haras e eu vou encarar a faculdade de veterinária. Preciso ir embora dessa cidade, por mais difícil que seja me afastar dos cavalos. Chegou a hora! A mudança é inevitável. Tenho que pôr uma pedra em cima desse julgamento de uma vez por todas.

— Não acredito que o meu amigo Theodor Neto vai fugir — Jonas comenta incrédulo.

— Não é uma fuga, é um recuo — encho o copo novamente. — Se eu insistir nessa batalha, posso perder a guerra.

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