Farpas do passado

Capitulo IV

O que aconteceu meu irmão? — Junior me questiona assim que entramos no carro.

— Do que você está falando?

— Theo, não se faça do bobo, eu vi o beijo.

— Não aconteceu nada, foi só um selinho, não sei o porquê do espanto.

— Theo, ela é sete anos mais nova que você, uma patricinha de cidade grande, ela não é o seu estilo.

— E qual seria o meu estilo? — pergunto, não por deboche, mas é porque o questionamento dele realmente me chamou a atenção.

— Theo, todo mundo sabe que você só amou mesmo a policial, e ela te pôs atrás das grades. Depois disso a sua vida é só de aventuras. Eu gosto de você meu irmão, mas você é muito cafajeste e a Ana Julia me parece mimadinha, mas gente boa.

— De onde você tirou a ideia de que eu fui apaixonado pela policial.

— Theo, é o que a as pessoas comentam.

 No caminho para Pontal fico pensando no que Junior acabou de falar. Ele tem razão, a Ana Julia merece coisa melhor que um ex-detento.

A chuva está cada vez mais forte, a tempestade derrubou alguns galhos de arvores na estrada, temos que descer do carro para abrir caminho, sorte que sempre tenho capa de chuva dentro do carro.

 Não sei como júnior vai reagir, estou cansado de resgatar meu padrasto, para mim chega, de agora em diante o assunto vai ser de pai para filho.

— Theo, o que está acontecendo com meu pai? — Junior me questiona.

— Fica tranquilo garoto, ele está bem, apenas se meteu em outra encrenca.

— Que tipo de encrenca são essas?

— Junior, seu pai me ligou pedindo para buscá-lo em Pontal, pois foi parado em uma blitz e está sem os documentos pessoais e pela voz acho que está bêbado.

— É a primeira vez que isso acontece?

— Isso é quase rotina — respondo à pergunta, em seguida complemento. — Agora você está com dezoito anos, já pode assumir a responsabilidade de resgatar seu pai.

— Fico lisonjeado com o cargo — comenta Junior ironicamente.

— Como sou bonzinho, eu divido a dona Elissiane com você, afinal nós dois saímos da barriga dela — faço o comentário sorrindo, tentando deixar Junior mais relaxado. Ele parece estar tenso.

Estava chovendo muito, demoramos mais que o esperado para chegar a delegacia.

— Vamos lá garoto, bem-vindo ao mundo dos adultos.

Quando entramos na delegacia, Junior fica assustado, mas não demonstra, passa a minha frente e se dirigindo a um policial:

— Boa noite, eu vim buscar meu pai.

— Quem é seu pai?

— Carlos Alexandre.

— Sei quem é. Você pode ir até o final do corredor. O delegado está na primeira porta à direita.

Ele me olha aparentando estar mais seguro e se dirige até o delegado.

— Olá Theodor, você por aqui de novo?

O delegado pergunta num tom de deboche, foi ele quem me prendeu, quando quebrei os dentes e o nariz do filho dele, também já vim buscar o Carlos aqui mais vezes. Como de costume não me intimido, respondo calmo e educadamente.

— Isso mesmo! Eu aqui novamente, mas hoje eu só vim acompanhar o meu irmão.

— O delegado pede a identidade para Júnior e mostra a cadeira onde ele deve sentar. Eu me acomodo em uma cadeira ao lado, apenas observando como Júnior está se saindo. O garoto se mostra firme ao responder as perguntas, me olha quando o delegado fala sobre a fiança. Entrego minha carteira a ele, deixando que ele conte nota por nota do dinheiro que será jogado fora.

 Depois que a fiança foi paga, o delegado pede para que o policial acompanhe Junior até onde está seu pai. Vejo que ele está se saindo muito bem, então comento:

— Vou esperar vocês no carro.

— Pode ir tranquilo meu irmão, eu me viro sozinho, agora é uma conversa de pai para filho.

Dou uma batidinha suave em suas costas em sinal de apoio e me retiro.

Paro na porta da delegacia e fico observando aquela chuva torrencial. Procuro no bolso alguma bala de hortelã para roer enquanto espero, mas foi em vão, só encontro papéis inúteis amassados e um bilhete de uma mulher com quem saí há algum tempo atrás, o leio e descarto na lixeira. Olhando para o lado observo a policial Mariah se aproximar, me cumprimentando:

— Boa noite Theo! Você por aqui?

— Boa noite Policial Mariah, eu gosto de vir a delegacia, assim me sinto em casa — respondo ironicamente, sem olhar para ela.

Ela para em minha frente para que eu olhe para ela antes de comemtar::

— Theo, não quero que você tenha ódio de mim.

— Ódio! Não sei o que é isso — respondo o mais friamente possível, com o olhar fixo na chuva que está caindo.

— Theo, não fala assim comigo — ela faz uma pausa. — Quando nos encontrávamos, você era mais romântico, me chamava de Mel e agora se dirige a mim como Policial Mariah?

— Você quer que eu te chame de Mel? Depois de ter me jogado atrás das grades.

—Theo, não foi bem assim.

— Então como foi? — altero a voz.

— Você foi preso porque brigou com meu noivo, quebrou quase todos os dentes dele e vocês dois quebraram toda a casa noturna.

— A briga aconteceu por quê?

— Theo... — Á interrompo.

 — A briga aconteceu porque você falou que eu te peguei a força, você tem noção do que é ser acusado de estupro?

— Theo, se coloca em meu lugar. Quando ele descobriu, eu tinha que salvar meu noivado. Você era só um gostoso cafajeste de 19 anos e com o Toni eu tinha um relacionamento estável, que me garantia um futuro seguro.

— E para isso você tinha mesmo que ferrar comigo?

— Theo, você não sabe o quanto me arrependo disso.

— Disso o que?

 — De dizer que você me agarrou.

— Achei que você tinha se arrependido pelas noites que passou comigo.

— Você sabe que se eu pudesse faria tudo de novo, só que não iria mentir.

— Melanie, esse tempo que fiquei preso me ajudou muito, estava na hora de puxar o freio de mão da minha vida. Foi na cadeia que eu passei a pensar no futuro, eu amadureci muito — digo num tom mais suave, para encerrar o assunto.

— Fico mais tranquila em saber que toda aquela história trouxe algo de bom.

— Na época eu fiquei muito revoltado, te confesso que senti muito ódio.

Ela baixa a cabeça e não fala nada.

Vejo o quanto ela ficou constrangida e comento:

— Melanie esquece esse assunto, é passado.

— Theo eu não posso simplesmente esquecer essa história, tem um assunto que ainda não foi esclarecido.

— Que assunto?

Antes que ela me responda Junior sai irritado da delegacia, me entrega a carteira e diz:

— Está vazia, tinha mais uma fiança para pagar.

— Eu sabia! Era por isso que tinha tanto dinheiro na carteira — penso irritado com o desperdício de dinheiro.

Carlos sai da delegacia furioso comigo e vai logo dizendo:

— Theo, por que você trouxe o garoto? Seu irresponsável.

Junior encara seu pai com um olhar furioso dizendo:

— Ah papai! Agora é o Theo que é irresponsável!? O senhor não tem vergonha nessa cara?

Vou em direção a caminhoneta a passos largos, deixando os dois discutindo em frente à delegacia. Em pouco tempo, Junior senta ao meu lado, Carlos embarca no banco de trás e desse momento em diante o silêncio toma canta do ambiente.

Estacionei o carro em frente a casa, eles saíram do carro e esbarraram a porta, o clima está horrível. Logo que eles entraram Lissi pede o que está acontecendo.

Ignoro o drama familiar e vou até a cocheira. Duquesa e Zeus estão descansando. Abasteço o cocho com um alimento mais leve e aproveito para adiantar o serviço tratando todos os demais cavalos. Lavo o tanque onde eles bebem água quando estão presos, deixo escorrer água fresca, fico esperando o tanque encher e observando Zeus todo curioso cheirando a água, esse potro lembra meu presente de seis anos. Nesta data vovô Theodor me deu um potro lindo e curioso igualzinho a esse que acabou de nascer.

Quando chego na porta de casa ouço a discussão. Não estou a fim de entrar e participar. Vou até a casa de Dora. Ela me prepara um café forte enquanto conversamos. Peço se posso descansar um pouco no sofá e ela gentilmente me responde:

— No sofá não meu filho, na sua cama.

— Eu tenho uma cama?

— Os filhos sempre têm uma cama na casa dos pais — diz ela enquanto bebo o ultimo gole do café forte e amargo que ela acabou de passar.

Tomo um banho rápido e me jogo na cama como uma pedra. Dou uma olhadinha para o relógio e fico assustado. Vou poder dormir apenas duas horas.

Mal fecho os olhos e o relógio desperto, me arrasto para fora da cama e procuro sair sem fazer barulho, mas ouço a voz de Dora dizendo:

— Meu filho, vem tomar café da manhã antes de sair.

— Eu não queria incomodar.

— Meu filho, você não incomoda.

— Dora, você é a mãe dos sonhos — digo beijando sua testa.

Edgar senta e nos faz companhia. Estávamos conversando sobre o acontecido de ontem à noite, quando Edgar pergunta:

— Theo, em que você está pensando?

— Em nada — respondo rápido.

— Theo, não minta para mim.

Começo a rir olhando para os dois e falo:

— Ana Julia.

Dora entusiasmada pergunta:

— Quem é?

— Uma garota que não sai da minha cabeça.

— Estava na hora de você se apaixonar.

— Eu não estou apaixonado.

— Meu filho, não deixe a felicidade fugir. Faça alguma coisa e conquiste-a.

Beijo Dora, dou um tapinha nas costas de Edgar e saio dizendo:

— Volto hoje à tarde.

Quando Edgar e Dora apareceram em minha vida, tudo ficou mais tranquilo. Eles aprenderam a viver com a falta do filho que partiu muito jovem e eu herdei os pais dos sonhos, graças aos dois eu não me perdi nessa vida de bebida e mulheres.

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