Capítulo III

Eleanore se sobressaltou, ficou parada por um momento de choque, a respiração acelerada, o coração batendo forte em seu peito, as batidas soando em seu ouvido feito tambores de guerra.

De repente, ela agiu, voltou correndo para o quarto, batendo a porta atrás de si. Foi direto para o mais longe possível da entrada. Segurou o encosto da cadeira, que ficava em frente à mesa elaborada, e testou seu peso, para saber se conseguiria arremessa-la contra qualquer ameaça. Não era pesada, ela conseguia levantar facilmente, então, iria servir como uma espécie de arma.

Seus braços tremiam e ela sentiu um frio intenso percorrer sua espinha. Era mesmo um castelo assombrado, os rumores eram verdadeiros. Será que os fantasmas iriam matá-la? O que será que acontecia quando fantasmas te matavam? Aquela coisa em chamas era um demônio? Aquele garoto flutuante era um espírito vingativo?

A porta se abriu repentinamente e Eleanore arremessou a cadeira instintivamente. Quem quer que estivesse ali, sumira, porque a cadeira passou reto e se espatifou no chão.

Segundos depois, a cabeça de uma garota surgiu em seu campo de visão. Assustada, Eleanore alcançou a lamparina em cima de mesinha de cabeceira, pronta para arremessa-la também, mas percebeu que aquela menina parecia uma pessoa normal.

 – Ficou doida? Podia ter acertado em mim! – ralhou a garota.

 – D-desculpa, é que eu... – Eleanore apertou com mais força a alça metálica da lamparina, sentindo-se ainda muito assustada. Poderia ter tido uma alucinação? Ou estaria sonhando? Ou talvez estivesse ficando louca?

A garota entrou no quarto, segurava uma bandeja e, sobre ela, estava uma tigela de cerâmica branca de onde saia a fumaça de uma comida quente. Ela cruzou o quarto, sem dar atenção para Eleanore, que continuava segurando a lamparina firmemente, e deixou a bandeja na mesa, onde estavam os livros.

 – Deveria comer. Estava dormindo há dois dias, deve estar com fome. Precisa de nutrientes.

Eleanore estava prestes a dizer algo, quando o ronco de sua barriga a cortou. Notou que sentiu uma fome selvagem ao sentir o cheiro agradável daquela sopa que, pelo aspecto, parecia ser de legumes. Ela estava faminta, mas ligeiramente insegura com tudo que tinha visto.

 – Dois dias? Eu... Hum... Alguém procurou por mim?

Aquela garota que, até então, mantinha uma carranca em seu rosto, suavizou sua expressão, olhando para ela com uma solidariedade sutil, quase imperceptível.

 – Ninguém conseguiria te encontrar aqui nem se quisesse.

Eleanore exalou o ar pesadamente, aliviada. A ideia de seu pai procurar por ela a amedrontava e a fazia estremecer. Se seu pai a achasse, provavelmente a chicotearia com seu cinto ou a bateria com um atiçador de lenha, deixaria várias marcas onde suas roupas poderiam esconder. Então, a entregaria para seu noivo, para que ele fizesse o que quisesse com ela.

O alívio dela pareceu espantar a garota.

 – Não quer que ninguém te procure?

 – Não. Na verdade, eu fugi.

Ela não perguntou o porquê e aquilo deixou Eleanore aliviada novamente, já que não estava muito disposta a contar sua história triste à uma estranha, mesmo que essa desconhecida tivesse lhe trazido uma sopa quente.

 – Qual seu nome?

 – Sou Eleanore VonBerge, muito prazer. – ela se apresentou com a educação que recebera.

 – Eu sou June. – a garota fez uma careta nada amigável.

Achou estranho a forma como aquela garota, June, se apresentara, sem usar o sobrenome.

June era uma garota que parecia ser mais jovem que Eleanore, uns poucos anos. Era baixinha, tinha membros finos e feições delicadas, embora esbanjasse uma carranca digna de um animal selvagem. Ela tinha cabelos castanhos cor de tronco, presos em uma trança, e olhos verdes cor de folha, que combinavam bem. Estava usando um vestido azul marinho que descia até seus calcanhares, meia calça preta e botas curtas marrons.

 – É um prazer conhece-la. – Eleanore falou com toda cortesia que aprendeu a usar em sua vida –Eu agradeço muito pela hospitalidade. Por ter me deixado entrar, por ter me limpado e trocado, além de cuidar da minha perna.

 – Não me agradeça. – June falou duramente, como se a presença de Eleanore naquele castelo a insultasse – Você simplesmente entrou e não podíamos deixa-la caída no chão. E foi Amber quem nos convenceu a deixa-la ficar.

 – Amber?

 – A mulher de fogo que você deve ter visto mais cedo, já que gritou.

O coração de Eleanore descompassou. Então... aquilo foi mesmo real? Seus olhos se arregalaram e ela engoliu em seco. Não foi um pesadelo vívido?

 – Não se preocupe, ninguém aqui vai te ferir. – June esclareceu uma pergunta que Eleanore não chegou a fazer, mas não a acalmou mais por isso – Eu sei o que dizem sobre esse castelo, mas é mentira. Não tem nenhum demônio ou espírito assassino por aqui.

 – O-o que era... a-aquilo?

 – Aquilo – June torceu o nariz e cruzou os braços, visivelmente aborrecida – salvou a sua vida. Ela é apenas um elemental do fogo, guardiã do castelo.

June falou aquilo como se “elemental do fogo” fosse um termo corriqueiramente usado por toda a sociedade e, era claramente algo que se via todos os dias. Ao menos, para ela deveria ser.

Eleanore levou a mão ao peito, em uma tentativa falha de acalmar seu coração. Estava tudo bem, era “apenas” um elemental do fogo, o que quer que isso seja, June dissera que não iria machuca-la. Elementais do fogo existiam, Eleanore tinha que se lembrar.

 – E-e o... g-garoto... – ela engoliu em seco novamente – que flu... flutuava.

 – Ele é um fantasma. – June falou sem rodeios – Sam é o nome dele. Mas também é inofensivo. Às vezes, ele gosta de assustar as pessoas para afugenta-las, mas não vai fazer isso com você. – ela suspirou – Sei que é meio inacreditável, mas você supera. Não pode ficar assim tão assustada, as pessoas se aproveitam de seu medo.

Um fantasma. De verdade. Ela viu um fantasma. Existiam, ela que tinha visto e, se ela viu, então, existiam mesmo. June que disse. Elemental do fogo e fantasma. Talvez pudesse superar isso mesmo. Essas coisas existiam. Coisas não, era ofensivo, aparentemente.

As palavras de June penetraram fundo em Eleanore que, instintivamente levou a mão a medalhinha em sua corrente. Tinha que ter mais coragem, isso era um fato.

Eleanore se sentou na cama, porque sentiu uma súbita fraqueza nas pernas. Na verdade, seu corpo inteiro tremia intensamente. Ela ficou preocupada com a possibilidade de seu coração parar pelo choque. Queria ser mais valente, mas era muito difícil.

 – Vince não vai gostar de te ver aqui. – June disse repentinamente, cruzando os braços.

 – Vince? – Eleanore se lembrou daquela voz masculina aveludada que ouvira. Embora, quando tivesse espionado pelo topo da escada, não tivesse visto homem algum. Além disso, o nome dele era Bash, não Vince. – É o senhor da casa? Ele quer que eu vá embora?

June deu de ombros, indiferente.

 – Eu não sei se quer, porque ele só volta amanhã. E, sim, ele é nosso Mestre.

Mestre? Modo estranho de se referir à um senhor.

 – Então, eu devo ir embora?

 – De noite? Está louca? Essa floresta é perigosa de noite. – June ergueu uma das sobrancelhas. – Você pode ficar até Vince voltar, então, ele vai dizer o que fazer com você. Enquanto isso, coma a sopa, senão vai esfriar.

Ela girou sobre seus calcanhares finos e foi marchando para a saída do quarto de forma determinada, mas subitamente parou e tornou a olhar para Eleanore com intensidade.

 – Como abriu a porta? Como conseguiu entrar no castelo? – June perguntou seriamente, como se fosse algo totalmente impossível.

 – Eu só... abri e entrei. – Eleanore encolheu os ombros, sentindo que tinha feito algo errado. Quase pensou que fosse receber uma punição por aquilo, naquele exato momento.

 – Mas isso é impossível – June falou em um tom baixinho, como se falasse apenas para si mesma, o cenho franzido e uma expressão de confusão manchando seu rosto.

Eleanore não entendeu. Como abrir uma porta poderia ser impossível?

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