Capítulo 03

   Fiquei ali olhando aquelas flores, andando ao redor da piscina, respirando fundo e sentido aquele perfume que aos poucos parecia me embriagar. Era um cheiro muito familiar, mas por mais que eu puxasse pela memória, não conseguia me lembrar de onde o conhecia. Finalmente me recordo do perfume, e meu corpo se arrepia por completo. Olho para trás apavorado, com o coração batendo acelerado e vejo na janela do andar superior da casa uma sombra a me observar.         

   Novamente não consigo reagir e com os pés cravados no chão, só consigo fechar os olhos e permaneço assim por alguns segundos. Abro-os novamente e me espanto com o que vejo. Não tem mais ninguém ali, todos foram embora, as flores estão secas e mortas nos vasos.  

   A casa está sombria e se deteriorando. A água da piscina, que há pouco era límpida, agora está suja e escura. No jardim, a grama está alta e com muitas folhas secas que caíram das árvores, espalhadas por todo o ambiente. A casa está completamente vazia, não tem ninguém, procuro meu amigo e não o encontro. Corro até a rua onde estacionamos o carro e tudo está um completo deserto. As arvores que há pouco estavam com belas copas, agora estão secas e seus galhos caídos na rua em total estado de abandono. Volto para aquela casa estranha e dessa vez não irei correr, quero respostas, quero saber o que está acontecendo. Entro na casa e olho cômodo por cômodo. Subo as escadas alcançando o andar superior. Nos corredores da casa vários quadros velhos, tortos, pendurados na parede, quase caindo.  

   A casa cheira a mofo. Há muito pó nos moveis. Vejo uma porta em minha frente, provavelmente do cômodo onde vi aquela estranha sombra. Um calafrio assustador percorre meu corpo. Sinto o sangue pulsar em minhas veias, o coração parece que sairá pela boca. Fico em silencio tentando ouvir algo lá dentro, mas só o que ouço é o barulho do vento sobre o telhado semi destruído. Vou apalpando as paredes tentando encontrar um interruptor para acender a luz, está muito escuro e mal enxergo o chão onde piso, mas é em vão, a casa está sem energia elétrica. 

   Acho tudo isso muito estranho, pois há poucos minutos estava impecavelmente limpa e toda iluminada. Levo a mão à maçaneta e lentamente giro, tentando abrir a porta, mas está trancada, coloco um pouco mais de pressão e nada, ainda não consigo abrir. Afasto-me um pouco e decido arrombar. Tento fazer igual nos filmes dando um pontapé bem forte e nada.Dou mais um pontapé, e outro, e outro. Somente no quinto chute consigo arrebentar a fechadura, escancarando a porta e levantando poeira do chão. O quarto era grande e estava escuro, quase não enxergava nada. Fui entrando a passos lentos, eu podia ouvir o ranger das madeiras se retorcendo com a força do vento que soprava lá fora. Vi uma cama grande, coberta com um lençol branco, porém cheio de pó e telhas quebradas que caíram do telhado.No canto direito, havia uma poltrona de balanço toda rasgada, com um pano todo encardido cobrindo o encosto. Olho atentamente ao redor tentando encontrar algo que me traga respostas.No outro canto, uma escrivaninha velha, de madeira trabalhada, porém toda comida por cupins. Uma gaveta quebrada, pendurada, deixado mostrar que lá dentro um pedaço de papel estava jogado. Com as mãos tremendo, agarro aquele papel e me espanto ainda mais ao ver que se tratava de uma fotografia minha.Dou um passo para trás e com os olhos arregalados fico imóvel olhando aquela foto. Sem entender o que significa isso, fico pensando como uma foto minha veio parar nesse lugar. Vou me afastando até bater com as costas na parede. Viro-me lentamente e vou saindo daquele quarto.Antes que consiga sair, vejo em baixo da cama um par de sapatos que não pareciam estar ali há muito tempo. Os sapatos estavam limpos e pareciam ter sido usados há poucos dias. Fico olhando atento e tentando ver mais alguma coisa que pudesse me dar uma pista de quem poderia ser a dona desses pés tão pequenos. Apanho-os e sigo pelo interior da casa segurando-os nas mãos. 

   Um segundo ambiente do andar superior me chama a atenção. Essa segunda porta está aberta e vejo o cômodo completamente vazio, sem nenhum móvel. Entro e noto que é um quarto que possivelmente estaria em reforma quando a casa foi abandonada, pois no cantinho atrás da porta havia uma lata de tinta já seca e um pequeno pincel jogado ao seu lado. É um quarto grande e tem um segundo ambiente integrado a ele, possivelmente um closet.

   Dentro desse possível closet, havia muitas caixas espalhadas com vários pertences dentro. A curiosidade e a busca por respostas eram grandes e uma a uma, começo a vasculhar. Nada me trazia uma resposta concreta e quanto mais eu revirava as caixas, menos certezas eu tinha. Até que na quarta caixa, encontro um álbum de fotografias. 

   Sento no chão e vou folheando aqueles álbuns. Não conheço ninguém das fotos. No fundo da caixa na qual encontrei o álbum, vejo um envelope fechado e noto que tem algo dentro dele.    Abro com cuidado para não rasgar o que quer que seja ali dentro. Coração dá um pulo ao ver um rosto conhecido. Era a moça que há pouco me pediu um cigarro à beira da piscina. Eufórico, começo a revirar a caixa tentando encontrar mais alguma foto dela e finalmente encontro varias. Ela na frente da casa. Ela nos cômodos da casa e vejo muito sorriso em seus lábios. Abro outra caixa e dentro tem alguns quadros e porta-retratos com a moça e tudo começa a se encaixar lentamente. Essa casa pertence a ela e vejo então um pequeno quadro com uma foto dela usando os sapatos que encontrei embaixo da cama, no outro quarto. Levanto e vou saindo do quarto pensando que talvez ela esteja por aqui. 

   Caminho confuso pelos corredores e ao chegar à escada, algo me faz olhar para trás e vejo alguém se movendo em minha direção. Assustado, viro-me para sair correndo, porém me esqueço que estava à beira da escada e acidentalmente rolo degraus abaixo. Sinto degrau por degrau batendo em minhas costas, braços, cabeça.Atordoado e confuso chego ao chão no final da escada, cortes e hematomas pelo corpo todo, vejo um braço e uma perna quebrados e sem conseguir me mexer acabo desmaiando. 

   Alguns minutos depois acordo com o corpo todo dolorido. Olhando para os lados vejo que estou em meu quarto e o mais estranho é que não há cicatrizes, não há hematomas e nem braço ou perna quebrados.     

   Sinto-me agora mais confuso ainda, não pode ter sido um sonho, apesar de não ter ferimento sinto ainda às dores. Levanto e fico tentando entender o que houve.

   Vou para a cozinha com o pensamento fixo no sonho, se é que tudo foi um sonho, já que parecia tão real e nítido na minha memória. Passo pela sala desarrumada, toda bagunçada e estou sem animo nenhum para organizar qualquer coisa aqui dentro.Procuro alguma coisa para beber e vejo algo que novamente me faz tremer.  

   Sobre a mesa uma taça com a marca de batom continua do mesmo jeitinho que sempre esteve, porém, uma fotografia se encontra sob a taça. Com a ponta do dedo indicador puxo a foto sem tocar na taça, apenas fazendo-a rolar sobre a mesa e ao olhar a foto minha mente dá um corrupio em conflitos de pensamentos. A foto é a mesma do sonho estranho da noite passada. 

   Como isso é possível? 

   Como pode acontecer? 

   Como a foto de um sonho pode vir parar aqui? 

   Saio de casa correndo e nem percebo que estava descalço, despenteado, sem camisa, parecendo um louco pela rua. Corro sem parar e sem olhar para trás, corro até não mais aguentar, as pernas latejando pelo esgotamento. Os pés sangrando pelas pedras pontiagudas que nem notei no caminho. Exausto, paro de correr e me atiro no chão de barriga para cima, olhos fechados, respiração ofegante tento me acalmar. Após alguns minutos me restabeleço e me sento. 

   Tento raciocinar com mais calma e desvendar o que está acontecendo. As pessoas passam por mim e nem sequer notam a minha presença, até que uma senhora de cabelos longos e bem branquinhos caminha em minha direção. Percebo que ela me olha fixamente nos olhos e não posso deixar de notar sua cara de espanto. Seus olhos azuis me encaram firmemente. Tento desviar o olhar, mas é praticamente impossível. Ela então para na minha frente, me estende a mão e me ajuda a levantar, pergunta se estou bem e simplesmente aceno que sim com a cabeça. Então ela pergunta o que está acontecendo comigo e por que estou assim tão assustado. Não sei por que, mas senti vontade de me abrir com aquela senhora. Dizer para ela tudo o que estava sentindo. Tudo o que se passava comigo, mas tive receio dela pensar que estava louco. Já que era isso que eu mesmo pensava às vezes. 

   Simplesmente me viro e saio dizendo que não é nada e que ninguém poderia me ajudar. Ela agarra meu braço e sinto como se uma corrente elétrica percorresse todo meu corpo. Sua mão estava gelada e no momento em que me segurou, uma lagrima escapou de seus olhos. Achei tudo aquilo muito estranho, pois me ajudou a levantar segurando minha mão e não senti nada, mas agora me toca e sinto tudo isso. Percebendo meu espanto ela me solta.

   — Você ainda não está pronto. — Então me solta e vai embora.

   Volto para casa com muito medo do que encontraria lá, mas não havia outro modo, não tinha outro lugar para ir. Preciso enfrentar esse medo e tentar descobrir o que está acontecendo. Ao chegar à minha casa, tudo estava muito calmo e tranquilo. Entro, pego uma cadeira e me sento. Fico parado ali, pensando em tudo o que me aconteceu e não chego à conclusão nenhuma.

   Debruço sobre a mesa e choro, choro como uma criança. Um murmúrio que ecoa pela casa vazia, um pranto que rasga minha alma, uma choradeira sentida e quanto mais eu choro, mais e mais as lagrimas brotam dos meus olhos.  

   O coração bate apertado no peito, uma saudade dos tempos já passados. Saudade da minha amada que se foi sem ao menos dizer adeus. Olhando para a taça com a marca de batom me recordo do dia em que deixou essa marca.

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