Capítulo 02

   Procurei por todo canto tentando encontrar uma resposta. Cheguei a pensar que talvez ela tenha encontrado outra pessoa, pensei até, que talvez ela tenha decidido viver outra vida, mas quero respostas, quero saber o que houve, para onde foi ou se está com alguém. Mesmo que a resposta possa me magoar, é muito pior viver com essa dúvida, não saber onde errei. 

   Hoje minha vida está acabada.

   Não sou mais o mesmo.

   Minha vida se resume a absolutamente nada, e todo dia é uma agonia não saber como ela está.

   Toda noite é a mesma coisa, durmo e acordo pensando nela, e por muitas vezes, também sonho com ela. Sonho com nossa antiga vida e quando acordo, sinto um vazio imenso, um vazio que toma conta do ambiente, mas o pior vazio é o que sinto em meu coração.Esta noite acordei assustado, o corpo molhado de suor, a mão tremula e a boca seca.Viro na cama de um lado para outro, o lençol banhado por minhas lagrimas que derramei enquanto dormia e sonhava com a minha amada. 

   Tento dormir e novamente apalpo seu lugar em nossa cama tão vazia, tão fria, tão triste sem ela aqui. Seu travesseiro permanece no mesmo lugar, conservando nele seu perfume que me embriaga e leva minha alma a procurar por ela. 

   O desespero toma conta do ambiente. A solidão invade minha alma, trazendo consigo o gosto amargo da derrota e com isso me sinto fracassado, me sinto perdido. Tento entender o que foi que aconteceu e nunca consigo. 

   Levanto e caminho até a cozinha, apalpando as paredes, a casa está escura e não vejo nada, as luzes estão apagadas e é assim que prefiro que fiquem. Tudo está do mesmo jeito que outrora, como ela deixou. Sobre a mesa, ainda se encontra a taça com uma marca de batom, me fazendo lembrar que seus lábios ali tocaram pela última vez. 

   O dia ainda não amanheceu e lá fora tudo está em silencio, um silencio tão grande que consigo ouvir as fracas batidas do meu coração.     

   Volto para o quarto e abro a janela sentindo uma leve brisa entrar. Sinto o sereno da madrugada tocar meu rosto. Um toque tão suave, tão calmo, tão gostoso que me faz lembrar seus lábios me beijando. 

   De repente uma lagrima escapa dos meus olhos e lentamente desliza em minha face. Por milésimos de segundos sinto o calor dessa minúscula gota de sentimento que em meus lábios vem repousar. 

   Choro desesperadamente sem saber o que fazer ali sozinho. Abro então meu coração e me derramo num pranto que parece não ter fim. Desorientado, saio pelas ruas da cidade, que ainda dorme embrulhada pela noite escura.As ruas estão desertas, caminho de um lado para o outro sem saber para onde ir.  

   No céu, as estrelas mostram seu esplendoroso brilho, a lua me faz companhia, como se tentando acalmar minha dor, meu sofrimento e sem que eu perceba, inesperadamente algo me faz parar.  

   Sem saber onde estou, sem entender o que está acontecendo, olho para os lados assustado, o lugar parece ser conhecido, porém não me recordo de nada. 

   Um belo portão de ferro todo trabalhado, ferros entrelaçados formando uma escultura, seus pilares estão corroídos pelo tempo e falta de cuidados, muros altos quase impenetráveis, a calçada toda rachada e com muito mato brotando entre essas fissuras. 

    O portão está entreaberto, é possível ver lá dentro um belo jardim, muito bem cuidado. Fico ali parado por alguns minutos tentando olhar lá para dentro e ver se alguém está por ali.  

   Quero correr e ao mesmo tempo quero entrar e ver o que há no jardim, mas é madrugada. Não há ninguém a quem possa pedir permissão para entrar, mas mesmo com medo, acabo não resistindo à curiosidade e dou um passo em direção ao portão.

   Espio lá dentro e não vejo ninguém.

   Forço um pouco para ver se o portão se abre e com um rangido apavorante lentamente consigo abrir passagem.  

   Calmamente entro na propriedade, e vou caminhando pelo jardim. Flores lindas e perfumadas em perfeita harmonia de cores.  

   Vejo sob meus pés um caminho todo feito de pedras, são tão diferentes de tudo que já vi, elas refletiam o brilho da lua, formando um caminho iluminado, caminho esse que contorna todo o jardim. Era como se fosse algo de outro mundo.

  Passo a passo, bem lentamente vou caminhando assustado, olhando para os lados. Ao mesmo tempo em que causa calafrios pelo desconhecido e o medo de ser flagrado invadindo o local, também me proporcionava certa calmaria e meus pés pareciam flutuar naquele local. Vejo mais ao fundo um lago e lentamente caminho em direção a ele, observando tudo ao meu redor sem nada entender.

   Perguntando-me: “Que lugar será esse?” 

   Aproximo-me das margens do lago.

   Suas águas são incrivelmente límpidas, tanto que permitiam ver o fundo, era possível ver os peixes coloridos nadando por todo lado.

   Fico admirado com tanta beleza e imaginando como pode haver um lugar assim tão lindo aqui na cidade, e nunca ter visto. Fico parado observando aquele lago.Pensamentos tumultuam minha mente.Ergo os olhos para a outra margem e vejo algo que me faz parar de respirar.Sinto o coração bater acelerado.Tento gritar, mas não consigo.A voz não sai.Quero correr, mas as pernas não se mexem.A única coisa que consigo fazer é fechar os olhos e quando os abro novamente não está mais lá.Meu corpo está arrepiado.Sinto a respiração ofegante e um misto de medo e desespero.Na mente um turbilhão de pensamentos. 

   Tudo aconteceu tão rápido, uma fração de segundos que pareceu ter durado uma eternidade. Aos poucos volto a sentir meu corpo e sem entender o que aconteceu ou o que era aquilo, saio correndo sem olhar para traz.  

   Corro, corro e corro cada vez mais rápido. Quero gritar, pedir socorro, mas de que adiantaria?  

   Não há ninguém aqui.

   Não vejo uma viva alma nesse lugar estranho.

   Nessa correria, desviando de galhos e alguns obstáculos, contornando praticamente todo aquele imenso jardim, acabo me deparando com uma pedra em meu caminho. Tropeço e caio violentamente, mas antes que meu corpo toque o chão, abro os olhos e estou em meu quarto, deitado sobre o tapete com o corpo banhado em suor. 

   Não entendo o que aconteceu, quero acreditar que tudo foi um sonho, só um delírio.  

   Mas o fato é que tudo parecia tão real, o cheiro das flores daquele lindo jardim permanecia em minha mente. A respiração continua ofegante.Sentia-me cansado, com as pernas doendo pela longa corrida que acabei de realizar. Se isso foi mesmo um sonho. Por que me sentia assim? 

   Passo o resto da madrugada em claro. O dia amanhece e decido não ir trabalhar.Saio de casa e rodo por toda cidade, rua por rua, bairro por bairro, procurando algum sinal daquele lindo e estranho jardim.A tarde chega e minha busca termina frustrada.Nada, nenhum lugar parecido sequer.Melhor acreditar que tudo não passou de um sonho estranho. Não vou para o trabalho, não tenho vontade de sair de casa, não quero ver ninguém. Alguns dias se passaram e aquele sonho deixou de me atormentar. Eu seguia minha vida, se é que pode se chamar de vida o que eu vivia.  

  Não falava com ninguém, não frequentava a casa de amigos nem de parentes, e também ninguém me procurava, não me visitavam. Nem sequer uma carta ou telefonema de alguém perguntando como estou. 

   No meu trabalho fui substituído. Já fazia algum tempo que nem meus colegas falavam comigo, até parecia que eu nem estava lá. Simplesmente cheguei certo dia e outra pessoa estava em meu lugar.Em minha mesa, minhas coisas já não estavam mais.Fiquei chateado, triste e o pior de tudo é que nem me comunicaram.Saí sem falar com ninguém, nem com meu superior.  

Simplesmente fui embora. Caminhei por algum tempo e me sentei em um banco de praça e ali permaneci por horas e horas, somente observando tudo.  

   Crianças correndo e brincando. Alguns adultos passeando com seus cachorros, jovens, e até alguns idosos fazendo caminhada.Os passarinhos fazendo a maior algazarra, sobrevoando o parque e cantarolando sem parar.E eu ali parado, observando tudo ao redor, quando noto num canto da praça, um garotinho de aproximadamente uns oito anos. 

   Esse garoto ficava ali parado olhando para mim, com um semblante sério. Seus olhos estavam fixos em mim e eu tentando disfarçar desviando o olhar, mas quando eu o olhava novamente ele continuava a me encarar.Então ele caminha em minha direção.Era um menino muito bonito, e me dá um sorriso radiante.Cabelos negros e lisos que até brilhavam, seu olhar vinha fixo em mim. Dois grandes olhos negros como eu nunca havia visto. Parou bem em minha frente, estendeu a mão direita segurando um cordão aparentemente de ouro. Nele, havia um pingente em forma de coração. Ele o colocou em minhas mãos. 

   Olhou firme para mim e disse as seguintes palavras: 

Enfrente seus medos e aceite seu destino, tudo dará certo”.

   Não entendi o que ele queria dizer, e sem me dar a oportunidade de perguntar, ou de dizer nada, o garotinho virou-se e foi caminhando, indo embora.

Fui acompanhando-o com os olhos e ao longe ele foi sumindo e eu ali parado, imóvel, sem entender absolutamente nada, com aquele cordão na mão. Volto para casa e, como sempre, tudo está em total silencio, um silencio que apavora e provoca calafrios.Tomo um banho para esfriar a cabeça e vou para meu quarto.Fico ali deitado tentando entender o que aquele garoto quis dizer. Logo adormeci e aos poucos, caí em um sono profundo. 

   No dia seguinte acordo novamente assustado e a imagem daquele garoto ainda está forte em meus pensamentos. Olho para o lado e vejo aquele cordão de ouro com o pingente jogado em cima da cama.  

   Pego o cordão e coloco-o em cima do criado mudo e deixo ali mesmo. Passo o dia todo trancado no quarto.Não sinto fome, não sinto sede, não sinto frio e nem calor. Apenas um vazio imenso dentro do peito, que toma conta de mim.

   Reviro os pensamentos e lembranças, fico horas e horas torturando meu interior e a cada minuto que passa só aumenta minha agonia. Minha alma está chorando desesperadamente e meu coração sangra sem ter a cura que possa sanar essa dor. A noite chega novamente e não saí daquele quarto, de repente o silencio é quebrado pelo som da campainha que soa estridente ecoando por toda a casa.  

   Levo um baita susto e acho muito estranho, pois há meses ninguém aparece para me ver. Levanto da cama e vou atender a porta.Ao abrir, vejo Renan ali parado em minha frente com os braços abertos. Um amigo que já não via há uns seis anos. Com muita emoção dei-lhe um forte abraço e convidei para entrar e para meu espanto disse que só entraria se o acompanhasse em uma festa.  

   Eu não estava nem um pouco a fim de sair, mas não poderia negar ao pedido de um amigo que não via há tanto tempo. Então ele entrou e enquanto aguardava eu tomar um banho e colocar uma roupa adequada, servi-lhe uma bebida. Tudo pronto e saímos conversando em direção ao carro.Um carro estranho, todo preto, rodas pretas, vidros tão escuros que não se via nada lá dentro.Mas ele sempre foi meio gótico mesmo, então até que era normal um carro assim para ele. 

   Enquanto rodávamos em direção a tal festa íamos conversando e relembrando o passado. Perguntei de sua vida, seu trabalho, sua família, queria saber tudo, já que fazia tanto tempo que não conversava com ele.Não me deu nenhuma resposta concreta, somente dizia que tudo estava bem e que agora estava feliz, que tinha finalmente encontrado um sentido na vida.Dizia que o destino é quem toma conta de nosso futuro e que não adianta planejarmos coisas, pois não temos o controle da vida.Ele sempre sorrindo e com ar de feliz continuava concentrado na direção.

   Saímos então da cidade e pegamos a rodovia, ele andava tão rápido que mal se podia ver o caminho que fazia, e em pouco tempo chegamos a tal festa. Ele entrou e já foi logo me apresentando para o pessoal que ali estava. Sempre dizendo que eu era como um irmão para ele, me abraçando e tentando fazer com que eu ficasse à vontade. Aos poucos ia me soltando e as conversas ficando agradáveis e o pessoal que ali estava me faziam várias perguntas tentando me conhecer um pouco mais.

   Também me falaram sobre suas vidas fazendo-me sentir em casa. Depois de conversar bastante, saio até a varanda para fumar um cigarro e ali fico sozinho por um tempo.  

   A noite vinha alta, era quase madrugada. Olho ao fundo e vejo uma piscina grande, caminho até lá e ao redor do local vejo umas flores bonitas, com um perfume sem igual e percebo que aquele cheiro me era familiar, mas não me recordo de onde conhecia tal perfume.Caminho ao redor da piscina olhando atentamente cada palmo desse local.Meu cigarro se acaba e com a ponta ainda acesa acendo outro cigarro, pois estou me sentindo tenso e deslocado.

   Sozinho ali, contemplando o céu, posso ver uma imensidão de estrelas a brilhar intensamente. O silencio acalma e me faz esquecer um pouco dos acontecimentos estranhos que tem me atormentado por esses dias passados. 

   Tenho a estranha sensação de estar sendo observado e tento manter a calma. Uma das moças que está na festa se aproxima e me pede um cigarro, ficamos conversando, ela me fazendo companhia. 

— O que faz aqui sozinho, hein? — Pergunta ela.

— Só fumando um cigarro e admirando a beleza do lugar. — Falei sem olhar para ela, estendendo o maço de cigarros. 

   Ao pegar o maço de cigarros de minha mão sinto que ela suavemente toca meus dedos e noto que sua mão esta fria, chamando minha atenção, me fazendo olhá-la nos olhos. Vejo que nesse momento uma lagrima rola por sua face e sem dizer mais nada, ela simplesmente me dá um beijo no rosto e devolve o maço de cigarros em meu bolso. Virou-se e foi embora, soltando fumaça enquanto caminhava de volta para o interior da casa.

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