ENTRE Ceu e o Inferno
ENTRE Ceu e o Inferno
Por: Angel de Oliveira
GABRIEL HERCULANO

Hoje não era o dia de sorte de Gabriel, já era a terceira vez que o chamavam dizendo que algum bêbado tinha esbarrado em sua Harley Davidson preta. Aquilo o irritava tanto que ele mal enxergava quem estava em sua frente. Ele empurrou várias garotas que lotavam a sala de sua casa cara até chegar no jardim da frente.

— Ainda quer continuar vivo? — Gabriel disse, puxando o pescoço de um garoto que alucinava olhando para o céu — O que eu disse sobre não chegar perto da minha moto? Você não sabe as regras?

Todos em volta olhavam apreciando a briga que estaria prestes a acontecer, eles gritavam cada vez mais alto pedindo sangue. O pobre garoto magro, que agora estava sobre as mãos firmes e fortes do valentão de cabelos escuros engoliu em seco quando percebeu que iria sair dali machucado. Ele estava sobre efeito de alguma droga, não muito diferente de todos dali. A maioria dos jovens naquele lugar estavam chapados e loucos.

— Por favor, eu não sei das regras. Eu acabei de me mudar e essa é a minha primeira festa, eu não vi sua moto. — o garoto suplicava pela sua vida enquanto Gabriel apertava cada vez mais seu pescoço. O bad boy ria toda vez que escutava as súplicas do garoto assustado.

— Gabriel, deixa ele. Tem duas gostosas na sua cama, por que não volta pra lá? — Lewis, o melhor amigo de Gabriel Herculano, falava calmamente enquanto encostava sua mão no ombro do amigo fora de si. — Vamos lá! Não vale a pena. — Lewis insistiu.

— Qual é, Gabriel! Nunca te vi deixar alguém fazer isso com a sua moto e sair ileso. Acaba com ele! — a voz de um dos caras de sua turma insana se sobressaiu sobre a multidão.

O garoto espremido às mãos firmes quase não conseguia respirar, mas mesmo assim com sua pouca força conseguia suplicar por sua vida. Os olhos de Gabriel estavam a pontos de pegar fogo, suas veias saltaram de seus braços e pescoço de uma forma sobrenatural. A raiva exalava nele, ele esmagaria-o com uma só mão. Os seus lábios formaram uma linha fina e suas sobrancelhas se curvaram, enquanto ele o encarava com ódio.

— Lewis, saia daqui, eu não vou deixá-lo escapar. — a voz rasgada e rouca de Gabriel se dirigia para o amigo que estava do seu lado. Lewis não hesitou e tratou logo de sair dali.

— Acaba com ele, Herculano! Mata logo essa lombriga! — vozes vinham de todos os lados do imenso círculo que tinha se formado ao redor dos dois no jardim.

Um soco preciso acertou o queixo do garoto que mal conseguia se mover após cair atordoado no chão. Os punhos de Gabriel se fechavam fortemente e o sorriso malicioso respingando ódio saía de seu rosto perfeitamente esculpido. Vê-lo caído na grama, implorando para que parasse, e o sangue escorrendo de sua boca, o fez observá-lo de mais perto. Foi preciso dois longos passos para que seus pés estivessem perto demais do garoto caído, um chute forte foi feito na cabeça que agora jorrava sangue em sua volta.

— Agora você conhece as regras, não é mesmo?

O seu rosto não conseguia conter o prazer de ver o que ele acabara de fazer, porque tudo aquilo era obra dele e Gabriel tinha gostado. Um outro ponta pé na cabeça já machucada, seguido de mais um chute nas costelas frágeis em sua frente podia ser visto de todos os ângulos dali. Ele não parou por aí. Gabriel continuou distribuindo socos, chutes, e logo suas mãos fortes apertaram com o ódio que ele já vinha sentindo nesses últimos anos, esmagavam cada veia e cada local possível que o garoto conseguia respirar.

— Gabriel! Gabriel! — Lewis gritava ao lado de seu amigo, que agora estava irreconhecível. Ele não podia tocá-lo, senão seria o próximo a ser esmagado pelas mãos sombrias do homem que ele conhecia desde criança. — Ele vai morrer, cara. Gabriel, pare!

Não estava adiantando, o garoto magro no chão quase não se contorcia mais e sua pele já estava em um tom um tanto roxo. Ele precisava fazer algo, suas mãos frias puxaram com toda a força que possuía no seu corpo musculoso e alto. O loiro chamava os outros dois amigos ao seu lado, que olhavam assustados, mas que rapidamente caminharam até aquela bagunça e ajudaram-no a puxar Gabriel para longe do menino. Ele ainda tinha um semblante assustador em seu rosto e suas mãos sujas de sangue mantidas fechadas.

— Chamaram a polícia, cara, você tem que sair logo daqui. Pega o meu carro e some logo. — Lewis o entregou as chaves do carro enquanto o empurrava para longe dele. Ele sabia que o amigo estava fora de si, chapado e mal conseguia lembrar seu nome. Mas ele não tinha outra opção senão limpar toda essa bagunça.

As mãos apertavam fortemente o couro do volante em sua frente, ele acelerava com bastante vontade o Mustang preto de Lewis. Gabriel não sabia pra onde estava indo, ele só conseguia escutar a voz de seu pai.

"Você é fraco, pequeno e feio. Você não é meu filho, por isso merece apanhar. Vou te bater até não lembrar mais seu nome."

Ele resmungava segurando as lágrimas que ele prometera que não soltaria nunca mais, lembrar de sua infância não era algo muito animador. Sua cabeça girava e ele só acelerava. O barulho do motor era cada vez mais alto e emocionante, e ele não fazia ideia de onde estava. As ruas apagadas eram iluminadas apenas pelos faróis do carro potente. Por um instante Gabriel avistou um pequeno carro em sua direção e tentou frear, mas foi tudo em vão. Flashes de luzes, gritos e choros invadiam sua cabeça. Ele levantou sua mão até a cabeça e sentiu um corte profundo na testa, sua perna estava dolorida demais, enquanto ele tentava sair do carro. O automóvel em sua frente estava totalmente destruído, mas assim que ele se aproximou conseguiu ouvir um gemido fraco da mulher no banco do carro destruído. Ele chegou o mais perto possível e quase não conseguindo ver nada diante dele, viu o olhar apavorado da mulher agonizando.

— Por... por fa-favor... meu filho... salva meu filho.

Ele se permitiu olhar para trás, mas seu estômago revirou de uma forma enlouquecida, fazendo-o vomitar quando viu o pequeno garotinho. Gabriel sentou-se no chão e não conseguia respirar. Sua cabeça doía como o inferno e suas mãos puxavam com uma força extrema seus cabelos. Ele não sabia o que fazer. Logo viu que o seu celular estava no seu bolso e o puxou rapidamente, fazendo uma ligação para Robert Walker, delegado da cidade e seu tio, o único parente vivo da família.

"Não saia daí, vou chegar antes da viaturas"

Gabriel desligou e permaneceu ali imóvel até que seu tio chegasse. Duas mãos o puxaram e rapidamente ele recebeu um soco no nariz.

— Que porra você fez? Tem uma criança que pode estar morta ali! — a voz aterrorizante de seu tio invadiu seus ouvidos o fazendo acordar, não era um pesadelo. Tudo estava acontecendo. — Entre no meu carro e me espere. De quem é esse carro?

O garoto estava em choque, não se mexia e nem sequer falava.

— Droga, Gabriel! De quem é esse carro? — as mãos de Robert sacudiam o garoto desesperadamente.

— Lewis. — sua voz foi seca e baixa, ele se virou e entrou no automóvel enquanto via seu tio fazer ligações em frente a lata amassada que um dia tinha sido um carro de uma família feliz que ele acabara de destruir em segundos.

— Eu não sei a merda que você se meteu, mas eu vou consertar isso. Você vai para Lakewood, uma cidade distante daqui, no interior. Eu tenho um amigo lá, Daniel Carter, o Pastor local. Ele vai te abrigar até eu resolver tudo por aqui. Você vai ajudá-lo em tudo, você vai trabalhar. — Robert dizia entrando no carro e dirigindo para longe dali.

— Minha faculdade? Meus jogos? — a voz de Gabriel era de uma tristeza profunda e tão baixa que mal conseguia ouvi-la.

— Não terá nada disso agora, volte diferente e quem sabe posso te devolver isso. — enquanto ele dirigia rumo ao hospital mais próximo, conseguiram ver duas ambulâncias indo em direção ao acidente.

O carro parou e eles desceram apressados até a portaria. A cabeça do garoto não se levantava e ele não conseguia pensar em mais nada a não ser na voz fraca da mulher suplicando pela vida de seu filho. A recepcionista o levou até a área de emergências, enquanto Robert esperava impaciente na recepção. Algum tempo depois, Gabriel voltou com seu pé envolto em uma armadura.

— Foi só uma luxação. — ele disse ao seu tio.

— Isso foi muito pouco pelo que fez, não deveria nem estar vivo. — o homem que tinha seu sangue nem se preocupou em ajudá-lo, eles entraram no carro rumo a sua cobertura beira mar.

— Você dorme aqui hoje, não posso te levar agora. Amanhã você pega sua moto e some daqui. Me ouviu bem? — Robert deu um tapa na nuca de seu sobrinho que entrava em sua casa. Ele balançou a cabeça concordando e entrou no quarto. Seria uma longa noite e um longo dia.

XXX

O seu corpo todo doía como se ele tivesse sido amassado por um trator em chamas, sua cabeça com vários pontos e sua perna imobilizada também doíam. Um bilhete com algum tipo de endereço estava em cima do criado-mudo ao seu lado. Ele o pegou, tentando ler suas costas.

"Sua moto está na garagem, quero você fora daqui antes que eu volte para o almoço. SE VIRE!"

Gabriel respirou fundo e se levantou com um pouco de dificuldade. Ele pegou seu telefone e olhou cada contato da sua agenda lotada, boa parte eram de mulheres que ele pegava em uma só noite e nunca mais retornava. Amigos? Eram poucos. Ele não saberia como explicar para seu velho amigo Lewis o que havia acontecido. Sem pensar duas vezes, ele retirou o que imobilizava sua perna e colocou o pé no chão frio. Um choque de dor percorreu seu corpo, seguido de um grito alto. Ele precisava sair dali. Sua mochila estava pendurada em sua moto, ele colocou a bota que sustentava sua perna dentro dela e se sentou com dificuldade.

— Não acredito que tocaram em você, eles te maltrataram? — ele dizia ao mesmo tempo que acariciava a motocicleta. Assim que deu partida, seu pé pulou em repulsa. A dor o atingiu, mas ele continuou, pegou a estrada rumo a pequena cidade onde viveria nos próximos meses.

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