Capítulo 5

                                                               Daniel

Depois algumas cervejas geladas, Daniel deixou Renan em sua casa. A conversa fora difícil. Renan estava contrariado, bem mais do que ele, na verdade. De repente tudo tinha virado de cabeça para baixo e ele ainda não tinha nenhuma ideia do que fazer. Mesmo tendo o amigo ao seu lado, sobreviver a uma briga como aquela, enfrentando as diretrizes da Universidade, ou mesmo os meios de comunição, que insistiam em atacar seu trabalho, não seria uma tarefa fácil. Não gostaria de ver o nome do professor Cavendish jogado na lama, não depois de tudo pelo que passara. Por outro lado, deixar que todos fossem para o inferno lhe soava cada vez mais atraente. Sentimos dúbios o acometiam. Evitava pensar neles, por enquanto. Despedira-se de Renan, observando seus olhos acuados, dizendo o que se é mais fácil quando não se sabe como consolar alguém, ou a si mesmo:

- Vai ficar tudo bem. - sorriu, apertando o ombro do amigo. Sabia que Renan precisava de sua força.

Mas será que tudo ficaria bem? Era o que sua mente questionava. Deitado em sua cama, no apartamento recentemente mobiliado, Daniel ouviu o telefone tocar.

- Sim.

- Daniel Monteiro Novaes? – perguntou a voz neutra e encorpada.

- Ele mesmo. Quem está falando?

- Sou o Doutor Emiliano Rezende, advogado do falecido Professor Cavendish.

- Advogado? – perguntou, sentindo um frio percorrer sua espinha.

- Isso mesmo. Antes de morrer ele me incumbiu de algumas alterações em seu testamento. Podemos marcar uma hora para conversarmos? Segunda de manhã está bom?

- O senhor pode adiantar o assunto? Não fazia ideia de que o professor tinha feito um testamento.

- Não vejo problema, uma vez que a família já está ciente da decisão do professor. Talvez essa informação lhe dê um fim de semana prazeroso.

- Bem que estou precisando. - disse passando a mão pelos cabelos revoltos.

- O professor, antes de morrer, pediu-me para entrar com os papéis para incluí-lo no registro da patente da Fosfoetanolamina. Ele gostaria que o senhor continuasse sua luta, porém,  fez uma única exigência. – disse, ouvindo o suspiro forte de Daniel, do outro lado da linha. – O senhor está bem?

- Surpreso. Eu jamais poderia esperar...

- Ele gostava muito do senhor. Bem, como ia dizendo, há uma exigência em seu testamento.

- Acho que posso imaginar qual seja.

- Ele esperava por isso. O senhor jamais poderá passá-la para algum laboratório. O professor sabia que dispõe de todo tempo do mundo, ainda é muito jovem, segundo ele. Tinha esperança de que o senhor, algum dia, consiga fazer da Fosfo um medicamento aceito pela ANVISA. Seu sonho era ver as pessoas usufruindo dela e se curando, sem precisar recorrer a produtos carissimos do mercado. Mas não preciso lhe dizer isso. Sei que o conhecia bem.

- Sim. Eu o conhecia muito bem. Pórem não sei se verei esse dia chegar, doutor, mas juro que farei tudo o que estiver ao meu alcance para cumprir sua última vontade.

- Sei que sim. Espero vê-lo na segunda de manhã. Vai ter que assinar alguns papéis e depois estará livre.

- Como a família reagiu?

- Estão torcendo para que você consiga.

- Obrigado, doutor. Agradeça a família Cavendish por mim, e diga-lhes que darei o meu melhor.

- Até segunda, então.

Daniel desligou o celular chocado. Jamais pensou em fazer parte da patente. Isso mudava toda sua vida, porém, ele sabia que a jornada seria longa. Ter a patente não significava a vitória, pelo contrário, a luta estava apenas começando. Encontraria força para fazer o que precisava ser feito? Deitou-se mais uma vez, porém o sono demorou a chegar.

                                                             ******

Na manhã seguinte seguiu para o laboratório. O peso da conversa com o advogado não lhe saía da cabeça. Encontrou-se com Renan, entretanto, enquanto não tivesse a plena certeza de como agiria, após a inclusão de seu nome na patente da Fosfo, manter-se-ia calado. Não convinha que a Universidade soubesse. Não ainda. Apenas Renan saberia. Tinha uma ideia de como ele reagia quando soubesse da novidade.

- Ei, Renan – cumprimentou Daniel, juntando-se a ele na bancada.

- E aí, cara. atrasado. De novo - disse Renan, fazendo pilhéria. 

- Falou o doutor Todo Certinho. Não era assim que te chamavam na graduação?

Renan entrou na USP quando Daniel estava no último ano da graduação. Viera de uma cidade próxima a São Paulo, depois de dois anos de cursinho. Ficaram amigos logo que o Professor Alberto convidou Renan para auxiliar Daniel no Laboratório.

- Cara! Não sei como você descobriu – Renan fechou a cara para o amigo – Por acaso querendo que eu volte a te chamar de Cigarra? – olhou, fingindo sentir raiva, ao ver o sorriso debochado de Daniel - É melhor deixarmos os apelidos pra lá. Esse tempo já passou. Agora você é doutor, e eu quase chegando lá.

- Mas aquele tempo despretensioso da graduação era bom, né cara?

- Bom? Pelo que eu soube, durante a graduação, você e seus amigos músicos só queriam saber de tocar em barzinhos e beber cerveja. Na minha graduação eu tive que ralar pra caramba.

- Não tenho culpa se você foi certinho demais. Eu me formei, não me formei? E que mal há em curtir um pouco a vida? - perguntou Daniel sentindo um aperto estranho lhe consumir o peito.

- Você sabe que nunca fui muito de curtir. Sempre tive que me virar para conseguir as coisas.

- Nós também. Tinha dia que tocávamos apenas para defender uma boa comida e bebida de graça.

- E o dinheiro da sua bolsa?

- Não era tanto assim. A gente se ajudava, cara. Quando um tava apertado de grana, quem tinha uns trocados sobrando, emprestava para o outro. Quase sempre não sobrava nada, mas a gente dava um jeito de sobreviver.

- E por onde andam seus amigos de curtição?

- Meus parceiros musicais, você quer dizer? Todos formados e muito bem de vida – sorriu abrindo os braços – Como vê, aproveitamos a vida senhor Todo Certinho. Sem falar das namoradas que arranjávamos. Nossa! Que saudade daquele tempo.

- Não faz tanto tempo assim.

- Não! Só uns seis anos. Mas não é sobre nosso passado que vim lhe falar. Precisamos conversar, só que tem que ser fora daqui.

- Quer jantar em casa? Posso ligar para Lilian e pedir para ela fazer um assado.

- Hum, seria bom. Faz tempo que não como uma comidinha caseira.

- Então combinado. A gente se vê à noite. Agora, ao trabalho, Cigarra.

- Não começa, senhor Todo Certinho. Aliás, nem sei o que estamos fazendo aqui.

- Aproveitando enquanto podemos. Semana que vem isso aqui vai virar um inferno. Sabe Deus o que o Dr. Schiavon vai nos fazer estudar.

- Vai ver será alguma planta que aumenta os seios da mulherada.

- Bem, se fosse isso, eu até que gostaria de participar.

- Acho que a Lilian não gostaria que você trabalhasse nisso; já nós, os eternos solteiros...

- Ah, cala a boca, cara!

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