Capítulo 4

                                                               Carol

Sentindo-se entediada nas férias, que pareciam nunca ter fim, Carol procura algo para ajudá-la a passar as horas. Enquanto entrava na biblioteca particular de sua mãe, cantarolando baixinho, seu celular tocou.

- Ei Carol? O que você está fazendo? – perguntou, eufórica, a garota do outro lado da linha.

- Morrendo de tédio. E você? Já voltou para casa?

- Ainda não. Por isso te liguei. Estou indo para lá nesse final de semana. Quer ir comigo? Sei que aquela cidade não tem muita coisa para fazer - aliás, aquilo parece uma fazenda gigante e graças a Deus que existe São Carlos – porém, preciso voltar para casa. Minha mãe está surtando, dizendo que não gosto mais deles e todo aquele blá blá blá que você deve conhecer bem – Carol sorri ao ouvir as reclamações da amiga.

- No fundo você está morrendo de saudade. Eu te conheço, Pri.

- Estou! Mas nem por isso quero ficar sozinha lá. Meu irmão é um pé no saco, como você bem sabe, e não quero ter que responder a todas as perguntas impertinentes de minha mãe. Se for comigo, ela me deixará em paz.

- E o que você tem tanto medo que ela descubra? – perguntou Carol, sorrindo, já sabendo de antemão a resposta que Pri lhe daria.

- Ele disse que vai dar um jeito de ir me ver lá. Se você for, poderemos sair juntas. Assim mamãe não pegará no meu pé e nem ficará sabendo que me encontrarei com ele. 

- Ah! E eu vou ficar segurando vela, sem nada pra fazer. Legal, amiga.

- Ah, por favor, Carolzinha. Eu prometo te ajudar em tudo o que me pedir nas aulas chatas que temos todo o santo dia. Diga sim, vai.  Ele é tão gato! Tão mais velho. Tão tão... Prometo que se divertirá. Vou te apresentar um amigo meu.

- Você deveria tomar cuidado, isso sim. - rebateu Carol, ignorante a última frase de Pri - E se ele estiver te enganando? E se for casado?

- Por acaso está dizendo que não sirvo para arranjar um homem maduro?

- Só acho estranho um homem como ele, bem sucedido, lindo, nunca ter tido ninguém. Não creio que a mulherada fosse deixá-lo em paz. 

- Não seja chata, miga. O que importa agora é que foi a mim que ele escolheu, então, beijinho no ombro para as outras.

- Não adianta colocar juízo nessa sua cabeça. Só toma cuidado para não se machucar. Ou pior, se apaixonar. Não quero você chorando e se descabelando no meu ombro durante o semestre.

- Não vou. Sei o que estou fazendo. Estou apenas curtindo um homem mais velho e, diga-se de passagem, não tão velho assim. Ele tem apenas nove anos a mais que eu. E então? Vai comigo ou não?

- Não sei, Pri. Tenho que ver com meus pais. Eles estão cheios de planos para mim.

- Conheço bem os planos da sua mãe. Vai enterrar você viva numa biblioteca. Aposto que  deve estar sentada numa poltrona com um livro chato nas mãos.

Carol tirou o celular do ouvido e fez uma careta. Como ela ousava conhecê-la tão bem?

- Ei, Carol? Ainda está aí? - perguntou Pri, apreensiva.

- Estou. É que você, às vezes, é irritante, sabia? 

- Sei sim. Por isso você me adora. Mas falando sério, miga, você também precisa se divertir. Esquecer um pouco os afazeres impostos por seus pais  faz bem, sabia? Não sei porque permite que eles controlem sua vida - disse, sarcástica.

- E como vou me divertir se você vai ficar namorando? - respondeu, ignorando-a.

- Já te disse. Te arranjo companhia com um amigo meu. Meu irmão também tem uns amigos bonitões. De repente...

- Santo Deus, Pri! Não tão desesperada assim pra arranjar namorado.

- Pois devia. Faz bem. É bom para aliviar as tensões do dia. Passo aí no sábado de manhã e não quero ouvir mais desculpas.

- Espera, Pri. Eu tenho... Mas que merda! Desligou na minha cara!

Sorrindo, ela guarda o celular no bolso e se põe a pensar em sua amiga de turma, Priscila, enquanto pega distraidamente vários livros nas mãos, sem realmente enxergá-los. Eram tão diferentes em vários aspectos. Priscila tinha os cabelos  escuros, o que formava um contraste interessante, quando estavam juntas, em relação aos seus que eram avermelhados. O mesmo se dava em relação as cores dos olhos: Priscila morena de olhos negros e ela, ruiva de olhos claros. Embora uma fosse o oposto da outra, fisicamente, deram-se bem logo que se conheceram nas dependências da Faculdade. Dividiam o mesmo quarto no alojamento durante a semana – depois de uma longa discussão com os pais, Carol conseguiu sua independência, embora o pai estivesse sempre de olho nela. Mesmo Priscila estando apaixonada pelo Docente do Departamento de Física e saindo com ele nos finais de semana, durante o período de aulas não se desgrudavam. Perdida em pensamentos alegres, assustou-se quando um pedaço de papel quadrado caiu, flutuando, de dentro de um livro. Franzindo a sobrancelha, abaixou-se para pegá-lo.

Olhou curiosa para a imagem, erguendo-a do chão. Encarou-a, sentindo-se perplexa, ao ver que se tratava de uma foto polaroid de um jovem, que sorria para a câmera, sentado nos degraus em frente ao CAASO[1].

Uma sensação estranha percorreu seu corpo. Passou o dedo pelo rosto do rapaz e algo pareceu se romper em sua mente, como uma imagem se formando e se perdendo no vazio. Ainda de cenho franzido, olhou o verso da foto:

Daniel? Quem será você? – Perguntou-se, ao ver o nome escrito em letra de forma. Embora pudesse jurar que nunca vira aquela letra, outra vez aquela sensação de quase reconhecimento a acometera. 

 Não conseguiu devolvê-la a seu lugar e nem tirar os olhos dela. A imagem do rapaz parecia envolvê-la de uma forma arrebatadora. Fechou o livro e o colocou de volta à estante, mantendo a foto em sua mão. Com certeza os pais deveriam saber quem era o jovem rapaz de cabelos rebeldes, barba por fazer e dono de um sorriso espetacular. Seus olhos negros pareciam hipnotizá-la. Por um momento, um segundo apenas, teve a certeza de que devia manter essa fotografia escondida dos pais. Quem quer que fosse o rapaz deveria ter um motivo para estar escondido em um livro tão velho.

[1] Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira, da USP São Carlos.

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