Capt.8

Ouço alguém e rio-me, “Fantasma! Fantasminha”, dirijo-me ao horto, saindo da casa do senhor, ena! As couves estão altíssimas! É uma pena que ninguém as venha colher com medo dos peidos dos espectros.

Entro num edifício já mais fechado e fresco, com um tanque rodeado por uma faixa de ladrilhos, pouso a pesada lança, descalço as botas de camurça, desapertando os incomodativos atilhos de couro, deixo cair o pesado manto castanho de meu corpo, abrindo o alfinete do broche circular bretão, uma das poucas heranças de meus pais que escaparam às garras dos meu tios que me querem ver morto. “Boríngio! Boríngio! Não te deixes levar pela tua paranóia…” Retiro o colete de peles e a túnica suada preta, descalço as bragas quadriculadas e meto-me como vim ao mundo na água tépida, esfregando-me com o barrote. Os ex-escravos da quinta dizem que esta água é a água  do demónio. Ulf e seus marsignos dizem que a água é de Hel, a senhora dos infernos dos mortos. A água mantém-se quente, mesmo no Inverno, mas isto tem a ver com um veio do solo que irradia calor e que habilmente foi aproveitado pelos arquitectos dos antigos donos do mundo tal como Cassiano me explicara. Dou umas braçadas, sentindo-me relaxado e pleno, como se o mundo lá fora não existisse e os meus problemas fossem coisa dum passado distante e enterrado. Faço bolinhas até que uma mão me empurra para debaixo das águas, as narinas ficam alagadas, enquanto me viro e amarro-me ao jovem e robusto corpo, encostando-o violentamente ao meu peito enquanto respirava ar e tossia água.

- És terrível Cibelle!

- Larga-me grande bruto! – tentei beijá-la, mas a mulher morde-me no lábio, livra-se de mim a murro e começa a nadar. Eu amarro-lhe um pé sentindo um colar de pedras no tornozelo… um peixe raspa em meus colhões… assustado, deixo escapar Cibelle, que nada até encostar a cabeça na borda do tanque. Aproximo-me, sentindo sangue a sair do meu lábio rachado, toco ao de leve em seus ombros e na sua pele macia. Cibelle toca nos meus lábios, vê que tenho sangue e beija-me.

- Com que então tens uma noiva?! – levo a mão ao meu lábio ferido, o caudal ainda era grande e apeteceu-me esbofetear Cibelle.

- Nós não temos nada, sempre disseste que não querias sair da quinta, que eras velha e que tinhas já enterrado dois pretendentes.

- Não te queria ver morto, foi por isso que não te aceitei como pretendente mas como amante. - leva suas mãos às minhas e obriga-me a tactear seus seios. Desabrocho seus mamilos, sentindo-os rígidos:

- Tenho uma maldição sobre mim.

- Não digas isso. – conforto-a, enlaçando-a e tocando no martelo de Donnar. Ela de facto tem azar, o primeiro pretendente sofrera, há alguns anos, uma queda de cavalo partindo a espinha, o segundo, até auxiliei na cremação, caíu num poço e afogou-se, um dia antes da boda. A partiu de então Cibelle ficou marcada como algo a evitar pelos homens e olhada de canto pelas mulheres. Inicíamos nossos encontros aqui e já passaram dois anos. Agora eu tenho noiva, como será? Nós temos um código, o velho pai tinha muitas amantes, mas os suevos tem um código do tempo de Ariovistos: a família é a unidade fundamental da nossa grei, da nossa gens, da nossa gau, é inviolável e incorruptível. Eu posso ter várias mulheres, com o seu assentimento, mas nunca uma amante. Teria que levar Cibelle para Saturnring, falar com a noiva estranha, e se elas assentirem viver na mesma casa, compartilhando tudo, então iniciaríamos as cerimónias. Mas todos me dizem, Ulf incluído, que é confusão a mais ter duas mulheres na mesma casa:      

“o ideal é ter um mulher luso ou galo-romana e desembainhar a espada sempre que se puder como o velho pai fez e como todos fazem”. Permaneço frio, não correspondendo às carícias de Cibelle.

- Eu tenho uma noiva. – sentencio. Cibelle mira-me, estranhando-me, seus olhos de amêndoa ocres humedeceram, mas não se descompôs. Afasta-me com um repentino empurrão e nada até à faixa de ladrilhos, sai da água revelando umas ancas de barril e umas boas mamas leiteiras. Pega na túnica, ata seu longo cabelo negro num picho e, dolorosa, olha-me antes de sair do decrépito edifício. Mergulho a cabeça e deixo-me estar sem respirar, invocando as donzelas da água. Volto à tona, pensando em como vou negociar as trutas, as valiosas peles de arminho e o javali para as provisões de Saturnring.

Volto à aldeia, a noite caía e senti vários arrepios na espinha, enquanto deixava a villa de volta aos fantasmas

           

Estamos todos sentados à volta da fogueira, somos cerca de trinta almas, os filhos de Ulf, dois dos quais detesta e estão a meu lado, as suas mulheres, alguns trabalhadores e nós. Bebe-se bom vinho e algum bardo alumiado pelas chamas fala nos inícios do mundo. Lembro-me do gigante Ymir e do sonho da minha noiva e de como está tudo previsto no nosso destino, Cibelle está embalando uma criança com carinho e olha distante para as chamas, enquanto Veremunda lhe fala qualquer coisa. Frumário está a negociar com Ulf o que levaremos para casa:

- Três galinhas, nós temos um capão em Saturning, dois leitãozinhos, macho e fêmea que terão crias. – diz resoluto Frumário, pondo-se de pé e apontando os dedos das mãos.

- Bah! O javali e os peixes não valem isso.

- Valem, valem, - assenta Odoacro, enquanto bebe por um corno vinho amargo tinto e arrota. Ulf olha para mim e eu concordo com a cabeça com Frumário e Odoacro. O preguiçoso pega nas peles de arminho e desenrola uma:

- Mas as peles de arminho valem isso, em qualquer cidade hispânica dariam-nos um boi por elas.

-  Sim…mas  estamos longe das cidades, estamos no cu do mundo e as coisas aqui valem pouco. Afinal quem é o vosso chefe? Tu, Boríngio, não dizes nada, deixas que eles falem por ti? – eu corto com o punhal um pedaço de porco no espeto, miro-o indiferente  e digo-lhe:

- Frumário negocia melhor do que eu. Precisamos das galinhas para o capão as montar e queremos um casal de porquinhos para aumentar a prole. As peles de arminho para ti serão quase de graça, podes escondê-las para tempos mais duros, elas valerão sempre um bom preço. – mastigo a carne e continuo a ouvir a saga de Ymir, pensando em Cibelle. Levar a Cibelle para Saturnring, fazer a proposta à minha noiva, não! Isso é estranho. Olho Veremunda e procuro a outra mulher, uma asturiana de nome Galena, gorda como uma chiva a amamentar o oitavo filho de Ulf.

- Nobre Ulf, onde está teu sétimo? – pergunto-lhe curioso. Ulf deixa de trincar a coxa e torna-se repentinamente sério.

- Para quereis meu sétimo?

- Para nada. – respondo-lhe, mas depois dou o braço a torcer. - Bom queria saber porque é que trocaram a minha noiva.

- O rapaz não faz dessas coisas, deixa-o em paz! Então vosso mago o, o… Atrace?!

- Está caduco, velho e não diz coisa com coisa. -  respondo-lhe mentindo-lhe.  Ulf mira a encoberta lua como à espera de um sinal. As duas mulheres olham o chefe e Cibelle deixa de brincar com a criança. Por fim, Ulf assinala-me a sua cabana. Pego numa tocha e enlaço-me na capa. As duas mulheres discutem com Ulf, mas a ordem de seu amo e senhor não volta atrás. Decidido, dirijo-me iluminando o caminho, para a cabana. Um cão amigo segue-me e eu vou acariciando o lombo, enquanto espero que Cibelle se levante no meio da confusão que se gerou com Ulf e as mulheres.

- Espera por mim, não podes ir sozinho, -diz-me Cibelle, amarrando-me no braço.

- Raios! um sétimo filho dum sétimo filho é isto que faz, está  preparado para fazer isto e é imprestável para outra coisa, digo-me andando rápido, sentindo a cauda do cão nas minhas pernas.

- Porque raios é que ele está sempre doente? Deveriam-no pôr era a atender pessoas que precisam do seu dom.- digo-lhe ríspido. Cibelle pára-me, dirige-se à porta, b**e nela e diz que vai entrar. Entramos os dois e eu dependuro a tocha na parede.

- Amorzinho, é a tua madrinha Cibelle. – a mulher tira o xaile e debruça-se sobre uma baixa cama, aconchegando o pescoço ao rapaz. Eu olho a cara do mancebo alumiada pela frágil lucerna

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