Capítulo 2

De quem foi a ideia infernal de viajar nesse inverno? Claro que foi dela. Concluiu isso com certo ardor nos músculos que clamavam pelo calor delicioso de uma lareira aconchegante sentada num sofá de couro. 

Depois do primeiro trem e dos comboios de carro, estavam exaustos. Mas, enquanto ela planejava a sua vingança para quando encontrasse a rainha, Matteo estava ocupado com o corpo quente de uma qualquer. Não que a incomode, não se importava na verdade, porém, queria mais foco na missão. 

Afinal de contas, não foi fácil salvar o rabo lupino dele, para deixar de lado o seu objetivo maior. Como viajavam sempre de carro ou trem para chamar menos a atenção, demoravam dias numa viagem que de avião seriam horas. As maravilhas de ser de uma família de rastreadores com olfato apurado, parte 1.

A neve cai a cada momento mais densa sobre as estradas, eles tinham sorte de estar entrando já no trem. O segundo veículo já estava apitando a partida enquanto com esforço eles embarcavam saindo da plataforma, um calafrio passa direto pela sua espinha quando fita um homem parado atrás de si. Seus olhos dourados e a barba por fazer chamando sua atenção com a pose confiante demais para ser um humano comum. 

Poderia ser um vampiro mas, não ela não tinha tempo para isso, apenas avisa Matteo de que precisam encontrar suas cabines (uma ao lado da outra no vagão 12) enquanto se preparavam para o ataque. Se pode pensar que estão fracos, mas, acreditem, estavam mais fortes e prontos do que nunca. 

Depois de todo o tempo que teve para refletir em sua vingança nunca pensou que viria tão rápido quanto veio, seus dedos se curvam com força na mochila, nela está tudo o que a mulher possuía e precisava para atravessar o coração da vadia, não antes de fazê-la sofrer o que a sua família sofreu por todos esses anos.

Uma mão pesada vem para o seu ombro antes que ela tenha a chance de fechar a porta da cabine, um corpo pesado se joga com ela dentro da cabine e já estava com uma das suas facas na garganta do atacante antes de ele poder piscar os olhos. Ele é rápido, assim como ela e dançam numa batalha de titãs dentro de um espaço confinado. Apesar de analisar e dissecar suas intenções, seu rosto não demonstra nada do que ela gostaria de ver. Ele não a teme, não quer matá-la, não está atacando com toda a fúria que ela esperava dos caçadores, porém também não deseja se curvar. Ela não sabia o que ele poderia querer com ela, mas, é o mesmo cara que viu quando estava entrando no trem acompanhada de Matteo. Seus olhos ainda tinham aquele tom dourado brilhando atrás das íris. O sobretudo negro fazia um grande par com seus cachos encaracolados na altura de seu queixo, um ar de superioridade brilha ao seu redor como se fosse uma segunda pele.

– Ranielle Ferreira, que prazer. Mas, devo dizer que seus pais ficariam desapontados ao te ver empunhar uma faca contra um aliado. O que pensariam de você se soubessem seus planos infantis de invadir uma fortaleza dos vampiros dentro de um território de paz?

Sua cabeça gira procurando por nomes e rostos enquanto tenta focar sua mente nas verdades que estava ouvindo ali na sua frente. Uma mão ágil a desarma derrubando a faca e com ela suas intenções sinceras de m****r aquele garou se foder, provavelmente o cara era só um observador, responsável por manter uma das princesas longe de confusão. Voltando a fita… é princesa!

A droga que deveria ser perfeita e ficar encerrada num castelo de verdade. Ela seria uma defunta antes de permitir isso. Apesar de longe do conselho e das armadilhas dele, ela ainda sentia o peso da tiara de cromo sobre os cachos dourados. Sua reclusão não diminuiu o título, assim como a retirada de sua família das terras do avô não o fez. Um Ferreira seria sempre um Ferreira, independente de para onde se mudasse ou o que optasse por fazer. 

– Não me espanta que não se recorde de mim… - o estranho continuou num tom contemplativo enquanto coçava a barba rala. – Era apenas uma bebê quando fomos enviados para observar, peregrinos como nós não são feitos para a guerra, e, é contra o nosso instinto sair matando como você está fazendo. No entanto, reconheço um bom trabalho quando vejo.

Quando seus olhares se encontram, ela sentiu o peso de suas palavras cavando um caminho úmido até seus ossos. Quantos outros ‘observadores’ a viram trabalhar nos últimos meses? Seus cachos balançam numa negativa pobre sobre o que ela queria lhe dizer. Esse estranho não deveria lhe ver, ninguém deveria. Ela sabia que trocar de passaporte não a faria invisível aos olhos e instintos, mas, ser seguida de perto por alguém como ele arrepiava até mesmo a linha mais tênue de segurança que já sentiu na vida.

– A vantagem, é que respondo à sua avó e mais ninguém e apesar da frustração dela em ver que seus pais não conseguem te manter segura, ela também admira seus esforços.

O pensamento sobre a avó tira uma das batidas do seu coração do ritmo, enquanto se sinte mal por ter saído sem dizer nada a ela, tinha certeza de que ela entenderia caso tivesse lhe dito, mas o medo era maior do que pensamentos incertos, ela optou pelo caminho mais fácil.

– Ok. E você seria um tipo de tarado de merda que fica me observando enquanto troco de roupas? Que nojento isso, devia se envergonhar.

– Sua torpe tentativa de humor, não vai fazer muita diferença enquanto formos à terra da Rainha. Sua avó quer ver você. E, não, menina. Não somos enviados para te vigiar nesses detalhes. Mas, para impedir que façam com você o que fizeram com seu avô. Já ouviu a citação de Shakespeare? “Há algo de podre no reino da Dinamarca?” Acha que ele tirou isso de onde?

Por pura vontade ela franziu o cenho até que ele soubesse que poderia segurar uma moeda entre as sobrancelhas e ela não cairia com facilidade.

– Meu nome é Louis, mas, pode me chamar de Lou, se desejar. Eu fui o que mais próximo de amigo seu avô teve na vida. E acredite em mim, quando digo que daria por ti minha vida.

Ajoelhando na frente dela e estendendo a faca que havia tirado de sua mão, ela a tomou com bastante avidez. Ele manteve os ombros baixos em tom de rendição. Não queria ferí-la também, nem matar… Ainda é difícil processar suas palavras. Seu avô não tinha amigos fora da família, pelo menos não que ela soubesse, e, ainda que tivesse esse amigo, pode ter virado a casaca há tempos. O que só me planta mais dúvidas na mente da mulher. O que raios aconteceu com as alianças simples e a guerra que travavam desde o início dos tempos? Esse cara é louco se acha que ela confiaria nele simplesmente porque está se prostrando.

– Agradeço seu interesse em ajudar e sei que em algum momento suas intenções foram as melhores, mas, por enquanto, vou ficar sozinha mesmo, se decidir que preciso não exitarei em chamar. – Com uma piscadela se afastou ainda de frente para ele. Não é prudente dar as costas a qualquer um, ainda mais sem uma boa armadura de kevlar debaixo da roupa.

– Ran… Sua avó quer te ver, a idade avançada dela exige que você vá até ela. Mas, não se engane. Como disse antes, há algo de podre no reino e não é o sangue dos vampiros.

Um lampejo de entendimento depois, ela sente aquele aroma. Rosas brancas com passiflora. Sua avó sempre adorou esse cheiro que a lembra de quando Rani era uma bebê. Aquele cheiro que a acompanha em qualquer lugar onde vá. Arreganhando a porta de supetão, se colocou a correr pelo corredor estreito enquanto Louis corre atrás dela, desenfreados loucos para chegar a um objetivo que ela ainda não sabe qual é. Na oitava cabine depois da sua, no outro vagão, ali está… o aroma mais doce e puro que já senti na vida. A vida de vovó pulsando debaixo de camadas de indescritível familiaridade.

– Antes de entrar… – Louis de novo. O que será que ela precisava fazer para se livrar dele? - Ela queria que você soubesse que gostaria de ser lembrada como a loba forte que você conheceu.

Seus olhos se arregalaram e suas sobrancelhas sobem atrás dos cachos enquanto ela o encarava boquiaberta. O que será que houve com vovó para todo esse alvoroço? Apesar de acreditar que nada poderia abalar sua doce vovó, temia por todos antes de conseguir discernir com exatidão suas palavras, a porta é aberta à sua frente e mesmo não acreditando em anjos e santos, começou a orar.

O cômodo está escuro e a pouca luz filtrada pelas cortinas parece pouco perto do tamanho da tensão que está presente em seus ossos. Seus olhos se ajustam rapidamente à senhora sentada sobre a cama, enquanto começa a avaliar que ela parece ter o olhar perdido ao longe, como se conseguisse sentir apenas o calor da luz ao invés da luminosidade que penetra pelas frestas. 

Sua cabeça se vira para a neta e ela tem um vislumbre de suas rugas demonstrando a exaustão causada pelos anos de lutas e batalhas. Sua mão se estende enquanto seus dedos se curvam chamando a lupina para se ajoelhar, sua coroa pendendo dos cachos negros faz perceber como sentiu falta dessa familiaridade. Sua vovó.

– Aproxime-se criança, reconheceria esse cheiro de determinação em qualquer lugar, Ran. - Seu joelho esquerdo se dobra e encontra o chão num baque surdo, a poucos centímetros da mão dela. Sua cabeça está curvada encarando o traje confortável que a envolve nas pernas. Ela poderia ser uma rainha vestida inclusive com trapos, mas, está apenas numa saia e chinelos de idosos, confortável e acessível. Sua vovó.

– Senti sua falta, criança. Não tem idéia no que nos fez passar ao assumir para si essa responsabilidade, e, devo dizer – ela acrescenta com um sorriso complacente. – que me diverti muito recebendo os relatórios dos seus avanços sobre os vampiros. Você fez um trabalho interessante com eles.

– Vovó… - E é a única palavra que ela precisa para cair em seu colo estendido logo à sua frente. Seus dedos envolvem os cabelos de Ranielle como seu avô costumava fazer, como sua mãe costumava fazer e por alguns momentos ela pode relaxar e se sentir em casa novamente. Como se não tivesse passado tanto tempo vivendo sozinha em si mesma.

Seus olhos voam para uma figura parada ao seu lado, minha tia tem os lábios franzidos em desgosto e não esconde a violência detrás de seus olhos. Galliard’s são tão previsíveis que seria um crime contra os lupinos menosprezá-los. Francis a encara como se quisesse arrancar seu coração e dar de comer aos seus parentes próximos. Como próxima na linha de sucessão à sua matilha, Ran acreditava que a tia deveria ter tido mais colhões que ela mesma e ter saído na caçada sobre os que desestabilizaram a pouca paz que foi conquistada. Mas, ela não faz nem um movimento e se pudesse acreditar, diria que é apenas uma estátua.

– Você nos pôs loucos, se é que mais loucos do que normalmente, minha criança. Senti muito a sua falta.

– Ah, vovó, também senti sua falta.

Somente quando mira seus olhos, que sempre foram o tom amêndoa mais lindo do mundo, que percebe que tem algo errado. Há algo que não está certo nela, no modo como encara o vazio entre seus olhos e no modo como seus lábios tremem antes de ela conseguir se controlar.

– O que aconteceu à senhora? - Pronunciou numa voz fraca, antes de notar que ela mesma estava balançada por um sentimento de choque. Chegou a hora para ela.

– A idade. A velhice foi o que me ocorreu. Não se pode viver 500 anos e permanecer jovem para sempre, você sabe. A nossa eternidade é finita. E a minha está chegando ao fim, meu amor.

– Mas, a senhora ainda é tão jovem… Tão forte. - Como se seus sentimentos fossem palpáveis, uma lágrima cai de seus olhos por mais que ela tente controlá-las. O cheiro agridoce de sal e açúcar numa mistura tóxica que queima sua garganta, está lhe deixando estilhaçada. Nunca percebeu o quanto a morte do meu avô afetou todos à sua volta. Se encerrou na sua dor e na dor de mamãe, antes de conseguir entender que todos estavam definhando por causa dele.

A ordem foi restabelecida, sem um substituto propriamente nomeado, não tinham muito com o que trabalhar e foi decidido em um rito, que seus tios Herman e Francis seriam os líderes da matilha, respondendo à sua avó, que por sua vez, devastada em dor, mal conseguia se firmar para tomar decisões por algum tempo. 

Foram eras de muita tristeza e bastante afinco para conseguir se restabelecer, e, cada um lutou como podia contra o luto, no caso de mamãe se enclausurou em si, negligenciando a dor dos outros. No seu caso, fomentou um plano para acabar com quem tinha acabado com eles. Sua tia a encara com desgosto como se pensasse que a sua loucura vai os afundar mais do que já estavam fundos até o pescoço.

Ela afasta os cachos dos olhos analisando a cena com a precisão adquirida e seus instintos afiados. Francis, sua tia não usa a coroa, e, por algum motivo aquilo a incomoda, mas, não pode deixar de observar que vovó é a única que parece austera, ainda que sua idade denuncie o cansaço e a cegueira tenha cobrado de sua expressão a violência que nos é conferida ao nascer. Ainda há fé em sua força e em seu poder, mas, ela parece agora apenas uma doce senhora.

Ela queria que as circunstâncias fossem diferentes. Queria poder agarrar-se a ela e dizer que sentia tê-la desapontado, mas, ela permanece centrada apenas na respiração de Ranielle, enquanto esta sente seus membros relaxarem a cada minuto mais na sua presença.

– Eu já fui forte, Ran. Atualmente sou apenas uma velha cansada e doente que faz o que pode para continuar vendo os netos fazerem coisas maravilhosas. E, é sobre isso exatamente que eu gostaria de falar contigo. Seu avô, tinha grandes planos não apenas para nossa matilha, mas para sua mãe e você.

Seus olhos se abrem de espanto ao perceber que o ar na sala parece parado e estéril. É como se vovó tivesse dado em todos uma bofetada forte no rosto, os fazendo curvar em protesto.

– Ele tinha uma visão tão diferente de família e responsabilidade, algo como você parece ter, presumo. Se os relatórios que recebi lhe fazem justiça, digamos que ele ficaria feliz com a escolha de líder que ele fez antes de falecer.

Agora os seus joelhos fraquejaram ainda mais, enquanto se apoiava parcialmente nas pernas da avó. Seria possível que ela estivesse dizendo algo meramente parecido com o que ela parecia escutar? Seria possível que toda essa neve tivesse congelado seu cérebro e ela estivesse na verdade, no chão da própria cabine morrendo de hipotermia? Nem nos seus mais loucos delírios, imaginaria algo assim, e como a sua imaginação não era fértil o suficiente, ela acreditava que tinha ouvido corretamente. Vovó acabou de dizer que ela foi escolhida como Líder? 

– Isso não é possível, ele… Não pode ser sério, vovó, isso não tem graça.

– Oh, querida! Acredite em mim, eu sei que não tem graça, quando foi escolhido ele também não achou graça nenhuma, e, continuou sem achar até os 530 anos com os quais morreu. Acontece, que um Alfa pressente a hora da partida e ele nomeia alguém para continuar por ele. Como você não tinha noção da responsabilidade, deixamos que sua mãe te levasse para longe, apesar de que, devo dizer que você fez um trabalho maravilhoso, estamos todos orgulhosos. 

Com a cabeça zonza sem compreender direito o que realmente a espera, passou os dedos sobre os cabelos eriçando os cachos e fazendo com que se bagunce duas vezes mais do que normalmente estão, seus dedos correram por eles enquanto tentou formular alguma linha coerente de pensamento. Bom… Coerente com o que acabou de ouvir, quer dizer então, que ela era a dona do pedaço agora? Isso não pode, definitivamente, estar certo. Com nenhuma chance no inferno ela ia fazer algo similar a m****r em alguém.

– Posso cheirar a sua confusão, e, tem um odor desagradável, Ranielle. Apenas pense, nas aulas de etiqueta, nas aulas de esgrima, manuseio de armas, diplomacia.. Acha mesmo que todo lupino tem esse tipo de treinamento se não for para assumir algum alto cargo na hierarquia? Sua ilusão já durou tempo demais, não podemos permitir que continue se arriscando desta forma, não é só sobre você. É sobre uma família inteira, sobre gerações e gerações pesando sobre os seus ombros agora. Não pode haver dúvidas sobre as suas decisões.

Forçando sua cabeça para cima, entendendo agora porque sua tia não está usando ‘sua’ coroa. Agora ela lhe pertencia, e, assim com ela, o poder que deve ser concedido apenas a ela mesma. Nossa! Isso só pode ser brincadeira. Ela não queria uma coroa, não quando estava tão perto de seus objetivos. Gaya iria entender, não? é?

– Vovó, passei muito tempo nesse plano de conseguir nossa merecida vingança. Ela merece nos pagar por tudo o que fez e pela falta absurda que o vovô faz. Não preciso de uma coroa no meu caminho agora. E, como não sinto vontade de nomear ninguém pro meu lugar, acredito que não vou morrer na empreitada.

Antes que pudesse pensar, sua avó saltou da cama, agarrando seu pescoço e segurando sua cabeça contra a parede, com a nuca batendo contra o que mais parecia ser concreto do que madeira, ela via estrelas através dos olhos brilhando por toda a cabine. Pela visão periférica conseguiu visualizar um sorriso sarcástico brotando nos lábios de Francis. Por todo o enxofre de Nix, as palavras do peregrino esquisito fazendo muito mais sentido agora do que antes. 

‘Há algo de podre nessa porra de reino.’ Felicidade pela sua desgraça deveria ser algo imperdoável. Ela às vezes se esquecia que apesar de toda a docilidade e delicadeza com a qual a avó a tratava, ela jamais deixaria de negar sua natureza, Galliard’s sempre serão Galliard’s.

– Eu vou dizer isso, apenas mais uma vez. Apesar de todas as falhas e de não ser forte em resoluções como nós, o seu avô enxergou em você algo que nenhum de nós pode negar: A sua cabeça dura, vai te levar ao mais profundo abismo ou ao pico mais alto, não apenas da nossa família. E, eu devo dizer – aqueles olhos cegos furiosos a fuzilavam, droga… Ou ela a mataria ali mesmo, ou deixaria pelo menos incapacitada por alguns bons tempos –,  que me não me surpreende que você queira fazer exatamente o que os estúpidos dos seus tios disseram que você faria. A sua maior força é a sua maior fraqueza, lembre-se disso.

Depois de mais de dois anos caçando vampiros por um continente infestado de não-mortos, ela nunca acreditou que pudesse ouvir algo similar da avó. Ela chamou os filhos de estúpidos e reconheceu que Ran era uma má escolha em apenas algumas palavras. Isso sim, é que é ser uma rainha, daquelas que causa inveja numa corte inteira. Ficou se perguntando o que a Elizabeth II faria na presença da avó… seria divertido ver uma rainha se curvando pra ela. Cortar esses pensamentos, ela precisava cortar esses pensamentos.

– Vovó, eu te peço mais um tempo, estamos perto agora Matteo e eu, vamos conseguir.

– Não seja tola, Ranielle. Ele não tem noção do que o espera e só te segue como um cachorro sem dono porque sabe que você é a candidata escolhida para o cargo de Alfa da matilha. Ele tem interesses egoístas a respeito do que te acontece, não se importa muito com o que acontecer desde que ganhe uma parte do bolo.

– Não, vovó, ele não é assim, é um parceiro muito bom em batalha e bastante útil em torturas.

– Então, você é a mais cega de todas as minhas netas. E, vá por mim, algumas das filhas dos seus tios e tias podem realmente ser míopes em vários aspectos. Depois a cega sou eu…

Aquelas palavras, vindo dela, a deixaram com bastante medo de cair numa armadilha maior que ela mesma, mas, não estava disposta a recuar para nada. Nem mesmo para sua avó ou ela engolia, ou poderia dispensar seu corpo morto, sem cuidado ou honras, na primeira vala que encontrasse, seria uma escolha fácil para ela, ou pelo menos era isso que Ranielle imaginava.

– Enquanto a senhora pensa isso de mim, eu só acredito que estou no caminho certo, porque era isso o que vovô faria, correr atrás dos traidores... se estivesse vivo. Não acredito que ele gostaria que nos sentássemos na beira de uma fogueira e comemorássemos sua vida como se ele não a tivesse dado para nos proteger. Se eu posso ir atrás da vadia, eu vou com ou sem a sua permissão. Isso faz de mim uma traidora do meu sangue? Isso faz de mim alguém que precise ser caçado?

Sua força de vontade era grande, mas não tanto quanto a declarada teimosia e o parco controle sobre o processo de transformação. Suas unhas e caninos se alongaram enquanto seus olhos brilharam em vermelho intenso, fazendo com que vovó saltasse para trás com seus reflexos desenvolvidos em anos de treinamento e experiência.

– Eu VOU atrás dela. Com ou sem a sua permissão, com ou sem a sua aprovação. E eu vou sozinha se for preciso. 

Enquanto observava a pequena cabine à sua volta, pode ver um vislumbre de brilho nos olhos de Louis. Era óbvio pra ela que jamais atacaria a avó, mas, ele não tinha como saber isso, correto? Tia Francis se posicionou estrategicamente atrás da cadeira no centro do aposento, enquanto Henrietta permaneceu a encarando com aqueles olhos mocos, e, sim, o nome de vovó é Henrietta.

– Você não sabe com o que está lidando, criança. Ela é o demônio encarnado.

– Vocês é quem não sabem com quem estão lidando. - Ao longe, era possível ouvir o assovio do trem, os levando à Portugal. Ela sentia a excitação permeando em seus ossos, como sempre antes de uma caça, enquanto estava se preparando para uma batalha maior, precisava vencer essa que estava na sua cara. – Eu não quero saber! Se precisar morrer para ter minha vingança. Eu vou tê-la, com ou sem a ajuda da matilha.

– Vou com você. –  Foram as palavras que ouviu quando se aquietou e prestou atenção. Louis não tinha dito uma palavra sequer desde que entrara com a mulher no cômodo. Presenciando o que poderia ser uma luta de gigantes, o melhor que pôde se segurar foi até aquele instante. – Com sua permissão é claro, senhora.

– Você tem minha permissão para se matar com essa inconsequente. O que será de nós? E o futuro da nossa matilha sem um alfa, Ranielle? O que vai acontecer conosco?

– Vocês se viraram bem sem mim até hoje, não acredito que vão ter problemas agora. Eu não tenho interesse em ser uma dessas princesas que fica esperando pelo resgate do príncipe… Eu sou uma guerreira, uma lutadora e pode me chamar de louca, mas, ele me faz falta.

Lágrimas brotando do canto dos olhos da mais velha denunciavam sua dor. Ela podia sentir, irradiando dela como uma aura negra pronta para engolir tudo e todos à sua volta. Porém, como uma rainha, ela não derramou nenhuma delas, não se permitiu chorar e continuou firme no propósito de me convencer do fato de que eu precisava governar. Ora, por favor… Se não obedecia sua mãe depois dos  5 anos, não seria nem mesmo seu respeito nem o temor que a fariam obedecer qualquer outra pessoa. Ela seguiria em frente.

– Henrietta… Eu te amo. Muito e a senhora sabe. Porém, é um dever que preciso cumprir com a minha alma, não vou descansar enquanto não cortar a garganta da bruxa maldita que fez isso. – Suas unhas se recolheram e os olhos voltaram ao castanho normal. Mas, o brilho neles era inconfundível. Ela não se reduziria ao que era desejado de si, lutaria por todos na matilha ainda que isso custasse a vida… Pode parecer dramático, mas, ela estava pronta para morrer pelos seus. – Enquanto eu vou, preparem o terreno para minha coroação depois que eu voltar com a cabeça dela numa estaca.

– Só posso desejar que Gaia esteja contigo e que Atlas te mantenha sobre o manto sagrado. - Estendendo as mãos sobre a cabeça da neta num movimento de benção, ela começou a entoar os cânticos. Sem se dar conta exatamente, Ranielle acabou entoando junto. Os uivos graves reverberaram pelas paredes, enquanto em uníssono Louis e tia Francis se juntaram à elas. – Vão como feras e voltem sãos.

E com essas palavras se despediram. No entanto, a mulher se pegou imaginando o que faria com que sua avó se movesse tão longe de sua estância para ficar perto dela. Era realmente apenas o medo de que algo ocorresse, ou medo de que descobrisse algo que não deveria? Independente de qualquer outra coisa, ela descobriria. A verdade tende a aparecer nos locais mais inóspitos.

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