∼ 02 ∽

O escritório do chefe da Casa era cheio de livros, lembrando a uma pequena biblioteca. As cores da Casa Bourbon estavam estampadas em um lado da parede, e a luz do sol de cedo da manhã entrava pelas janelas, refletindo-as sobre a mesa rica de pau-brasil. Hélder estava cuidadosamente analisando alguns papéis quando Charlie bateu na porta, Klaus ao seu lado e segurando-se à alça de sua bolsa. O professor ergueu os olhos e gesticulou para que ambos entrassem.

— Entrem, vocês dois.

Klaus e Charlie entraram no escritório e sentaram-se nas duas cadeiras em frente à mesa dele. Hélder retirou seus óculos de leitura com um suspiro, pousando-os na mesa e gesticulando para Klaus com os papéis que estivera segurando.

— Esses são as suas avaliações. O que você achou delas, Henke?

Com isso, "Alice" mal arqueou as sobrancelhas.

— Elas foram... adequadamente desafiadoras. — Ele olhou para Charlie, que esta observando-o pelo canto dos olhos. O monitor não parecia nem um pouco apreensivo.

Hélder pensou um pouco e assentiu.

— Bom, claramente elas foram "adequadas" para você, considerando que você foi o único dos três novos alunos que realmente atingiu uma média de noventa.

Charlie pareceu surpreso e até que profundamente aliviado, enquanto o queixo de Klaus caiu. Seus olhos iluminaram-se e ele estava prestes a falar algo quando Hélder o interrompeu.

— Espere. Antes que você fique feliz demais...

Os dois o encaram, confusos. Hélder pareceu um pouco desconfortável.

— Olha, Henke, eu tentei falar com o homem, mas ele ficou de pé firme. Você tirou as melhores notas entre os três novos alunos e suas avaliações provaram isso, mas o Professor Mandrak disse que enquanto você teve uma nota... adequada no exame, ele não está muito satisfeito.

— O que você quer dizer? — Klaus franziu a testa.

Hélder entrelaçou os dedos sobre a mesa.

— Você foi excelente, e as questões acadêmicas provavelmente serão mais fáceis para você agora. Mas a avaliação do Professor Mandrak foi a sua nova mais baixa, e ele quer que você tenha aulas extras para a matéria dele.

Klaus o encarou, tentando prever o que seria dito, e quase levantou do seu assento quando Hélder acrescentou:

— … e por isso você deve direcionar-se para a Casa Canossa depois das aulas pelas próximas duas semanas, para aulas extras sobre o assunto com o monitor, Lorenzo Wilgard.

— Eu realmente sinto muito...

— Já falei pra parar de se desculpar — disse Saulo, fingindo olhar firmemente para o garoto que agora estava tentando ajudá-lo a arrumar os curativos. Raul tinha, com um pulo inacreditavelmente não-gracioso, quase derrubado-o no chão depois que seus sentidos superaram o choque de ver Saulo vivo próximo a sua cama. Claro que o outro garoto fora atingido alastradamente, mas parecia que Saulo estava bem disposto a sofrer mais danos se isso significasse que Raul teria tal reação ao vê-lo.

Klaus passara por ali apenas brevemente para trocar-se para a escola, e nem sequer olhou para os dois — Raul estava trocando os curativos de Saulo — até que estava saindo, quando disse para eles não matarem Andorinha enquanto ele estava morando com eles.

Saulo não prometeu nada.

— Para ser honesto, estou feliz que foi em mim que você pulou — disse Saulo, sorrindo abertamente. — Porque meus reflexos estão de matar agora. Qualquer outro teria saído do caminho, e você teria caído no chão e estaríamos pondo curativo em você agora...

Raul ameaçou bater nele com o kit de primeiros-socorros, mas Saulo apenas caiu na risada. Enquanto Raul arrumava os tortos curativos no seu braço, Saulo adicionou distraidamente, claramente sem pensar:

— Uau, se você reage assim quando me vê, só posso imaginar o que você faria se fosse sua namorada.

Com isso, o outro garoto corou até o coro cabeludo. Ele não olhou para ele ou resondeu, e estava tão quieto por um tempo que Saulo franziu a testa um pouco.

— Não? Nada de namorada? Ou não é o termo certo? — Ele piscou quando não recebeu resposta. Ele começou a ficar apreensivo. — Namorado, então? É um namorado que você tem? Ou... eu estou me fazendo de idiota aqui e deveria só calar a boca como Brayan vive dizendo para eu fazer... e eu ainda estou falando! Uau, incrível. Sinto muito... — Ele olhou para Raul e puxou seu braço.

Raul, porém, balançou a cabeça e puxou o braço de volta, continuando o que estava fazendo. Saulo mexeu-se, desconfortável com o silêncio.

— … Raul...

— Não é sua culpa que você não pode descobriu, porque nem eu consigo... — murmurou Raul suavemente. Ele podia dizer que isso confundiu Saulo, então acrescentou: — Ainda estou trabalhando nisso. Eu... não sei como me identifico mas sabe... — E então ele o olhou com um sorrisinho. — Acho que Klaus tem razão. Rótulos são desnecessários e contando que eu tenha todo mundo... Sinto que vou ficar bem e tudo dará certo no final. E não... — Ele ficou vermelho de novo, terminando o curativo no braço. — Nem namorada nem namorado.

Com a vista do sorriso e a mudança no tom, Saulo sentiu-se melhor.

— Bom, pelo menos me diga que alguém como você já foi beijado. Quer dizer, se não, não tem mais esperança para o resto do mundo, sabe.

O rosto vermelho de Raul o surpreendeu. Saulo o encarou e disse:

— Não... Você não está dizendo...

— Não é... algo que eu já tenha pensado — murmurou Raul. — Nunca... quer dizer... eu nunca... na verdade... bom, isso. Nunca. Klaus e eu podemos ter isso em comum. — Ele parou, e revirou os olhos. — Bom, não mais, depois de Brayan e ele...

— Não diga. — Saulo o encarou.

— Por que você acha que eu estava tão preocupado durante o Ano Novo? — Raul riu roucamente, finalmente soltando o curativo ao redor da cabeça de Saulo mesmo que suas mãos estivessem tremendo. Um pouco de betadine tinha embaraçado os cachos negros. Ele teve que sorrir. — Uma festa com as luzes se apagando e todo mundo beijando alguém... Mas no final eu não tive que me preocupar.

Saulo estava a uma respiração de distância. Eles estavam próximos assim.

— … você achou... que eu ia te beijar?

Raul ficou vermelho.

— Ah... bem... O pensamento... Bom, esse tipo de festa... — Saulo estava mais próximo agora, mas ele parecia sério. Raul apenas sorriu fracamente. — O quê?

— Eu nunca teria pensado em te beijar lá, sabe.

Por que os humanos tinham que ter essas emoções que eles não conseguiam nomear? Que era surpresa, desapontamento e alívio, tudo ao mesmo tempo? Palavras eram inúteis para essas coisas. Se as coisas fossem do jeito de Raul, ele nomearia todas elas. Ele vivenciavas todas, afinal.

— Ah... — murmurou ele. — Bom, ok.

Saulo ainda estava próximo.

— Você sabe como eu ago, mas eu nunca te machucaria. Você sabe disso, certo? — Ele gesticulou um pouco. — Não quero que as coisas fiquem estranhas. Estou tentando ser bom, lembra? — Ele sorriu um pouco.

Era tão diferente daquele outro sorriso — o alegre. Raul estava um pouco confuso, mas corou e abaixou os olhos para suas mãos.

— É. Você está sendo bom. E isso significa... muito alívio para o Brayan, tenho certeza.

Saulo finalmente encostou-se. Ele estava um pouco vermelho e agora não conseguia olhar para ele. Raul piscou.

— Que foi?

O outro garoto apenas deu de ombros suavemente, balançando a cabeça.

— O quê? — Raul riu, acotovelando-o. Saulo melodramaticamente fez uma careta como se tivesse sido mortalmente ferido. Raul riu ainda mais. Mas Saulo apenas balançou a cabeça, o rosto ainda vermelho.

— … não faça isso. Com qualquer outra pessoa.

— Fazer o quê?

Saulo não o olhou.

— … quando eu me inclinei tão perto... foi tão perto. E você... você nunca se afastou. Você só... — Ele deu de ombros. — Deixou acontecer. — Ele o olhou brevemente. — Você não deveria deixar ninguém invadir o seu espaço assim. Mesmo com os maníacos aqui. Você não tem medo de que eles fossem fazer alguma coisa, estando tão perto?

Raul piscou serenamente para ele, sua resposta finita — principalmente porque era verdade.

— Nunca tenho medo de você.

Com tais palavras, Saulo encarou Raul, tentando com grande dificuldade não sorrir, e aquele sorriso começou a aumentar até que estava tão grande no seu rosto que Raul ficou vermelho e levantou-se para guardar o kit de primeiros-socorros.

— Ah, cale a boca, Saulo.

— O quê? — Saulo sorriu cegamente, parecendo absolutamente ridículo. — Eu não estava...

— Sim, você estava. E você só devia... — Ele gesticulou fracamente, sabendo que tinha caído no buraco. — … acalmar o que... o que quer que seja... que se passa nessa cabeça cacheada sua...

— Você também tem uma — comentou Saulo com um sorriso torto.

Raul suspirou, mas gentilmente.

— Posso ver porque Brayan tem problemas com você.

Mas ele sorriu para ele e Saulo nunca estivera mais grato que ele fora a primeira pessoa que ele quisera ver. Talvez não fosse a declaração de amor que Saulo gostaria, mas estava claro que Raul, pensasse o que fosse sobre ele, estava disposto a suportar sua presença.

Charlie caminhou pelo corredor com Klaus mesmo que não precisasse. Enquanto os corredores começaram a encher-se com alunos em uniforme, direcionando-se para suas respectivas salas, Charlie olhou ao redor como se garantindo que a área estava limpa antes que pudesse dizer o que estava pensando.

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