Quatro

Entramos em umas cinco lojas de sapatos e por mais que eu insistisse em experimentar sapatos pretos ou cores neutras, Roger sempre pedia os mais coloridos e chamativos. Por fim, me apaixonei por um vermelho altíssimo, que eu tinha pavor de andar, mas logo me acostumaria.

Voltamos para casa e eu estava terminando de me arrumar, mas Roger já estava pronto há meia hora e continuava a me apressar. Fiz uma maquiagem escura, com bastante sombra preta e marrom esfumada nos cantos dos olhos, dando ênfase ao azul profundo que eles contêm, e passei uma quantidade razoável de rímel. E como sou adepta da frase 'olho tudo, boca nada', passei um batom marrom fraquinho e deixei a atenção toda nos olhos. Coloquei um brinco dourado e pequeno, com um colar de pedra. Minhas unhas estavam redondas e bicudas, como de gatos, havia feito isso há uma semana e gostei dessa forma.

Chamamos um táxi, já que pretendíamos beber e não daria certo dirigir no estado em que nós ficaríamos.

A boate era um lugar bem bonito e escuro. Sem contar que era muito bem frequentado e com seguranças na entrada. E como Roger os conhecia, nos colocou para dentro rapidamente. Por dentro era bem escuro, mas com luzes coloridas piscando por toda parte.

Caminhamos até o bar e pedimos dose dupla de vodka e tomamos de uma vez só. Nos encaramos e caímos na gargalhada, no exato momento em que fizemos uma careta. Dançamos muito e bebemos ainda mais. Já estava ficando tonta, então bebi um pouco de água e foquei na respiração. Quando a tontura passou, decidi buscar uma dose de piñacolada e fui ao banheiro para ver se precisava retocar a maquiagem. Me assustei um pouco com o meu estado e dei um retoque no pó, passei um pouco de corretivo no lápis que havia derretido, repassei o batom e saí linda, indo de encontro a Roger.

Estava olhando em volta para ver se encontrava algum gatinho, mas como sou lerda e distraída ao extremo, acabei trombando com alguém que tem o nível de lerdeza e distração tão grande quanto o meu. Aquela trombada acabou derrubando meu copo e toda a bebida em cima de mim, assim que meu corpo se encontrou com o chão.

Fiquei olhando para o meu vestido e no estrago que essa bebida podia ter feito a ele, quando vejo uma mão grande estendida a minha frente, para me ajudar a levantar. Estava envergonhada então aceitei e me levantei, ainda olhando pra baixo, ajeitando meu vestido e endireitando meus pés em meus sapatos de salto.

Então quando levanto o olhar, me deparo com um par de olhos verdes, incrivelmente lindos mesmo com aquela pouca luz. Um sorriso inconfundível acompanhado de covinhas a mostra completando o conjunto de beleza. Mas quando me dou conta dos cabelos cacheados, percebo que quem me derrubou foi o mesmo idiota que destruiu meu carro há dois dias.

— Você! — rosno.

— Oi!

— Mais uma vez fazendo merda. Retiro o que disse sobre esse lugar ser bem frequentado.

— Vai com calma aí, posso saber seu nome? — perguntou, me estendendo a mão.

— Não! — virei pro lado e ele continuou com a mão estendida.

— Prazer, sou Harry Sawyer. — a mão ainda estendida — Seja educada, pelo menos.

— Hope. — disse por fim e apertei sua mão.

— Hope é mesmo seu nome? — perguntou ainda insistente.

— Se é ou não, é só o que você vai saber por enquanto. Agora vou indo. Tchau! — falei me virando, mas ele deu um salto na minha frente.

— Quer dançar? — perguntou, com jeito bobo.

— Não, obrigada. — respondi e continuei andando em direção ao bar.

Pedi mais uma piñacolada e quando o barman me entregou, ele apareceu novamente.

— Posso te pagar uma bebida?

— Se não está vendo, já tenho uma. — Falei, levantando a mão e lhe mostrando o copo. — Mas obrigada.

— Talvez na próxima. — disse desanimado.

— É, na próxima.

Saí do bar e fui em busca de Roger, quando fui surpreendida por ele me puxando pelo braço e me levando até um canto.

— O que você estava fazendo o Sr. Deus Grego Dos Cachos? — gritou ele, como se isso fosse a melhor notícia do mundo.

— Que? Da onde você tirou esse apelido? E ele derrubou bebida em mim, não tem nada de legal nisso! E a propósito, o nome dele é Harry.

— Hmmm, um belo nome para um belo homem. — murmurou, meio que olhando para o alto.

— Ok, cala a boca e vamos sair daqui. De repente esse lugar ficou mal frequentado.

— Ui, de repente você ficou nervosinha. — Roger disse pra me provocar, mas concordou e fomos embora.

Eu não conseguia parar de pensar naqueles olhos verdes que haviam cruzado com os meus. Confesso que fiquei mexida com seu jeito cavalheiro e ainda assim meio bronco. E principalmente com sua insistência em chamar minha atenção. Por mais que ele fosse estabanado e distraído, sei que não voltaríamos a nos ver e tudo não vai passar de mais uma noite na balada.

[...]

Depois de todos os últimos acontecimentos, eu não sabia o que fazer em relação a minha vida. Meu trabalho continuava lá, graças a Deus. Sei também que posso ficar na casa do Roger o quanto eu quiser ou precisar, mas não posso depender do meu melhor amigo para sempre. Ele tem suas próprias coisas e precisa da sua privacidade, assim como eu também.

Então foi por isso que depois de pensar muito, decidi sair a procura de apartamentos por Londres. Algo que não fosse grandioso, mas que fosse confortável e aconchegante. Que eu seja capaz de decorar da minha maneira e me sentir como uma adolescente em seu quarto recém reformado.

Eu trabalho em uma revista, graças ao fato de estar cursando jornalismo. Na verdade, era um estágio, mas é bem remunerado e todos os dias, então considero como trabalho. Me ajuda no currículo e aumenta a carga horária necessária para a conclusão de curso, além de me sustentar na medida do possível, já que recebo meio que uma mesada dos meus pais para me ajudar na faculdade e outros assuntos, como alguns dos meus luxos.

Fui para o trabalho e estava realmente um inferno na parte de edição. Era uma confusão na escolha da foto pra capa e também para a escolha das frases de efeito que colocariam. E por um momento agradeci por ser apenas uma estagiária e não precisar opinar nessa parte. Minha função era mexer nas colunas da parte interna das revistas e fazer algumas edições de texto.

Julia, minha chefe, de vez em quando pede minha opinião em uma coisa ou outra, mas como não sou muito boa com esses lances de moda, na maioria das vezes fico em dúvida entre duas ou três peças. Mal de librianas, a indecisão. Então prefiro mesmo só ficar na parte dos textos e legendas para as fotos com modelos.

Tenho algumas amizades no trabalho, mas sou uma pessoa muito tímida e não costumo me abrir muito com alguém. Por isso Roger sempre é obrigado a ouvir meus problemas ou até mesmo minhas imaginações. Sempre converso com ele por mensagem ou até mesmo e-mails quando não posso pegar o celular. Mas não deixo de falar com ele, pois Roger é uma parte alegre e muito importante do meu dia.

Enquanto as horas de trabalho intermináveis passavam, eu só pensava em onde arrumaria um apartamento e como o decoraria, qual cor usaria nas paredes e que tipos de móveis deveria comprar.

Pensava também em Mateo, nas suas incansáveis ligações perdidas e em como ele deve estar se sentindo com nosso término. Eu me sentia mal co aquilo também, mas me sinto livre com minha escolha. Sinto que fiz o certo e que estava presa nessa possível decisão há algum tempo.

Precisávamos conversar sobre o apartamento e decidir se vamos vender ou até mesmo alugar e dividir o valor. Eu ainda achava que vender seria a melhor opção, já que me encontrar com ele casualmente não seria uma boa ideia. Mesmo que seja quase impossível, pelo fato de nossas famílias serem muito amigas, mas o quanto for possível, eu evitarei.

Meus devaneios foram interrompidos, quando o barulho de um trovão estrondoso lá fora assustou a todos. Sinal de chuva vindo por aí, mas ainda assim olhei para o relógio e me alegrei ao ver que faltavam apenas dois minutos para o fim do meu expediente. Já comecei a arrumar meus pertences, a dar uma leve retocada no meu batom e ajeitar o cabelo em meu espelho de bolso que carregava para todos os lugares.

O sinal imaginário tocou e eu saí em disparada pelo elevador do prédio, direto para entrada da revista. Lembro que existe um prédio residencial, entre o da revista e o de Roger, que aparenta ter os melhores preços do mercado. Então decido ir até lá e dar uma olhada.

Fui recebida por uma mulher elegante e sorridente, com cabelos lisos e castanhos na altura do ombro. Se apresentou como Helena e perguntou algumas das minhas preferências com relação ao apartamento, e então, me mostrou o que mais se encaixou com minhas respostas.

Era um apartamento compacto, mas não pequeno. A sala acoplada com a cozinha em estilo, com uma pequena área de serviço no canto e a porta do quarto ao lado, assim como a do banheiro. Havia uma porta extensa inteira de vidro que dava para uma varanda simples com vista para uma rua não muito movimentada.

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