Capítulo 06

Bernardo Fonseca

Eu não pensei que fosse tão fácil convencer Marcela Andrade há assinar um contrato. Não planejava cobrá-la com os gastos do hospital particular, pagaria sem problema algum, afinal, um dos meus funcionários deixou-a machucada. Ela nem sequer agradeceu e ainda me agrediu. O contrato foi feito às pressas e entregue pra mim no hospital. Usá-la como uma das minhas modelos plus size foi a desculpa perfeita para meus planos reais. Queria estar na sua frente quando ela recebesse a cópia do contrato, mas isso não era possível e muito menos sensato da minha parte.

Ser pobre não deveria ser tão ruim assim, ela tinha um trabalho e pelo seu tamanho, com certeza, comia bem e muito. Nunca gostei de mulher acima do peso, elas dão gastos de mais. Vê-la sem seu uniforme habitual seria um tanto cômico, as modelos plus size eram lindas apesar do peso, e o seu caso era diferente porque ela era uma sem graça.

Foi perda de tempo tentar convencê-la a denunciar Anselmo pelo que ele fez, por alguma razão desconhecida ela não quis. Caralho! Que mulher teimosa da porra! Fiquei bem irritado e acabamos discutindo, só paramos quando fomos interrompidos pela enfermeira. Não foi bacana o que a gorda fez, talvez quisesse me irritar propositalmente, a enfermeira pensou que eu tinha causado tudo aquilo, entretanto, não era verdade, a culpa não era minha. Após o médico adentrar o leito estávamos todos ainda com a tensão do ocorrido minutos antes. Ele a examinou e receitou alguns medicamentos e disse que ela precisava repousar no mínimo por sete dias porque não foi apenas seu rosto que ficou machucado, ela também machucou um pouco os quadris. Dá pra acreditar? A gordura não amorteceu a queda dela! Sabe o que ela fez? Começou a discutir com o doutor porque não queria ficar sem trabalhar.

Confesso que pensei em prendê-la em uma camisa de força e jogá-la em uma casa de repouso, mas por sorte, no final de tudo ela cedeu ficar de repouso. O tempo que me ausentei trouxe-me grandes surpresas. Eu não conhecia nada daquela mulher que antes achei que fosse somente uma submissa sem cérebro, no entanto, para minha surpresa ela tinha personalidade e deixou claro que não toleraria falta de respeito. A coitadinha acreditava que poderia me enfrentar sempre que quisesse, ela estava bem enganada, Bernardo Fonseca era predador e não presa.

Quando cheguei em casa não encontrei Caleb, estranhei porque eram quase dez da noite. Troquei de roupa depois de tomar um banho bem merecido. Resolvi não esperar pelo meu irmão, ele era adulto, mas, mesmo assim, me preocupava porque ele era só um garoto, talvez nunca deixasse de enxergá-lo desse jeito.

Adentrei à cozinha faminto, caminhei em direção à geladeira. Eram quase oito anos que a nossa cozinheira era a mesma. Ela era a melhor de todas, por essa razão sempre deixamos ela sair mais cedo. Tudo que ela preparava era uma delícia e conhecia bem nossos gostos. Coloquei no micro-ondas o que encontrei dentro da geladeira. Após jantar sozinho, resolvi sair para caminhar ao redor da casa. Eu levava quase meia hora para dar a volta completa. Desde muito cedo gostei de me exercitar, tínhamos nossa própria academia, mas o único que realmente usava era eu porque meu irmão nunca gostou de exercícios.

Depois de caminhar até cansar, adentrei indo para meu quarto. Sem dúvidas precisava tirar o cheiro de suor do meu corpo. Então, tomei uma ducha rápida e escovei os dentes, em seguida me joguei na cama. Costumava dormir sem roupas em dias calorentos. Liguei o ar-condicionado e deixei o sono chegar.

No dia seguinte depois de dormir bastante e ter feito minha higiene matinal, resolvi sair do quarto para tomar o café da manhã. Escolhi um moletom flanelado, o blusão de mangas longas com capuz fechado e bolsos frontais de cor preta, combinou perfeitamente com minha calça jeans da mesma cor.

— Onde passou a noite? — questionei, adentrando à cozinha. Caleb assustou-se e cuspiu o suco que tomava.

— Desde quando preciso te dar satisfações, papai? — ironizou. Aproximei-me dele e lhe dei um peteleco.

— Me respeita, garoto! — disse puxando uma das cadeiras vazias e sentei.

— Já posso te devolver para Portugal? — brincou, arqueando as sobrancelhas.

— Quem seria você, sem seu irmão mais velho? Nada! Sabe por quê? Porque tô sempre cuidando de você!

— Não vai trabalhar hoje? — perguntou, mudando o rumo da conversa.

— Vou visitar nossa mãe. — respondi, colocando o café preto na minha xícara. — Estou com saudades dela.

— Bernardo, por que insiste? Ela não se importa conosco! — senti rancor em suas palavras.

Meu irmão deixou de visitar a nossa mãe quando tinha vinte e três anos. Queria tanto que ele fosse vê-la junto comigo, mas toda vez que tocava no assunto acabávamos brigando, por isso nunca mais convidei-o.

— Ela está doente, Caleb. — falei, pegando uma fatia de pão. — Mesmo que ela não valorize nossa presença, deveríamos sempre vê-la juntos. Não estou dizendo pra você ir junto comigo hoje. Não me olhe assim, jamais irei obrigá-lo!

— Tanto faz! — disse ele, de um jeito rude e continuou. — Não tenho mãe, ela morreu junto com o nosso pai!

Sempre ficava triste ao vê-lo falando daquele jeito. Ele simplesmente levantou-se e saiu da cozinha sem sequer terminar seu café da manhã. Meu amor pela nossa mãe superava qualquer barreira que pudesse existir entre nós.

Após tomar o café da manhã sozinho fui em direção a garagem e peguei um dos carros. Tínhamos onze carros e uma motocicleta que comprei há quatro anos, costumava usá-la de vez em quando. Liguei o som do carro e tentei afastar dos meus pensamentos qualquer negatividade. Sabia que não seria um encontro fácil porque nossos encontros eram sempre desgastantes.

Depois de alguns minutos estacionei em uma das vagas e adentrei a clínica onde ela estava internada. Cumprimentei algumas pessoas durante o trajeto até enfim ter minha liberação para visitá-la.

— Pode entrar senhor Fonseca. — disse a enfermeira abrindo a porta do quarto dela.

Minha mãe estava em pé olhando pela janela do quarto, não percebeu minha presença enquanto me aproximava dela.

— Mãe! — chamei sua atenção. Ela me olhou de um jeito vazio, era como se ela não estivesse ali. Aqueles olhos em um tom azul-escuro eram tão profundos, ela continuava bela, mesmo com os seus cinquenta e nove anos. Seus cabelos loiros acima dos ombros misturavam-se aos fios grisalhos, dando um charme e tanto, embora ela não soubesse algumas vezes quem um dia foi, ainda tinha sua postura ereta de mulher de classe.

— Trouxe meus remédios? — questionou, às vezes ela me confundia com um dos enfermeiros.

— Sou eu, mãe, seu filho, Bernardo. — afirmei, segurando sua mão delicada.

— Filho? Eu tenho um filho? — indagou, parecendo confusa.

— Tem dois garotões agora, não somos mais criança. — disse um pouco emocionado. Senti tantas saudades dela, mas pelo visto ela continuava do mesmo jeito.

— E meu marido, onde está? — perguntou, parecendo procurá-lo pelo quarto.

— Está no trabalho. — respondi, com um nó na garganta. Sempre que ela não recordava do passado, costumava mentir. Não queria que ela forçasse a se lembrar do que havia acontecido na nossa família. Quando ela lembrava do assassinato surtava e falava que não acreditava que um dos sócios do meu pai estivesse envolvido.

— Eu tenho dois filhos e um marido, estou tão feliz. — falou sorrindo e me abraçando em seguida. — Meu garotinho, como você cresceu...

Como era bom estar nos braços dela outra vez. Apeguei-me na esperança dela lembrar ao menos por um minuto quem eu realmente era.

— Eu te amo, mãe! — afirmei, apertando forte seu corpo franzino.

Ela e o meu irmão eram tudo que eu mais amava no mundo inteiro. O resto da nossa família distanciou-se de nós e também não fazia questão alguma em manter contato com eles. Mas não conseguia esquecer que por minha culpa, mudei para sempre o destino de duas pessoas, parecia injusto minha alegria, sabendo do que eu tinha feito e o quão monstro havia sido.

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