Capítulo 04

Bernardo Fonseca

Por que escolhi subir pelo elevador de serviço? Porque eu não queria ser incomodado por ninguém! Quando vi o elevador de serviço disponível apressei os passos e adentrei. Era pra ser um trajeto rápido, no entanto, não foi, e a companhia também não era das melhores. Marcela Andrade escolheu o pior momento para me enfrentar. Eu não esperava qualquer discussão com aquela mulher, mas ela me fez perder a razão.

Ela era alguém que costumava aborrecer propositalmente pra passar o tempo, porque nem todos os dias conseguia tempo para transar no escritório por exemplo, então a gorda me divertia. O incidente no elevador era algo que não esqueceria tão cedo. Chorei na frente daquela mulher e ela achou que fosse de raiva, mas não era, nem eu mesmo sei porque fiquei daquele jeito. Não queria qualquer boato sobre o que tinha acontecido naquele elevador, entretanto, tinha uma plateia e tanto nos esperando do lado de fora.

A fofoca do acontecido não demorou chegar nos ouvidos do meu irmão. Caleb adentrou meu escritório visivelmente alterado.

— Porra! Que história é essa que tu e a moça da copa estavam fodendo no elevador? Foi pra isso que quis vir trabalhar hoje?

Caleb era Maria vai com as outras, qualquer conversinha ele acreditava ser verdade.

— Fodendo, Marcela Andrade? — questionei rindo. — Sério que você acreditou nesse absurdo?

— Não mente pra mim, Bernardo! Eu te conheço muito bem para saber que é capaz disso. Você nunca dispensou as rapidinhas no horário de trabalho!

— Cabeção, eu sempre gostei de mulher gostosa, não de botijão! — disse lhe dando um peteleco. — Não acredite em tudo que ouve, seu idiota!

— Mas todos estão comentando...

— Sossega irmãozinho que a gorda e eu não fizemos nada.

— Para de chamar a moça de gorda. — revirei os olhos.

O defeito incurável do meu irmão era defender todos. Quem ele achava que era? Um justiceiro?

— Por quê? Tá pensando em comer a peso-pesado é? Cuidado, hein! Ela vai te quebrar no meio, seu magricela! — debochei

— Já vi que você nunca vai amadurecer. — disse ele, negando com a cabeça.

— Dá logo o fora daqui porque preciso trabalhar, Maria vai com as outras.

— Beleza! — bufou bravo.

Caleb conseguia trazer um pouco daquele Bernardo do passado de volta, um alguém cheio de vida que adorava zombar do seu irmãozinho caçula.

Tinha tanta papelada precisando ser revisada e assinada sobre a minha escrivaninha. Eu não tinha ninguém para me ajudar, todas as secretarias que contratei eram incompetentes por isso não permaneceram no cargo.

Caminhei em direção à escrivaninha, sentando em seguida na poltrona de couro de cor preta. Iniciei o trabalho lendo e relendo alguns documentos e assinando outros. O tempo parecia não passar nunca, acabei desistindo.

— Amanhã termino. — murmurei, me espreguiçando na poltrona.

Olhei para meu relógio de pulso, os ponteiros marcavam quatro da tarde, normalmente o fim do expediente era às cinco, nunca gostei de prolongar o tempo trabalhando. Não vi razão alguma de continuar preso naquele escritório. Puxei minha gravata e enfiei ela no bolso da calça. Levantei da poltrona indo em direção à saída.

Todos que me viram no trajeto até o elevador cumprimentaram-me formalmente. O edifício era de dez andares, meu escritório era no último andar, vizinho ao de Caleb. Certinho como ele sempre foi, com certeza, não iria embora junto comigo, por isso nem me dei o trabalho de passar na sua sala.

Adentrei o elevador de executivo porque não cometeria o erro de voltar a entrar no de serviço outra vez. Foi bem tranquila a descida, ignorei qualquer pessoa que tentou puxar conversa. Não éramos uma daquelas empresas com frescura, meus funcionários tinham total liberdade de pegar qualquer elevador que quisessem, no entanto, separava os de menos importância de nos, para isso disponibilizei o elevador de serviço para eles.

Assim que saí do elevador ouvi muita gritaria. Onde eles pensavam que estavam? Na casa deles? Caminhei até eles decidido a pôr fim naquela agitação. Mal sabia eu que a coisa era séria.

— O que aconteceu? — perguntei, passando pelo meio das pessoas aglomeradas perto da porta de saída principal.

— Senhor Fonseca, Anselmo Santos desrespeitou uma das funcionárias da copa, ela para se defender o empurrou e o pior aconteceu.

Anselmo era do setor financeiro, nunca antes havia feito algo sequer semelhante. Era Marcela Andrade desacordada no chão e o seu rosto estava bem machucado, com certeza, o infeliz espancou ela.

— Alguém já chamou ajuda? Onde está o infeliz que fez isso com ela?

A justiça brasileira sempre foi falha, mas nesse caso sem dúvidas faria de tudo para ele pagar pelo que fez.

— Ele saiu senhor, chamamos ajuda médica. — um dos funcionários respondeu. Me questionei onde estavam os seguranças para impedir uma barbaridade daquelas. Não trabalhavam de graça e deveriam ter impedido que aquela agressão acontecesse.

— Caso ele coloque os pés aqui dentro de novo, chamem a polícia!

Toda aquela situação me fez ter uma lembrança de quando era adolescente...

Eu tinha quinze anos e estava na diretoria por brigar em sala de aula com uma das alunas. Seu nome era Bianca, um ano mais nova que eu, ela era o diabo disfarçado de anjo, ela havia pela quarta vez colado as páginas do meu caderno com cola. Surtei indo pra cima dela, completamente cego de ódio, derrubei sua cadeira e a empurrei fazendo ela cair de bunda no chão.

Normalmente chamam os pais em casos assim, mas eu era a exceção porque fazia quase dois anos que tinham assassinado meu pai. Minha mãe mal cuidava dela mesma e vivia dopada de remédios. O responsável pela educação do meu irmão e de mim era o nosso avô paterno, pelo menos era assim que ele pensava. A verdade era que Caleb repetia quase tudo de errado que eu costumava fazer, nunca quis ser um exemplo ruim para meu irmão, mas ele era um garoto bobo que repetia tudo que fazia. Nosso avô achava que nos educava, porém, o verdadeiro aprendizado do certo e errado dependia das minhas escolhas e foi assim durante muito tempo.

— Em mulher não se bate, Bernardo. — disse ele, antes mesmo de atravessar à porta. Meu avô tinha seus cinquenta e sete anos e ainda era bem apresentável, um senhor estiloso e bem sério.

— Vovô, ela colou as páginas do meu caderno, precisei me defender! Empurrei ela de leve, ela caiu no chão sozinha!

Ele não engoliu minha explicação e passei uma semana inteira de castigo além de ter levado uma surra, supostamente para virar homem, assim disse meu avô enquanto me espancava sem dó.

Desde aquela época nunca mais toquei em uma mulher se não fosse para lhe dar prazer. Não demorou muito para a ajuda chegar e socorrer Marcela Andrade que continua desmaiada no chão. Senti pena dela por isso resolvi ir junto com ela para o hospital. Queria ter certeza que ela não tinha quebrado nenhum um osso, portanto, não hesitei em acompanhá-la. Ela ficaria bem, certo? Ela era gorda, com certeza, toda aquela gordura tivesse amortecido a queda.

Dentro da ambulância ela tocou meu joelho, pensei que talvez pudesse estar acordando, no entanto, foi apenas um reflexo do seu corpo. Minha volta sem dúvidas ficou marcada, e não do jeito que pensei que aconteceria.

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