Capítulo 03

Marcela Andrade

Eu sabia que a partir do momento que Bernardo Fonseca chegasse minha tormenta começaria. Quais as chances de dividirmos o mesmo elevador? Era impossível, certo? Afinal, usava o elevador de serviço! Como de costume peguei o elevador para iniciar a limpeza no quinto andar naquela manhã, então o vi no seu terno azul-marinho e com uma barba enorme que combinou perfeitamente na simetria de seu rosto. Beleza era algo que nunca lhe faltou, não era à toa sua fama de mulherengo, ele realmente era um homão da porra. Entrei em desespero ao perceber que ele estava vindo na minha direção. Esbugalhei os olhos, apertando diversos botões diferentes para que as portas do elevador fechassem rapidamente, no entanto, isso não aconteceu.

— Merda... — resmunguei baixinho, soltando as mãos do carrinho de limpeza.

Ele adentrou o elevador e só então as portas fecharam. Meus batimentos cardíacos ficaram intensos. Era difícil ignorar a presença dele ao meu lado, não conseguia mover um músculo sequer.

Seu cheiro me trouxe recordações...

Cuidava da limpeza do banheiro do escritório de Bernardo Fonseca enquanto ouvia música no fone de ouvido. Ouvir música aliviava o estresse que sentia todos os dias, porém, um barulho de algo caindo acabou me assustando. Tirei os fones de ouvido e coloquei minha orelha detrás da porta do banheiro.

— Vou te fazer chorar no meu cacete, sua puta safada!

A curiosidade me fez abrir uma brecha na porta. Uma mulher que nunca vi antes estava de bruços sobre a escrivaninha. Não conseguia ver seu rosto, apenas partes do seu corpo seminu.

— Minha nossa! — sussurrei, tampando minha boca com uma das mãos.

Fiquei surpresa com a ousadia dele de trazer uma mulher que possivelmente era uma prostituta para dentro da empresa. Os boatos eram verdadeiros, ele costumava realmente trazer mulheres para foder no seu escritório.

Senti minhas bochechas queimarem com tal lembrança. Naquele dia tranquei-me no banheiro enquanto ouvia toda aquela sacanagem próxima de mim. Foram quase duas horas, presa dentro do banheiro. O homem era um selvagem, ouvi tanto aquela mulher reclamar de dor nas suas partes íntimas.

Meus olhos curiosos me fez fitar o meio de suas pernas.

— Perdeu alguma coisa? — perguntou com sua voz grossa. Ele sequer virou o rosto, continuou na sua pose de superior. Que homem era aquele? Olhos de águia? Pensei ter sido discreta!

— Desculpe, pensei ter visto algo. — respondi sem graça, passando a língua pelos lábios para lubrificar. Questionei-me a razão dele subir pelo elevador de serviço. Ele talvez quisesse zombar de mim durante o trajeto. Esfreguei minhas mãos no uniforme porque estavam suando muito. Meu uniforme consistia em uma camisa de mangas curtas e uma calça folgada nas pernas, costumava usar um tênis em vez de uma sapatilha.

— Com certeza, não viu. — murmurou, sorrindo.

Inclinei-me para trás com sua reação inesperada. Desde quando ele sorria pra mim? Talvez não tivesse me reconhecido, claro!

O elevador parou repentinamente e as luzes começaram a piscar. Encostei minhas costas no fundo do elevador e ele olhou diretamente para mim, como se quisesse dizer que a culpa era minha.

— Não tenho culpa, senhor Fonseca. — mostrei a palma das minhas mãos e continuei. — Isso nunca aconteceu antes! Juro!

Fitei o chão envergonhada, com certeza, ele colocaria a culpa no meu peso de ter quebrado o elevador. Paranoía minha? Não, não era! Ele era um monstro cruel que não perdia a oportunidade de me humilhar somente para se divertir.

— Você tem um telefone? — indagou. Toda sua atenção parecia estar em mim. Engoli em seco.

— T-telefone? — gaguejei, cruzando os braços em forma de defesa. O que ele queria com aquela pergunta? 

— Esqueci o meu em casa! — respondeu, aproximando-se de mim. Sua apróximação deixou-me apavorada, talvez ele fosse me agredir fisicamente, coisa que nunca tinha ocorrido antes, no entanto, sempre tem a primeira vez, pensei.

— Isso significa que vamos morrer! — gritei, correndo até à porta de saída do elevador. Se o elevador não nós matasse, ele com certeza, daria um fim na minha vida. — Socorro!

Comecei a bater com força e chutá-la. Prendi todo ar dos pulmões quando senti duas mãos grandes tocarem meus ombros. O nojento do Bernado ousou me tocar naquele instante.

— Por favor, se acalme, senhorita Andrade.

Ele parecia calmo até de mais! Ele não tinha entendido ainda que íamos morrer? Eu também não estava com meu telefone!

— Puta que pariu! A gente vai morrer juntos! Entendeu? O senhor e eu, juntos! — meu desespero era tanto que virei de frente para ele e o empurrei. O que foi? Ele tinha que se tocar da gravidade do nosso problema!

— Se acalma, sua gorda maluca! — berrou, bagunçando seus cabelos. — Caralho!

— Vai se foder! Te odeio, miserável! — disse, por fim, cuspindo no chão.

Talvez fosse loucura falar o que falei, entretanto, não levaria para o túmulo tudo que engoli durante tanto tempo. Para minha surpresa Bernardo Fonseca virou-se de costas e começou a chorar, com certeza, era fingimento. Peguei a vassoura do carrinho de limpeza e resolvi cutucar suas costas.

— Para de fingir, seu merda! — cutuquei mais forte suas costas com o pau da vassoura. Então ele virou e minhas pernas ficaram bambas, seus olhos estavam avermelhados e lacrimejando.

— Cala essa boca, caralho! — com o susto recuei para o canto do elevador, deixando a vassoura cair no chão.

— D-desculpe, n-não queria fazer o senhor chorar de raiva. — disse gaguejando. Senti-me envergonhada. Sua raiva por mim era tanta que estava chorando de ódio.

— Apenas, fique, quieta... — rosnou, afrouxando o nó de sua gravata.

Optei pelo silêncio, evitando qualquer contato visual. Quando o elevador deu um solavanco corri na sua direção e apertei fortemente seu braço direito.

— Vamos morrer! — fiquei apavorada, fechando os olhos com força. — Senhor Fonseca, faz alguma coisa! Sou nova demais pra morrer assim! Não queria passar meus últimos momentos com o senhor, preferia estar em uma praia cercada de serpentes do que estar nesta situação...

Cada novo solavanco mais presa ao seu braço eu ficava. Era loucura, certo? Nós dois presos em um ambiente pequeno, parecia até uma comédia de muito mau gosto!

Não sei quanto tempo ficamos juntos em silêncio até alguém aparecer para nós resgatar daquela enrascada. No momento que as portas do elevador abriram tinha uma plateia e tanto do lado de fora. Meu coração disparou quando me dei conta de que ainda estava agarrada no braço do presidente da empresa.

Minhas pernas fraquejaram, nem sei bem como consegui sair de lá. Senti tanta vergonha com toda aquela situação. Cheguei na copa tão nervosa que não conseguia falar nada. Depois de tudo que falei para Bernardo Fonseca, ele com certeza, me colocaria no olho da rua. E eu sem dúvidas passaria fome até conseguir outro emprego.

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