Cinco

Vamos diretamente para a garagem. Quando Brandon assume a direção do carro, eu paro.

— Da última vez que você esteve em um carro, eu quase fui atropelada.

Ele abre a porta do carona e se estica para me encarar.

— Prometo que sou bom motorista e não irei atropelar ninguém. Entra, vai.

Entro no carro e coloco o cinto. Brandon dá a partida e logo estamos na estrada.

Já tinham uns minutos que estávamos a caminho da tal faculdade e o único som que havia no carro, era do rádio bem baixo. 

— Fui dormir pensando na conversa que tivemos. — diz. — E sério, desculpa. 

— Brandon...

— Me deixa falar. Eu preciso. — aceno com a cabeça. — Pode parecer vazio, mas juro que estou sendo o mais sincero possível. Quando eu quase atropelei você, estava irritado com meu pai e sai furioso de casa. Eu saí, xingando a ele e todos os seres vivos. Saí dizendo que ele não era meu pai e não podia m****r em mim. — o carro para em um sinal vermelho e ele me encara. — Meu pai biológico abandonou minha mãe quando ela descobriu estar grávida. E ela tinha acabado de ser aceita no hospital dos sonhos, para trabalhar como enfermeira, e aquele babaca a abandonou. Sozinha. Ela conheceu Mark no hospital, quando estava com uns seis meses. Ele havia dado um mal jeito na perna e ela quem ajudou o médico a cuidar dele. — Brandon sorri de lado, antes de dar partida no carro. — Meu pai conta que se apaixonou por ela na hora. Que aquele olhar preocupado e amoroso que só mamãe tem, foi o que fez ele se apaixonar. Aquele cara, que eu gritei não ser meu pai, implorou a minha mãe que o deixasse fazê-la feliz. Prometeu que ela e eu teríamos de tudo e que nunca nos abandonaria. E tudo o que ele fez em todos esses anos, foi honrar com sua palavra. Eu sou um ingrato. E precisou vir você, que viveu toda sua vida em um orfanato sem saber dos seus pais, sem nada, pra me fazer enxergar isso. E tudo o que eu fiz com você, foi ser um babaca. Desculpa por aquilo da bebida... e... e pelo que falei depois... eu...

— Brandon, tudo bem. Confesso que fiquei chateada com o lance da bebida, mas sobre o que você falou... tudo bem. Eu não beijaria você, pelo fato dos nossos níveis serem diferentes. — solto uma risada, tentando disfarçar meu nervosismo. — Tenho total consciência que um cara como você, jamais olharia para mim. Não... desse jeito... e está tudo bem. Juro. 

— Que? Eu...

Brandon estaciona em uma garagem, que eu imagino ser da faculdade, devido a quantidade de pessoas com livros, que transitavam por ali.

— Olha. — aponto para uma loira que saia de seu carro esporte. — Olhe a roupa daquela garota. O cabelo. Aquela maquiagem impecável, mesmo que seja apenas nove da manhã. Aquela ali também. — aponto para a negra com um black platinado. — A postura. Aquele sorriso mais branco que um algodão. Todas essas meninas, são tudo o que eu nunca serei. E todas essas meninas, são do seu nível. 

Durante meu breve discurso, Brandon apenas me encara.

— Enfim, o que iremos fazer primeiro?

— Eu... eu tenho treino agora. Você quer assistir ou dar uma volta por aí?

— E eu posso?

— O que? 

— Assistir. 

Ele sorri e assente.

— Claro que sim. Vamos?

[...]

Brandon no campo, era diferente de todas as versões dele que eu tinha visto até aquele momento.

Ele era competitivo, isso era óbvio, devido a tantas faltas que fazia. Ganancioso, não sossegou enquanto não fez pelo menos três gols a favor de seu time. Mas além de tudo, ele era divertido. Em duas horas de treino, eu vi tantos sorrisos, risadas. Em algum momento sua gargalhada foi tão calorosa, que eu consegui ouvir do alto da arquibancada. 

Depois do treino, estávamos famintos. Brandon tomou um banho, trocou de roupa e fomos para a cantina. Eu era uma novidade no meio dos amigos de time. Segundo Brandon, eu era uma prima e eles estavam proibidos de chegar perto de mim.

Brandon compra uns cachorros quentes e todos vamos para a mesa do time. 

— Quando Julian veio pra cima de mim, querer roubar a bola, eu corri mais rápido que o flash. Vocês viram?

Enquanto eles comentavam sobre os acontecidos do treino, me sento na ponta da mesa e fico observando aquele pessoal todo. 

Em todo meu tempo no orfanato, sempre tive os mesmos amigos. Estudávamos na escola pública do bairro, onde ninguém gostava de falar com os órfãos. Esse era um dos motivos, pelo qual eu era boa aluna. A única pessoa com quem eu conversava pelos cotovelos, era Tori, e ela era de outra turma. Então por não ter o que me distraia nas aulas, sempre fui a melhor. Kieran era o único que falava com outras pessoas, pois ninguém sabia de onde ele era. Nossas únicas interações eram em casa e longe de todo mundo.  

Bem distante da mesa em que estávamos, estava um garoto com a cara enterrada nos livros. Eu já tinha reparado, que a cada risada alta que os meninos davam, ele erguia a cabeça com raiva e encarava a mesa. Ele era tão bonito. O cabelo loiro estava amarrado em um coque, com alguns fios rebeldes se soltando. Se meus olhos não estavam falhando, por trás daqueles óculos quadrados, tinha um belo par de olhos verdes. 

Assim que Brandon gargalhou avidamente, o garoto lançou mais um de seus olhares furiosos na nossa direção, mas dessa vez, nossos olhares se encontraram. O olhar que antes parecia querer fuzilar a todos, estava agora brilhante. Como se tivesse surpreso.

— Ei! — uma bola de papel, é jogada em mim — Lacey, desperta.

Balanço minha cabeça e encaro Brandon. 

— O que?

Ele me observa com os olhos semicerrados, e logo olha na direção que antes eu encarava. 

— O sinal tocou. — diz, se levantamos. — Tenho aula agora. Vem comigo.

— Vou assistir uma aula? Isso não deveria ser proibido?

— E é.

Depois de jogar o lixo na lixeira, Brandon passa o braço pelo meu ombro e me puxa na direção da saída, mas não sem virar e também fuzilar o loiro misterioso. 

— Brandon, eu posso...

— Tom.

— Que? — questiono, o encarando.

— Thomas. É o nome do loiro que você estava encarando. 

— Oh, eu não estava...

— Estava sim. — ele diz, rindo. — Aquele cara me odeia. Bem, ele odeia qualquer pessoa que não seja nerd.

— Aquele cara não é nerd. Definitivamente.

— Ele só tira dez. A pior nota dele, foi nove ponto nove. Ele é um nerd. 

Brandon falava, mas eu não conseguia acreditar naquilo. Nerd e aquele cara, não combinavam na mesma frase.

Entramos em uma enorme sala e nos sentamos nas últimas fileiras. 

— Uma pequena regra, não fale. — Brandon diz. — O professor nunca fala diretamente com alunos, a não ser quando faz perguntas. Sendo assim, ele não costuma saber o nome dos alunos. Entendidos?

— Sim.

Não demora para que um baixinho de meia idade, entre na sala. Ele vai diretamente para a mesa, onde larga sua pasta e abre um notebook. 

— Vamos continuar de onde paramos ontem a noite. — diz. — Sabemos que a segunda guerra mundial, não começou do nada. Então, quem sabe me dizer as causas? Hm?

A sala toda era como um campo cheio de grilos. O professor caminha de um lado para o outro e então solta uma risada. 

— Tento imaginar o que de útil vocês fazem, quando estão em casa. Porque é IMPOSSÍVEL que ninguém saiba a causa. Impo...

— A principal causa que originou a Segunda Guerra Mundial, foi a ideia de Hitler de expandir os domínios territoriais da Alemanha e ampliar, a obtenção de poder e recursos materiais. Principalmente matérias-primas.

Quando eu termino de falar, Brandon está me encarando como quem diz "eu não mandei você ficar quieta?". Além dele, toda sala e o professor, está me olhando.

— Eu posso não saber o nome de cada aluno, mas eu tenho certeza que você não pertence a esse lugar. Quem é você?

Olho para Brandon completamente perdida. Só tinha uma regra e eu a quebrei. 

— Eu... é que...

— Levanta.

— Que?

— Vai!

Logo que levanto, só consigo sentir a mão de Brandon na minha, antes de ser puxada para longe dos gritos daquele professor.

— Para onde estamos indo? — pergunto, enquanto corremos naqueles corredores vazios. 

Ele sorri e pousa o dedo indicador nos lábios, pedindo que eu fique quieta. Enquanto corre, seu cabelo esvoaça pelo seu rosto, bem cena de filme. 

No final de tanta correria, terminamos sentados na arquibancada, rindo de doer a barriga, enquanto as líderes de torcida ensaiavam no campo.

— Ah, Lacey... — Brandon murmura, quando a risada cessa. — Faz tanto tempo que eu não me divirto como hoje. Com você, com o time... o time que eu irei perder, daqui a pouco.

— Perder? Por quê?

— Eu vou de mal a pior, em todas as matérias. O diretor me chamou em sua sala ontem, um pouco antes de eu entregar a redação na aula. Ele disse que se minhas notas não melhorarem, além de eu reprovar, vão me tirar do time bem antes da final.

— E quando será?

— O que? — ele me olha.

— As provas finais. — digo. — Pelo que sei, é seu último ano. Falta pouco para que você se forme. 

— Ah, sim. Fim do mês. 

— Isso quer dizer que temos um mês, para transformar você em um nerd. — digo, me levantando. 

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