9 - AMÉLIA

- Mãe... está acordada? - a voz de Mason vinha do corredor. Amélia vestiu-se rapidamente e atendeu a porta. Seu filho estava com o cabelo bagunçado, usava uma regata branca e uma calça de moletom cinza.

- Tudo bem? - perguntou ela ao filho.

Ela percebeu que ele hesitou, mas enfim falou com a voz rouca.

- Não consegui dormir.

- Teve um pesadelo?

Mason assentiu com um gesto de cabeça.

- Quer dormir aqui? - perguntou ela.

- Se eu não for incomodar. - Ele entrou e se sentou na beira da cama. Amélia se sentou do seu lado e pegou na sua mão.

- Se importa se eu ver? - perguntou ela. Ele balançou a cabeça. Amélia se concentrou e entrou na cabeça do seu filho, sondando, vendo o que ele sonhara que o deixara tão abalado.

O que Amélia viu a fez chorar. Era uma falsa lembrança. Mason havia sonhado com seu pai. Mas o que havia acontecido no sonho, por mais que havia acontecido na realidade também, não teria como Mason saber dos detalhes, logo que ele não havia visto aquela cena. Sua mente forjou a cena dos acontecimentos que ele ouviu de sua mãe quando tinha quinze anos.

Amélia ouvia os choros das crianças, elas estavam desesperadas. As dezoito meninas que estavam na Igreja logo parariam de chorar. Amélia sabia o que aconteceria a seguir, só que ela não queria ver, aquilo seria macabro demais para ela ter que reviver. Uma vez já bastava. Ela também não tinha visto aquela cena pessoalmente, mas sabia o que havia acontecido. O que causou a morte de Michael.

Uma das meninas chamou por sua mãe, mas elas estavam sozinhas, a não ser por Michael, marido de Amélia.

Ele pegou a menina no colo tentando confortá-la, adiantou apenas no início, mas então quem começou a chorar foi o próprio Michael. Ele não queria fazer aquilo. Ele preferia morrer a fazer aquilo. Mas para salvá-las, ele tinha que fazer o que era preciso.

Quando o caos começou, Amélia foi jogada para fora da cabeça de Mason com brutalidade, como se alguém a arrancasse de lá a força. Aquilo, tecnicamente, não era uma lembrança pois Mason não estivera lá naquele dia. Mas quando sua mãe contara a ele sobre o dia em que seu pai morrera, a mente de Mason forjou uma imagem da cena e começou a atormentá-lo.

Amélia caiu no chão do quarto. Sua cabeça latejava forte e ela sentia como se estivesse prestes a desmaiar. Mason ajudou a mãe a se levantar e sentar na cama.

- Agora eu entendo por que você não conseguia dormir - falou ela.

- Sonhar com o papai foi bom, eu havia esquecido de como era o rosto dele. - Mason abaixou a cabeça, constrangido.

Sua mãe sorriu. O que ela vira fora horrível. Mas o fato de Mason sentir saudades de alguém que mal conhecia a deixava com pesar no coração. Michael morreu quando Mason tinha dois anos de idade e eles não tinham muitas fotos para se lembrar de como o pai era. Jason era diferente. Desde a morte de seu pai ele nunca mais tocou no nome dele, não fazia perguntas, não chorava igual a Mason no dia dos Pais, nem olhava as únicas fotos que Amélia tinha dele. Jason agia como se nunca tivesse tido um pai.

- O que mais me assusta são os gritos - disse Mason trazendo sua mãe de volta a realidade, arrancando-a de seus pensamentos. - Eu nunca vejo as crianças, só ouço suas vozes, o choro... o de papai também.

- Eu sei. Foi difícil para todos nós.

- Mas você superou. Teve seu luto, mas depois voltou ao normal. Como fez isso?

- Eu tinha dois filhos para cuidar. Eu tinha duas escolhas: me afundar na tristeza e acabar perdendo tudo, ou cuidar dos meus meninos e ajudá-los a seguir em frente como eu segui. Felizmente eu escolhi o certo.

Mason sorriu. Ele amava conversar com a mãe, mesmo sendo telepata ela não ficava vasculhando sua mente procurando a verdade quando sabia que ele estava mentindo (como na vez em que ele disse que ia dormir na casa de um amigo e no final foi para uma festa, a mesma que sua mãe tinha sido convidada. Ele pensara em ir embora e voltar para a casa do amigo, mas acabou sendo pego. No final, os dois ficaram na festa, mas Mason ficou duas semanas de castigo).

Quando os três acordaram pela manhã estavam mais descansados, mesmo só tendo dormido cinco horas. Mason continuava reclamando, irritando seu irmão a cada comentário que fazia sobre o tempo ou sobre tudo que eles estavam perdendo na Academia. Jason revirava os olhos ou apenas fingia que seu irmão não existia. Dessa vez foi Jason quem dirigiu, deixando a mãe descansar no banco de trás enquanto ele tinha que aturar seu irmão sentado ao seu lado.

Quando eles estavam quase chegando na casa dos avós, já era meia noite passada. Mason acordou sua mãe, que dormira a maior parte do caminho para não ter que ouvir os filhos se insultando durante toda a viagem.

Sim, o trajeto da Geórgia até Sacramento levava cerca de quarenta horas de carro. Dois dias de viagem apenas para ver Miranda e Dominic.

Jason guardou todos os palavrões para si mesmo.

Amélia se espreguiçou no banco de trás e se sentou ereta olhando o portão de ferro que dava para a mansão dos Collins. O portão tinha um grande C entalhado no centro, o tempo o deixara enferrujado, mas ele ainda estava inteiro, e ficaria assim por mais algumas décadas. Como ele era antigo tinha que ser aberto do modo antigo também, ou seja, Mason teve que sair do carro para abrir o portão com suas próprias mãos, o que não deu muito trabalho.

Assim que entraram eles conseguiram sentir a força que emanava do lugar. A casa ou a propriedade não tinha nada de místico, mas depois de todas os Collins que já morara ali, o lugar começou a emanar o poder de seus mortos.

Amélia sorriu, ela sentia falta daquele lugar como alguém sente saudade de um parente. Seus pais moravam ali desde sempre. Eles viviam viajando, mas nunca pensaram em se mudar. A casa era grande e espaçosa, havia um quarto para cada membro da família e outros para visitas, uma biblioteca cheia de livros antigos, vários quadros retratando sua família, candelabros valiosos passados de geração para geração e muitas outras coisas que poderiam não ser valiosas em dinheiro, mas valia muito para sua família.

- Eles estão em casa? - perguntou Jason para a mãe, ainda ignorando seu irmão.

- Devem estar. Eu falei com eles na semana passada, eles não disseram se iriam sair ou não. Mas mesmo se eles não estiverem em casa, eu tenho a chave e podemos esperar por eles.

Eles saíram do carro. Mason olhava para casa em silêncio, fazia muito tempo que eles não voltavam ali. A casa continuava igual, os jardins em volta, as arvores que rodeavam toda a propriedade deixando-a invisível para as pessoas da cidade. A casa era de sua família a gerações, Mason gostava de pensar que seus filhos e netos também teriam a oportunidade de conhecer aquele lugar. Era muito bonito. E assustador.

Mason seguiu Amélia e Jason até a entrada da casa, subindo as escadas que rangiam sob o peso dos três. Amélia foi quem tocou a campainha. De início não houve resposta, a casa estava silenciosa como a noite, todas as janelas estavam fechadas, parecia até que as arvores pararam para escutar.

Amélia pegou a chave em seu bolso e abriu a porta.

O hall continuava como Amélia lembrava, ela andou pelo corredor seguida de seus filhos, quando chegaram na sala lembranças inundaram sua mente. Algumas boas, outras ruins. E umas ainda piores.

Amélia balançou a cabeça para afugentar aquelas lembranças.

Alguns pensamentos vieram até ela, mas não eram seus pensamentos, eram de Jason.

“Dois dias de viagem e eles nem estão em casa. Ótimo.”

- Eles já devem estar vindo. Vou ligar para sua avó para saber onde eles estão - disse Amélia respondendo aos pensamentos de Jason.

Já passava das duas da manhã quando Miranda e Dominic chegaram em casa. Os meninos estavam dormindo, cada um em seu quarto. Amélia esperava sentada no sofá da sala de estar.

Miranda abriu a porta chutando-a e entrou apressada com seu marido ferido. Amélia se levantou ao ver o pai naquele estado, coberto de sangue, com um furo de bala na barriga, vários arranhões no rosto e nos braços e uma perna que parecia ter sido quebrada ao meio. Horrorizada, Amélia ajudou sua mãe a deitar seu pai no sofá onde ela estivera sentada segundos antes.

- O que você está fazendo aqui? - perguntou Miranda, de forma ríspida.

- Vim fazer uma visita. Os meninos vieram comigo.

Miranda estava assustada demais para confrontar sua filha, ao invés disso ela a instruiu a ir na cozinha e buscar água quente, enquanto ela corria até o banheiro para pegar umas toalhas e a caixa de primeiros socorros.

Quando as duas mulheres voltaram para a sala Dominic parecia parado demais, seu peito quase não se mexia e ele respirava com dificuldade, seus olhos estavam fechados e ele continuava sangrando.

- Mason! - gritou Amélia fazendo seu filho acordar. Levou dois minutos para que Mason chegasse até a sala, Amélia estava chorando, com medo de perder o pai.

- O que aconteceu? - perguntou Mason embriagado pelo sono.

- Explicarei depois - gritou Miranda. Jason apareceu no alto da escada e veio correndo até o sofá onde seu avô estava deitado. Ele queria perguntar o que tinha acontecido, mas já tinha ouvido a resposta da sua avó quando seu irmão fez a mesma pergunta.

- Mason pode ajudá-lo – falou Amélia, pedindo que seu filho caçula se aproximasse.

- Não. – A voz de Dominic saiu baixa, mas autoritária.

- Pai, ele pode...

- Eu disse NÃO!

Por um segundo, todos ficaram parados e em silêncio, tentando decidir se iam ou não contra as ordens do dono da casa. Por fim, a esposa de Dominic se aproximou com a caixa de primeiros socorros.

Miranda e Amélia limparam e suturaram as feridas de Dominic, a bala foi removida da sua barriga e ele enfim não sangrava mais. Seu analgésico era uísque puro. Mesmo sendo um homem de quase setenta anos de idade, ele era forte e aguentava um pouco de dor.

Uma hora depois, Dominic já descansava em seu próprio quarto enquanto o resto da família conversava na sala.

- Será que agora você pode me contar que droga foi que aconteceu? - perguntou Amélia.

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