Capítulo 2

—Tudo acertado, amigo. Ethnee já tem uma nova acompanhante. – O conde levantou os olhos dos papéis que lia para dar atenção ao seu secretário. – Mandarei uma carruagem buscá-la amanhã.

—Perfeito. Obrigado, Jesus.

—Precisa comunicar à sua mãe...

Connor fez uma expressão hilária de desgosto e largou novamente os papéis.

—Tem razão.

—Vou m****r um criado chamá-la.

—Não precisa. Irei até lá.

—E eu, vou me esconder.

 Jesus fez o possível para esconder seu espanto diante da atitude de seu patrão, já que, como dissera à governanta, ele raramente deixava a biblioteca. Durante o dia, pelo menos.

Lorde Hallen riu e saiu para o corredor, rumo ao salão rosa, onde certamente encontraria a mãe.

A condessa de Hallen lia uma revista de moda em sua poltrona, próxima à janela, quando o filho entrou.

—Boa tarde, mãe.

—Ah, Hallen. – A revista não se mexeu um centímetro – Posso saber a que milagre devo sua visita?

Connor já estava habituado ao mau humor constante da mãe, mas esperava uma recepção melhor, já que passava tanto tempo isolado.

—Não quero atrapalhar, minha mãe. Apenas vim lhe comunicar que contratei uma nova acompanhante para Ethnee.

—Ah! – A condessa jamais conseguira, e nem pretendera, esconder o desagrado que sentia a tudo o que se referia a sua única neta. – E quem é ela?

—Ártemis Templeton.

—Eu deveria conhecê-la? – perguntou a condessa, entediada. – Deve ser muito boa, já que o fez sair de seu esconderijo pela primeira vez em dois anos!

Ah, mamãe! Se a senhora soubesse! - pensou o conde.

—Ela trabalhava para a família do barão Stratkery até há alguns meses. O barão veio ver-me, antes de se mudarem para Kent e falou muito bem dessa moça. – A mãe nada disse e ele prosseguiu – Fiquei impressionado e resolvi contratá-la.

—Que seja, então.

Connor forçou-se a ignorar o comentário e sorrir, pois Ethnee entrava na sala.

—Tio Connor! – Ela caminhou em sua direção desviando dos móveis, quase sem precisar da ajuda da austera bengala, que o tio usara quando quebrara a perna, e o abraçou pelo pescoço. – Que bom que está aqui fora! Mal pude acreditar quando Jesus me disse que estava fora da biblioteca. Senti tanto a sua falta!

—Eu sei, querida, e peço desculpas. Contratei outra pessoa para lhe fazer companhia, borboleta, o que acha?

—Não é outra velha senhora rabugenta, é? – perguntou a menina de dez anos, enquanto o tio a colocava sobre seus joelhos.

—Não, minha querida. Miss Templeton é jovem e muito alegre. Vai gostar dela.

A menina deu de ombros e sorriu.

—Se o senhor diz, tio, eu acredito. Quando ela vem?

—Amanhã mesmo. E eu tenho certeza de que você vai estar linda para recebê-la, não vai?

—Ah, não! Cócegas não! – A menina gritou em meio a risadas quando o tio começou a fazer-lhe cócegas e os dois acabaram no chão atapetado, rindo alto.

—Francamente, Hallen! – exclamou a condessa ao sair da sala.

Connor observou os movimentos delicados da sobrinha, enquanto ela sentava-se no chão e ajeitava as saias do pequeno e delicado vestido azul. Seu coração enchia-se de amor ao contemplá-la. Um amor tão profundo que ele imaginava não poder sentir por mais ninguém senão pela filha de sua querida irmã Annabel. Annabel... Um nome, uma lembrança que estava constantemente em seus pensamentos fazendo-o lembrar-se de que por culpa dele, Ethnee jamais voltaria a receber o amor e o carinho da mãe.

As lágrimas amargas do ressentimento subiram-lhe aos olhos novamente. A culpa e a razão haviam se digladiado por dias em sua mente, para que, no fim, ele compreendesse e aceitasse que fora ele, e ninguém mais, o culpado pela morte de duas das pessoas que ele mais amava. Quase inconscientemente, o conde de Hallen havia se distanciado de tudo o que lhe dava alegria. Amigos, festas, família, felicidade? Ele não se julgava mais digno de nenhuma dessas coisas. Vivia apenas para seu trabalho e apenas porque este servia a um bem maior do que ele mesmo.

Mas se quisesse ser honesto, tinha de admitir que não fora só a culpa que o fizera retrair-se. Ele podia ver em cada olhar a pena, o ressentimento...a acusação muda. Cada comentário supostamente confortador era como uma agulha entrando em seu corpo. Ele não suportaria isso! Ele daria as costas ao mundo antes que o mundo o fizesse primeiro.

Sem dizer nada, Connor levantou-se e saiu da sala, deixando Ethnee sozinha.

A carruagem atravessou os portões da mansão exatamente às oito horas.

Amie aceitou a mão que o lacaio lhe oferecia e desceu. Então, ela estacou e arregalou os olhos. Nunca, em toda a sua vida, vira mansão igual. Quatro enormes janelas em arco ladeavam a majestosa porta de carvalho. A fachada branca estava quase que totalmente tomada por trepadeiras de um verde exuberante e o átrio central dividia a casa de três andares em duas grandes alas, com janelas que brilhavam ao sol, em toda a sua extensão.

A mansão St. James Hall não era opulenta e ostensiva, como ela esperava, era... magnífica!

Um barulho de ferro contra madeira chamou-lhe a atenção e ela baixou os olhos da grandiosa fachada e viu que a porta principal se abria.

—Seja bem vinda, miss Templeton! – Uma senhora de aparência bondosa e eficiente vinha saudá-la. – Sou Hanna Fitzwaring, a governanta de St. James Hall.

—Obrigada Sra. Fitzwaring é um prazer estar aqui!

A governanta era uma mulher já idosa, mas elegante e de postura impecável. Usava uma blusa de algodão branco com vários botões que subiam até o pescoço; um laço de cetim perolado, enfeitado por um camafeu. As mangas eram compridas e bufantes até os cotovelos. Uma saia preta e reta completava o uniforme. Na cintura, tilintava um lindíssimo chatelaine de prata de onde pendia um volumoso molho de chaves, bem como vários pequenos utensílios.

—George, leve a bagagem de miss Templeton até o quarto destinado a ela, por favor. – E virando-se para Amie, completou – Venha querida, milorde a espera na biblioteca.

 Ao passar pela porta principal da mansão, Amie parou para contemplar o pé direito altíssimo do hall, de onde pendia um gigantesco lustre de cristal e o chão decorado com círculos concêntricos de mármores de Carrara e Rosso. Uma escada majestosa, também de mármore, erguia-se do piso, dividindo-se em duas, uma para cada ala da mansão. A parede ao fundo era decorada com afrescos renascentistas.

No primeiro andar, havia um corredor, à direita e um à esquerda, pelo qual a Sra. Fitzwaring a conduziu, parando em frente a uma porta dupla de carvalho entalhado. Segundos depois de desaparecer por ela, a governanta voltou e disse que Amie podia entrar. Novamente, ela parou à entrada, para admirar o aposento bem iluminado.

—Seja bem vinda, miss Templeton.

—Obrigada, milorde – disse, aproximando-se e curvando-se em uma reverência perfeita. Enquanto caminhava para perto do pequeno grupo de pessoas, Amie permitiu-se analisar seu novo patrão.

O queixo era forte e anguloso, a boca sensual, o nariz era aristocrático e os olhos grandes e castanhos, protegidos por cílios espessos. A pele estava pálida, como se não saísse ao sol há muito tempo, mas formava um contraste interessante com o cabelo negro penteado para trás.

—Miss Templeton, esta é a condessa, minha mãe.

Ele indicava uma senhora, sentada em uma das poltronas, que a cumprimentou apenas com um levantar de sobrancelhas.

—E está é Ethnee, minha sobrinha.

Amie encarou o conde, num pedido mudo, ao que ele respondeu com um aceno afirmativo de cabeça. Ela, então, ajoelhou-se na frente da menina e pegou as delicadas mãos nas suas, mas quando percebeu o olhar vago e o sorriso hesitante, quase não pôde conter uma exclamação de choque. A criança era cega! Forçando-se a falar, Amie apertou as mãos da garota e disse:

—Olá, milady. Muito prazer em conhecê-la.

—O prazer é meu, miss Templeton. Seja bem vinda à nossa casa.

—Obrigada.

Amie levantou-se e se colocou ao lado da menina.

—Miss Templeton, sua função será a de cuidar e ensinar minha sobrinha. Ela será responsabilidade sua e espero que a senhorita entenda no que isso implica.

—Perfeitamente, milorde.

—Fará suas refeições à mesa, – O conde ignorou o muxoxo de reprovação da mãe e continuou – e seus aposentos são contíguos aos de Ethnee. Terá folgas às quintas-feiras e o salário será o dobro de sua última colocação. Alguma objeção?

—De forma alguma, Vossa Graça.

—Ótimo. Qualquer coisa que precisar, basta procurar a Sra. Fitzwaring.

—Como quiser, milorde.

—Muito bem.

 A expressão severa do conde foi substituída por um sorriso de alívio e... gratidão?! Amie achou aquilo um tanto estranho. Ele deu as costas a elas, para sentar-se em sua escrivaninha e Amie percebeu que ele mantinha os cabelos escuros longos e presos por uma espécie de prendedor triangular com desenhos de um nó céltico em prata. Estranhamente fora de moda, mas combinava com ele.

— Ethnee, querida, por que você não vai mostrar a miss Templeton o quarto dela e o seu?

—Está bem, tio Connor.

 A menina deu um beijo no rosto do tio, pegou Amie pela mão e, logo em seguida, as duas sumiam pela porta da biblioteca.

—Jovem encantadora! – comentou – Será ótima companhia para Ethnee.

—Se você acha, Hallen... – A condessa conteve um bocejo e desculpou-se para sair.

Seria possível? Enquanto caminhava pelos corredores, de mãos dadas com Ethnee, Amie pensava no conde. Ele era exatamente como ela se lembrava. Forte e bonito. Tinha uma presença magnética e voz poderosa, mas mesmo assim, gentil. Desde aquela noite, tão distante no tempo, pensava nele. Em seu salvador, seu paladino vestido de preto e ligeiramente ébrio.

—É aqui, miss Templeton. Esta é a porta do meu quarto. A sua é a próxima, à esquerda, mas temos uma porta de comunicação lá dentro.

Amie estava novamente impressionada. A menina não possuía um quarto, mas sim, um luxuoso conjunto de cômodos; só o quarto de dormir era do tamanho da sala de estar da família Stratkery!

Havia uma antessala, o quarto de dormir e um quarto de vestir. Este se comunicava com o seu, onde havia também um quarto de dormir e uma antessala. Entrando por uma outra porta no quarto de vestir, Amie encontrou uma luxuosa e moderna sala de banho. Era um espaço enorme. Uma lareira de mármore tomava toda a parede lateral e, na frente desta, a enorme banheira acomodava-se majestosa, sobre seus quatro pés de bronze. Havia também sofás confortáveis e um toucador com diversos vidros e potes. O piso era do mesmo mármore branco e azul da banheira e da lareira, mas aparecia apenas onde não havia nenhum dos diversos tapetes orientais. Um grande lustre pendia do teto e uma janela em arco iluminava o cômodo durante o dia.

—Seu quarto é lindo, lady Ethnee!

—Obrigada, miss Templeton! Gosto muito dele. Vê aquela poltrona rosa perto da janela? Era ali que tio Connor se sentava para me contar histórias.

—Seu tio com certeza a ama muito!

—Sim, e eu gosto muito dele também! A senhorita vai começar as aulas hoje mesmo, miss Templeton?

 A menina parecia ignorar o fato de não enxergar, pois se movia pelo quarto com total segurança.

—Em primeiro lugar, esqueça isso de senhorita. Chame-me de Amie.

— Este é seu primeiro nome? – questionou.

—Não, meu nome é Ártemis, minha mãe me chamava de Amie.

—Ártemis... Já ouvi este nome. – Ethnee franzia o cenho enquanto pensava. – Mas é claro! A estátua no jardim! – exclamou animada.

—Estátua, chérie? – Amie ficou curiosa.

—Sim, há uma estátua no jardim de uma mulher que meu tio disse tratar-se da deusa Ártemis.

—Entendi...

—Gostaria de vê-la?

—Claro! Se você quiser me mostrar.

—Vai gostar, é linda... Pelo que me lembro.

Novamente Ethnee pegou Amie pela mão e as duas saíram para os jardins.

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