04

—Os Estripadores nunca falharam, meu Amo, são seus próprios filhos, suas próprias crias, sangue do seu sangue. Esse caçador não terá vida em seu corpo até o amanhecer – bajulara o serviçal.

—Que assim o Mestre permita.

A pequena criatura se afastara da porta para o corredor com um sorriso na boca enorme que ia de orelha a orelha. Seus olhos eram amarelados e brilhavam todo o tempo, tinha nariz e orelhas longas e afinaladas e duas fileiras de dentes finos e pontiagudos em suas arcadas. Era baixo, corcunda e possuía braços mais longos que as pernas, com mãos pequenas de longos e finos dedos.

Vivia constantemente tocando os dedos de uma mão com os da outra como se estivesse planejando algo, mas a verdade era que apenas seguia ordens. Suas longas unhas eram negras de sujeira e velhice. Levava consigo um número sempre impreciso de lâminas que usava para torturar os outros serviçais do Supremo Licantropo daquele lugar.

Menos de cinco minutos depois, os Estripadores saíram para caçar.

A visão do caçador caminhando pelo pântano era notável. O guerreiro vestia um traje azul e branco, com ornamentos prateados. A peça principal compunha um sobretudo acima de uma túnica, no qual um número indefinido de armas escondidas se fazia presente. Usava luvas brancas com o brasão em forma de cruz na parte superior e diversas fivelas prateadas prendiam as vestes ao corpo no abdômen, braços, coxas e tornozelos.

Carregava uma espada longa na cintura. A bainha negra era ornamentada com desenhos talhados à mão em pequeninas peças de ouro. A mão esquerda estava sempre segurando a bainha com força, enquanto a outra estava sempre pronta para o imprevisto.

O jovem parara, enrijecendo os músculos relaxados do corpo. Erguera a cabeça, fixando o olhar vários metros à frente. O odor forte daquelas criaturas era marcante, um fedor que podia causar náuseas em pessoas despreparadas e marcar sua presença nos territórios que dominavam. Desde o momento em que pisara naquela terra, Natham sabia que aquele era o local do covil daquelas criaturas. Lycans.

Diferente de lobisomens comuns, Lycans eram capazes de escolher quando desejavam se transformar, podiam se passar por humanos comuns, fingindo ser andarilhos ou pedintes nas aldeias. Suas formas humanas eram sempre sujas e esfarrapadas, razão pela qual nunca podiam se passar por nobres ou coisa do tipo. Seus modos também eram rústicos e rudimentares, mesmo na forma humana não eram mais do que animais rudes e irritantes.

Mesmo assim eram capazes de se conter durante a presença da Lua Cheia e tinham muito mais poder durante as noites de Lua Vermelha, a chamada Lua Sangrenta. Ironicamente, há poucos minutos o caçador percebera a coloração da lua no céu mudar do branco gélido para o vermelho púrpura como sangue.

Agora ele sabia que tinha um grande obstáculo pela frente.

Um número não identificado de Lycans cercara o jovem combatente.

O cheiro dos mesmos se misturava aos odores pútridos do pântano onde estavam e ele não era capaz de identificar as criaturas, senão pelas que estavam mais próximas. Podia sentir pelo menos uma dúzia deles transformados, suas respirações ofegantes e sua excitação ante a batalha.

Eram monstros cruéis prontos para morrer a qualquer momento. Apenas um deles, poucos metros à frente do jovem, estava em sua forma humana. Era um sujeito grande, careca e com diversas cicatrizes pela cabeça, face e tórax.

Considerando que apenas armas sagradas ou feitas de prata eram capazes de deixar marcas naqueles seres, era um combatente veterano. Vestia uma capa feita da pele de algum animal, um cinturão que servia para prender o tapa sexo e alguns ossos de inimigos como enfeites.

Na mão direita uma espada brilhava com a cor da lua.

—Carniceiros… – dissera o caçador, encarando o inimigo.

—Somos chamados por muitos nomes – rosnara o sujeito – Mas preferimos o termo Estripadores. Esperava que fosse maior, sequer há carne para alimentar um de nossos filhotes.

O caçador estreitara o olhar, estudando o inimigo.

—Não se deixe enganar, animal. Foram enviados unicamente para testar a minha força. Seu único propósito aqui é serem exterminados. Não será rápido e nem indolor. Se preparem para retornar ao inferno de onde jamais deveriam ter saído! – respondera Natham, desembainhando a espada cuja lâmina de prata brilhava vermelha sob a luz do luar.

O monstro rangera os dentes diante da arma. Além da prata canonizada, haviam centenas de inscrições ao longo da lâmina com orações para as mais diversas situações de combate contra criaturas como aquelas.

Furioso, o Lycan então deixara que a capa caísse e soltando a fivela do cinto, o mesmo também fora ao chão. Segundos depois, começara a ter espasmos e se contorcer e o caçador sabia o que aquilo significava.

Natham saltara de onde estava com a arma preparada para o ataque. Após um movimento circular em que sua silhueta azul e branca se confundira com o efeito do deslocamento da lâmina, a espada voltara a aparecer descendo em grande velocidade apontando para a cabeça da criatura que se transformava.

O tilintar de metal se chocando contra metal fora ouvido no momento em que a espada colidira contra um bracelete de chumbo temperado.

Sem oferecer qualquer chance para contra-ataques, o caçador saltara para trás em uma posição estrategicamente defensiva. Havia um enorme Lycan de pelos negros e olhos vermelhos diante daquele que parecia ser o líder do bando. Este usava braceletes, um colar adornado com ossos e pedras com estranhas inscrições e brincos de ossos nas grandes orelhas. Tinha uma cicatriz em forma de cruz na testa e presas brilhantes aparecendo fora da boca.

Maldição – pensara o rapaz – Lycans eram lobisomens preparados para a guerra. Quando antecipados sobre os eventos que aconteceriam, podiam fazer uso de armas e armaduras. Isso lhes conferia grandes vantagens no combate se somado ao seu tamanho e poder.

O barulho ensurdecedor de uivos começara a ser ouvido por quilômetros. Aquilo era, para aquelas criaturas, o mesmo que o bater de tambores de guerra para outras unidades tribais em guerra. Natham agradecera ao Lorde Sagrado pela quantidade de armas de prata canonizada que possuía. Diferente das armas de prata comuns, essas armas abençoadas feriam seriamente apenas com um reles toque e podiam ser mortais mesmo com ataques medianos acertados.

Dois Lycans que se encontravam respectivamente à sua esquerda e direita atacaram ao mesmo tempo. Fora um ataque simultâneo, mas nem um pouco sincronizado. Até onde entendia, Lycans, em suas tribos, treinavam lutando uns contra os outros, mas nunca em duplas, trios ou grupos.

Eram criaturas orgulhosas e sua hierarquia se baseava em poder.

Resumindo, todos abaixo do Supremo Licantropo da região eram iguais e os mais fortes comandavam e eram respeitados pelos demais. E no que diz respeito a poder, se tratando daqueles seres, era justo classificar como fúria, voracidade, crueldade, brutalidade e declarações objetivas de violência.

No momento em que ambos atacantes estavam prestes a atingi-lo, Natham se esquivara com uma cambalhota em um movimento extremamente treinado e aprimorado, lançando suas adagas. Uma das criaturas fora atingida em um dos olhos, enquanto o outro fora atingido de raspão no braço.

Um terceiro lobisomem apoiara nas costas daquele primeiro atingido no olho e cravando suas garras na pele do animal para ganhar impulso se lançara contra o caçador com a boca aberta e as presas à mostra.

Natham tinha instantes preciosos para tomar suas decisões e sem escolhas, arremessara a espada contra a criatura. A lâmina de sua arma penetrara a boca do monstro e a atravessara. A besta tombara com a espada trespassada por sua cabeça em uma grande poça de sangue vermelho escuro. O outro lobisomem fora recebido por novas adagas, que dessa vez feriram seriamente seu peito.

Enquanto pensava em uma forma de remover aquelas lâminas que doíam tanto, Natham lhe atingira com um chute direto. A bota do guerreiro tinha solado com pregos de prata preparados para aquele tipo de situação. A besta tombara inconsciente, embora vivo. Aquelas marcas em sua face jamais desapareceriam enquanto o monstro vivesse.

Um novo Lycan surgira ao lado do caçador e o atacara com uma espada. Era uma arma grande, pesada e com a lâmina cheia de dentes. Certamente a criatura não se preocupava em cortar seus inimigos, bastava quebrar seus ossos com o peso da arma e sua força descomunal.

Natham se defendera com o punho. Abaixo da cobertura de couro presa por fivelas que usava como bracelete havia uma placa de metal desenvolvida para se defender de ataques como aquele. Era comum para um caçador como ele ter diversas formas de ataque e defesa, bem como armas pequenas escondidas sob o traje. Cerrando o punho da outra mão, três garras de prata com cerca de trinta centímetros de comprimento cada surgiram por cima da luva.

O contra-ataque fora preciso e direto no coração do atacante. O gigantesco lobo cinzento tombara sem vida, com a espada ainda em punho.

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