Capítulo 3

Quarta-feira, 12 de setembro de 2018.

Quando volto para o abrigo, Lauren - uma garota da minha idade que ainda está no ensino médio e mora conosco - está se arrumando para sair, o que presumo ser algum encontro pago, que ela faz toda noite. Vou para meu quarto e tento estudar, mas com meus pensamentos inquietos sobre um certo garoto, ligo a pequena tv e procuro um filme.

— Amy! Estou indo para uma festa — Lauren anuncia, parada na porta do quarto. — Queria muito que você fosse. Juro que não vamos passar a noite lá dessa vez. Vamos ficar só um pouquinho. Se você não for, vou ficar chateada! — Lauren insiste e eu dou risada. Ela continua falando enquanto arruma os cabelos e muda de roupa pelo menos três vezes antes de se decidir por um vestidinho verde que deixa pouquíssimo espaço para a imaginação. A cor forte cai bem com seus cabelos vermelhos e sua pele escura, combinou muito com ela, e fico com inveja da confiança que demonstra. Sou confiante até certo ponto, mas tenho consciência de que não sou atraente como ela é.

            — Não sei… — começo. Nesse momento, a tela da tv fica preta. Aperto o botão de ligar e espero… e espero… A tela continua apagada.

            — Viu, só? É um sinal pra você ir. — Lauren sorri e volta a mexer nos cabelos.

            Olhando para ela, percebo que na verdade não quero ficar sozinha nesse quarto sem ter nada para fazer e com os pensamentos em Josh.

            — Tudo bem — respondo, e ela dá pulinhos, batendo palmas. — Mas só vamos ficar até no máximo meia-noite, ok?

— Ok. Quem vem buscar a gente é a Ashley. Ela acabou de m****r uma mensagem, vai chegar daqui a um pouquinho.

            Ashley é uma amiga drogada da Lauren que namora um traficante e por isso tem carro e dinheiro.

            — Acho que ela não gosta de mim — digo, e me olho no espelho.

            — Quê? Gosta, sim. É que às vezes ela é meio resmungona e sincera demais. E acho que se sente um pouco intimidada por você.

            — Intimidada? Por mim? Por que ela se sentiria intimidada por mim? — pergunto, aos risos.

            — Você é muito diferente da gente — Lauren responde. Ela está claramente invertendo a situação. Pensando nisso, lembro que não vi Olga.

            — Lauren, sabe da Olga? — pergunto.

            — Não vejo ela há dias, Amy. — Ela para de passar o delineador e me olha.

— Onde foi que ela se meteu? — resmungo.

— Tem um grupo de pessoas morando na mata. Fui lá ontem para ver se eles precisavam de ajuda ou se sabiam da Olga, mas parece que eles estão vivendo assim porque acham divertido, não por estarem em uma situação deplorável.

            — Como se fosse um acampamento? Olga não parece o tipo de pessoa que gosta de acampar.

            — Donna está dizendo que eles fazem parte de uma seita. — Lauren responde com uma careta exagerada. — Todos eles se vestem de modo parecido. Falam de modo parecido. São estranhos.

            — Por que Olga iria com eles?

            — Por que não? — Lauren tinha terminado de passar o delineador, pegou o batom escuro e se virou para mim. — O plano deles, se é que existe plano, é viver longe da sociedade, disseram, mas parece que é uma desculpa para pararem de tomar banho e transarem como coelhos.

Dou risada.

            — Onde eles estão acampados? — pergunto.

            — Perto da Pedra Maior — responde. — E o que você acha disso? Sair de casa, abandonar todos os seus bens mundanos e viver da terra. Consegue se imaginar fazendo isso?

            — São espíritos livres, certo? — Dou de ombros, apesar de ser muito mais fácil se imaginar andando na lua. Lauren sorri. Essa era, obviamente, a resposta certa.

Sexta-feira, 14 de setembro de 2018.

7h15 – Universidade de Baltimore

Baltimore – EUA.

           

            Minha primeira semana de aula na faculdade está quase acabando. Josh e eu combinamos de nos encontrar hoje no café durante o intervalo, para rever as anotações da pesquisa que temos que começar, mas ele não estava lá quando cheguei. Assim que saio do café, paro, tentando pensar onde ele poderia estar. Um lugar me vem à mente: a biblioteca.

Começo a descer a calçada em direção ao prédio que agora eu tenho quase certeza que o encontrarei. A biblioteca do campus é enorme, com pequenos recantos, lugares escondidos entre as prateleiras em dois andares.  

Por que o seu potencial esconderijo tem que ser tão vasto?

            Decido procurar no segundo piso primeiro e começo a andar entre as prateleiras. Eu estava quase terminando a busca quando ouço um suave “oi” vindo de trás de mim. Eu tinha passado por ele e não o vi.

Josh está sentado em uma pequena poltrona com um livro em seu colo, escondido no final de uma fileira. É como uma caverna de livros.

            — Oi — sorrio. — Eu estava procurando você.

            Ele engole e empurra os óculos um pouco mais para cima antes de perguntar:

            — Você estava? Por quê?

            — Bem, nós tínhamos combinado de nos encontrar no café para a pesquisa, lembra?

            — Ah, certo — responde ele, como se estivesse esquecido completamente.

Ignoro a pequena pontada de tristeza no meu peito com essa atitude.

            — Então, quando vamos fazer isso? Podemos fazer depois da aula?

            — Sim, sim — responde nervosamente e se levanta. Seu olhar se fixa no chão. — Podemos falar sobre isso depois? Tenho que ir.

            — Você sabe que não tem razão para estar nervoso, certo? Eu não mordo.

            — Eu sei disso — Josh responde, e sai da biblioteca sem olhar para mim.

Sábado, 28 de novembro de 2016.

14h26Calhoun St - Sandtown

Baltimore, EUA.

— E?

— Pirulitos. Eu adorava pirulitos.

Parece que minha cabeça voa quando me viro para olhar para ele. Estou deitada na barriga dele, e eu sorrio. Quando o conheci há seis meses, queria que fosse meu amigo, então ele me beijou, fiquei furiosa e ele se desculpou. Agora somos nós três.

Gosto do cabelo preto dele. Gosto dos seus olhos cinza, cheios de ternura. Gosto dos brincos nas duas orelhas. Gosto... que ele seja gostoso. Gostoso quando está chapado. Dou uma risadinha, porque ele é admiravelmente gostoso quando está sóbrio.

— Você quer um pirulito, Amy? — Thomy pergunta. Ele nunca faz perguntas sobre a minha infância. Na verdade, é uma das poucas vezes em que ele faz perguntas sem parar.

— Você vai comprar um?

Não sei, mas a ideia deixa meu coração leve. A minúscula parte sóbria do meu cérebro me lembra de que eu não gosto mais de pirulitos e que eu detesto flores no cabelo.

O resto da minha mente, perdida numa névoa de maconha, curte o jogo: a perspectiva de uma vida com doces e flores no cabelo, e alguém disposto a transformar meus sonhos mais loucos em realidade.

— Sim — responde, sem hesitar. Os músculos ao redor da minha boca ficam pesados, e o resto do meu corpo, incluindo o coração, faz o mesmo. Não. Não estou pronta para a queda. Fecho os olhos e desejo que isso vá embora.

— Está muito chapada — comenta Jeremy. Ele não está muito chapado, e parte de mim se ressente por isso. Ele largou a maconha e a falta de preocupação quando se formou, e está levando o Thomy pelo mesmo caminho. — Esperamos demais.

Sábado, 15 de setembro de 2018.

9h29 – Gilmor Homes, Sandtown

Baltimore – EUA.

O café da manhã já está pronto quando chego na cozinha. Ovos mexidos, pães e mingau. E café na grande garrafa térmica. Todo sábado, nos juntamos para a primeira refeição do dia, é nossa tradição. E é só nesse dia que temos mais opção de comida.

— Bom dia — Candice diz.

— Bom dia — olho ao redor. — Candice, você viu a Olga? — pergunto. Ela dá de ombros em resposta. Dou um passo para trás, para verificar as garotas já sentadas na mesa. Meu medo aumenta quando confiro cada rosto.

— Ela iria vir hoje? — Candice pergunta.

Balanço a cabeça que sim. Eu sei que as pessoas desaparecem por motivos pessoais, e talvez ela quisesse um tempo sozinha, mas não consigo evitar os pensamentos sinistros que tomam minha mente. Conheço Olga há anos, é uma irmã para mim. Sinto-me responsável por ela, mesmo ela sendo dois anos mais velha do que eu.

Em comparação com as outras, Olga se cuidava melhor, tomava mais banhos, vestia roupas melhores, porque não gastava todo seu dinheiro com drogas. Ela tinha brigado com seus pais adotivos em seu décimo sétimo aniversário, fugiu da casa e acabou fazendo as coisas que algumas garotas precisam fazer para sobreviver. Quando descobri que ela estava envolvida com drogas e namorando um traficante, pedi para ela vir morar conosco. Mas ela ficou apenas por uma noite.

— Ol não voltou — diz Donna, tranquilamente, enquanto se serve. — Já faz uma semana. Mas ela sabe se cuidar... não se preocupe querida.

Olivia Barnes. Olga. Eu estava acompanhado a história da garota pelo jornal do campus da universidade. Dezenove anos, assim como Olga. Ambas são lindas, a diferença é que uma era universitária. Era aluna da faculdade em que estudo.

Três semanas atrás, Olivia Barnes havia ido ao mercado à noite. E ela ainda não voltou para casa. Como que alguém — uma garota — podia sair de casa e nunca mais voltar?

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo