Primeiro Capítulo

O Início de tudo

Final do século XI, expedições militares foram organizadas pelas potências cristãs européias, com o objetivo declarado de combater o domínio islâmico na chamada Terra Santa, reconquistando Jerusalém e outros lugares por onde Jesus teria passado em vida. A empreitada constituía em uma mistura de guerra, peregrinação e penitência: os guerreiros cruzados, conhecidos também como “peregrinos penitentes”, acreditavam que seus pecados seriam perdoados, caso completassem a jornada e cumprissem a missão divina de libertar locais sagrados, como a Igreja do Santo Sepulcro. Esses cavaleiros e soldados tinham como símbolo a cruz, bordada no manto que usavam – daí o nome com que ficaram conhecidos. Seus motivos não eram, porém, exclusivamente religiosos. Mercadores emergentes viram nas Cruzadas uma oportunidade de ampliar seus negócios, abrindo novos mercados e obtendo lucro ao abastecer os exércitos que atravessavam a Europa a caminho do Oriente.

Outro objetivo era unificar as forças da cristandade, divididas por guerras internas, concentrar suas energias contra um inimigo comum, os chamados “infiéis muçulmanos”. Nesse período de quase dois séculos, oito Cruzadas foram lançadas, embora duas delas jamais tenham chegado a Jerusalém. A cruzada em que fiz parte foi a Quarta Cruzada que se desviou do objetivo original para atacar os cristãos ortodoxos de Constantinopla – que não reconheciam a autoridade do Papa, saqueando a cidade e praticando muitas barbaridades com as pessoas que nós achávamos indignas.  Já não importava mais a missão religiosa na qual iniciamos nossa jornada, um grupo dentre nós se transformou em bárbaros, insensíveis e cruéis, cada um com um objetivo específico. Eu, um dos militares mais importantes, dava as ordens. Meu grupo foi designado a procurar tesouros perdidos e tesouros de terras que achávamos nos pertencer. Por muito tempo a missão era o ouro, porém depois, matar, subjugar e dominar também nos agradavam. Foram anos de lutas pelos nossos próprios objetivos, mas já cansados de tantas batalhas, precisávamos de nos recuperar e repousar por um tempo, pois, mesmo sendo bárbaros, também cansávamos de tanto sangue. Depois de caminhar por alguns dias no deserto, avistamos uma vila distante da cidade e lá fomos repousar, pretendíamos atacar. Ao chegarmos na Vila observamos que era simples, pouco mais de 200 habitantes, todos camponeses analfabetos e com poucos recursos para viver, não teríamos nenhum ganho atacando aqueles infelizes.

Nos dirigimos para o único casebre que chamavam de hospedagem e lá ficamos. O dono era um camponês velho e doente acompanhado por sua filha, uma moça linda e delicada. No mesmo momento que a vi percebi o quanto seria bom acalentá-la em meus braços. Seus olhos verdes penetraram diretamente no meu coração. Eu podia dominá-la, possuí-la, como fiz diversas vezes com várias mulheres pela nossa jornada, mas aquela moça era diferente. Seu espírito se refletia em uma total inocência e bondade como, um bálsamo em meu ser desprezível e cruel. Com carinho nos recebeu pedindo desculpas pelo seu pai que já não estava bem da cabeça e se encontrava acamado e doente. Ele tentava ajudá-la com os hóspedes, em vão. No fim era um desastre, então se recolhia deixando-a sozinha para cuidar de tudo.

Eu ri da brincadeira da moça e foi naquele momento me apaixonei perdidamente por ela. Num instante todo meu passado se desfez e diante dela eu era um novo homem.

Eu e meus soldados nos hospedamos naquele casebre e no dia seguinte meus homens foram andar pela vila, eu fiquei ali conversando um pouco mais com aquele ser iluminado. Isa era seu nome, como uma flor, casta e pura, quis saber mais sobre mim.

- Nobre cavaleiro não me disse seu nome?

- Meu nome é Zayn.

-Tão belo quanto o nome, nobre cavalheiro.

- Não se engane moça, por fora um bonito homem como diz, mas por dentro, amargo e seco, até mesmo cruel e não tão nobre assim.

- Às vezes as pessoas ficam cruéis pela circunstância que são impostas, mas podem mudar a cada minuto na sua vida, basta querer.

Aquelas palavras aqueceram meu coração vazio, por alguns meses ficamos naquela vila, meus homens se engraçaram com algumas moças que faziam tudo por um militar em suas vidas tristes e sem graça.

Eu estava apaixonado e para o pai dela eu a pedi em casamento, nos casamos naquele ano e minha vida mudou da água para o vinho, um vinho doce e puro.

Seu pai ficou ainda mais doente e faleceu, eu cuidei com Isa de tudo, construímos um hotel de verdade e Isa estava muito feliz apesar de sentir muito a perda de seu pai.

Eu não me cansava de ficar olhando fixamente naqueles olhos verdes e brilhantes, mas nossa missão não podia ficar para trás como se nosso passado fosse um mero acaso, tropas de soldados achando que fomos aprisionados foram a nossa procura, por cinco anos conseguimos nos esconder naquela vila.

Mas em uma noite chuvosa e fria em que o deserto sabia castigar pequenos seres como nós, as tropas chegaram na vila, ao ver alguns de meus soldados bebendo e passeando na rua com algumas mulheres, o chefe do batalhão se enfureceu e nos chamou de traidores e irresponsáveis, não tivemos tempo de explicar, fomos todos capturados e presos, nossas mulheres também presas como prostitutas.

Isa foi no lote das mulheres vulgares e sem nenhuma compaixão uma a uma foi acusada de herege. Eu tentei argumentar e explicar, mas o comandante das tropas Altair fez questão de me humilhar e desprezar, ele já me odiava desde que me tornei comandante ao invés dele, seu maior sonho era me destruir.

- Ouvi muito falar de sua trajetória comandante Zayn, eu que pensei que você fosse o mais temido soldado, mas pelo que eu vi não passa de um rato, arrogante e fraco, quem diria o Imperador escolheu você ao invés de mim e hoje você é um herege como todos os outros.

- Comandante, peço clemência para minha esposa, Isa não é uma mulher qualquer, quando cheguei nesta vila ela morava sozinha com seu falecido pai, respeitada e admirada era uma moça pura e sem maldade, eu me apaixonei por ela e nos casamos como permite a santa igreja.

- Se casou em uma igreja de hereges comandante?

- Por favor eu lhe imploro clemência, o amor vai além de convenções formais e o que Deus une o homem não separa.

- Então ela não é como as outras?

- Não senhor, foi como te expliquei, Isa é pura de coração.

- Bom então, hoje a noite eu farei uma visita para sua nobre esposa e amanhã ela será enforcada com as outras, pois vou mostrar para ela como é um homem de verdade, se ela só teve você como homem, é porque não sabe nada da vida e eu vou ensiná-la e poderei me vingar de você maldito traidor!

Zayn ficou sem noção do tamanho de sua raiva e partiu para cima do comandante, os outros soldados o dominaram em minutos, Zayn foi levado há uma gaiola feita de ferro com um carrinho abaixo que os cavalos puxavam, era neste local que os soldados prendiam as pessoas enquanto viajavam pelo deserto.

Durante a noite Zayn escutava os gritos de sua esposa sendo violentada pelos soldados a mando de Altair ele próprio a violentou e a torturou para que ela confessasse ser uma herege, a moça sem saída, confessou. A dor de Zayn foi tão grande que desmaiou de tanto gritar para pararem.

No dia seguinte os poucos moradores que sobraram na vila, foram reunidos na pracinha central. Altair mandou alguns soldados construírem um local de execução e lá uma a uma das mulheres da vila foram ou enforcadas ou queimadas, quando chegou a hora de Isa, os soldados levaram Zayn para assistir de camarote a execução de sua amada esposa.

Zayn não acreditou ao vê-la desfigurada, toda machucada praticamente despida, pois seu corpo estava coberto com uns farrapos de seu lindo vestido que ela havia colocado na noite que iam completar cinco anos de casados. Zayn foi levado diante dela amordaçado e amarrado, seus homens já haviam sido mortos, seu olhar era de total pavor que deixou Altair se regozijando de prazer. Zayn nunca imaginou que iria encontrar alguém mais cruel que ele nesta vida e nunca imaginou sentir tanto ódio a ponto de sua boca amargar.

Isa foi amarrada e amordaçada e assim que o fogo foi aceso diante de seus pés, a mordaça foi retirada, pois Altair fechou os olhos para escutar os seus gritos. Isa sentia dor não no corpo, mas na alma de ver seu grande amor vendo-a naquele estado depois de tudo que lhe aconteceu, estava envergonhada, triste e sem esperanças, naquele momento sua vida passou como um filme. Momentos com seu pai, a perda de sua mãe quando tinha apenas 8 anos, todos os assédios por ser bonita que sofreu e seu pai forte e imponente pode defendê-la, depois que ficou velho e doente, confiava em Deus que um dia iria encontrar um homem bom que a amasse. Ao conhecer Zayn soube que ele não foi bom, mas algo naquela figura máscula e bonita a deixou apaixonada e não se enganou. Cinco anos de vida a dois foram os melhores que viveu. Vê-lo ali diante de si destruído, foi seu pior pesadelo, a crueldade de um homem por prazer de vingança era para ela a mais cruel das penas que um ser humano poderia ter. Viu as lágrimas nos olhos de seu amado e sua dor era tão grande que aceitou sua sentença, fechando os olhos e se deixando dominar pelo fogo, só conseguiu pronunciar.

- Eu perdoo todos vocês, que Deus tenha piedade da minha alma!

Zayn viu os olhos de Isa se apagar e seu corpo se consumir pelo fogo, sua dor já não tinha mais tamanho dentro de seu peito. Depois de tudo consumado, Zayn foi levado como traidor e prisioneiro sendo chicoteado até seu cárcere, foi torturado por Altair e largado para morrer em uma prisão nos confins da cidade de Tebas.

Naquela prisão o calor era insuportável, os prisioneiros morriam de fome, peste, sede ou qualquer outra razão, largados a própria sorte. Zayn não reagia, dias após dias, se sentia derrotado, suas lembranças o deixaram petrificado, os outros presos pegavam sua comida e sua água que era escassa naquele lugar e Zayn não se importava, morrer ou viver tanto fazia, pensava ele, um velho ancião de nome Jahi pegou um pedaço de pano velho, molhou em um pouco de água e começou a passar nas feridas de Zayn, estavam muito feias, ninguém ousava questionar o velho ancião, diziam que ele foi um bruxo poderoso e que foi parar naquele buraco por misericórdia de uma rainha egípcia, pois pelo faraó seria queimado vivo. Jahi por alguns dias fez os mesmos procedimentos e Zayn que não se importou, sentia um alívio no corpo, mas o coração estava destruído.

- Eu entendo sua dor nobre cavaleiro, mas saiba que Deus é maior que tudo isso, hoje vai parecer uma grande derrota, mas um dia saberá porque teve que passar por toda essa provação. Zayn ouvia calado, não falava desde que chegou naquele lugar, só escutava e sentia as mãos do ancião cuidar de seu corpo, seus olhos estavam olhando para um ponto fixo e assim permanecia por dias, quando pensava que iria morrer, o ancião o fazia se alimentar e beber água, nunca mais pronunciou uma só palavra.

Vinte anos depois, um novo império se formou e os prisioneiros da prisão de Tebas, foram soltos, já não fazia mais sentido mantê-los presos, pois já estavam velhos e acabados, o ancião Jahi havia morrido fazia 3 anos, Zayn não sabia quanto tempo ficou preso 10, 20, 40 anos, perdeu totalmente a noção de tempo.

Naquela noite que os portões da prisão foram abertos e fomos orientados a sair, eu já não sentia nada, a chuva castigava a cidade e a noite estava escura uma verdadeira penumbra, eu andava pelas ruas sem direção, nada fazia sentindo naquele momento, ainda me lembrava dos olhos de Isa naquele dia cruel, mas de repente em minha mente enferma, só via o fogo consumindo tudo, até minhas lembranças.

Me desesperei e não queria mais viver, caminhei por dias debilitado e quando vi um lugar mais alto me atirei para o precipício, para meu azar minha morte foi rápida.

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