Capítulo 03

Respirei fundo tentando entender o que estava acontecendo, ele havia me ajudado e eu sentia que ele não queria me fazer mal. Havia algo bom no David que me fazia querer ficar e isso mexia comigo.

— Olha. Amanhã eu já vou estar melhor. — Falei abrindo um sorriso gentil.

— Que bom, então amanhã assim que eu ver que você está melhor, eu te levo para casa. — Ele assentiu.

— Não tenho roupas aqui e preciso de um banho. — Falei procurando a desculpa mais fajuta que tinha. Eu não sabia aonde estava. Realmente sentia meu corpo doer e não aguentaria ir para casa sozinha então tinha que fazê-lo me levar.

— Eu tenho. — Ele deu de ombros. — Vou pegar para você.

— Você não é um serial killer, É? — A pergunta simplesmente saiu, foi estúpido.

— Eu acho que se eu fosse, não iria dizer que era. Mas, — ele se virou para mim ainda de pé com um sorriso atraente no rosto. — Não, eu não sou um serial killer.

— E por qual outro motivo teria roupa de mulher... Você é gay? — Outra pergunta estúpida. Dessa vez ele gargalhou.

— Você me acha gay? — Ele me encarou agora com um sorriso descontraído em seus lábios.

— Eu não sei. Não parece. Se fosse seria um desperdício, quer dizer, eu respeito. Mas... Você é? — Falei me enrolando ao mesmo tempo em que me arrependi de perguntar.

Ele cruzou os braços na altura do peito o deixou completamente charmoso.

— Eu não sou gay, Ema. — Ele disse sorrindo. — As roupas, são da minha mulher.

—Ai meu deus, você é casado! — Eu quase gritei. — Eu... Minha nossa. — Falei agora tentando me levantar da cama, eu tinha que ir mesmo embora dali.

— Ei. Para com isso. — Ele correu até mim quando fiquei de pé e nossos olhos se encontraram.

— Olha. Eu não preciso de mais confusão do que Já tenho. Você é casado, eu nem deveria estar aqui. — Falei desviando o olhar.

— Minha mulher faleceu, há alguns meses. — Ele respirou fundo. — Não sou casado, sou viúvo. Expliquei mal, é que ainda não acostumei. — Ele disse me ajudando a se sentar novamente.

— Ah, me, me desculpe... Eu, eu estou constrangida agora. Não sei o que falar. O que eu falo? — Falei mais para mim do que para ele.

— Nada. Só fica quietinha que vou pegar as roupas. — Ele riu.

Eu fiquei ali me sentindo a maior ridícula enquanto ele ia buscar as roupas em algum outro lugar fora do quarto, porque eu fiz perguntas idiota e dava para ver que ele não é gay. Meu Deus, como fui burra e horrível ao pensar coisas ruins de um cara que me ajudou. Fiquei me martirizando até vê-lo voltar com as roupas.

— Bom, como eu imagino que você não vai conseguir ficar de pé embaixo do chuveiro... — Ele ia dizendo quando eu o cortei.

— Eu consigo tomar banho sozinha. — Falei rápido e baixo.

— Você achou que eu ia se oferecer para te dar banho? — Ele perguntou parecendo estar se divertindo com aquilo.

— Você não ia? — Falei o encarando sem graça. Onde eu estava com a minha cabeça?

— Não? Mas se você quiser... Enfim, eu só ia dizer que tenho uma ducha e enchi com água morna. Então te levo até lá, peguei roupas leves para que não tenha trabalho ao se vestir e depois você chama que eu te ajudo a voltar. — Ele deu de ombros.

— Ah, sim, claro. É isso. Obrigada. Não precisava, eu poderia tomar banho sozinha, no chuveiro. — Falei completamente corada.

— Tá, se precisar de qualquer coisa é só gritar. — Ele falou, desviando o olhar.

— Não, eu não estou tão mal assim. — Falei tentando parecer forte.

— Eu acho que você deslocou algumas partes e que necessita de um médico, e de repouso. Mas pelo visto; é bem teimosa. — Ele disse agora num tom sério.

— Você é bem exagerado, mas entre um e outro eu prefiro repouso. — Falei dando de ombros e me levantando com calma.

Ele simplesmente me pegou no colo e me levou até o banheiro.

— Não precisa disso. — Falei no meio do caminho.

— Não vou arriscar piorar as coisas já que você não quer o médico. — Ele disse.

Quando chegamos ao banheiro, ele simplesmente me colocou perto da banheira.

— Consegue tirar a roupa? — Ele falou meio que sem graça.

— Eu acho que sim. Se eu precisar, eu grito... — Minha voz quase falhou em falar aquilo.

Eu nunca tive vergonha em ficar pelada na frente de alguém, muito menos de um desconhecido, pois esse era o meu trabalho. Mas; eu não sei, com ele era diferente. Com ele eu não me sentia uma garota de programa, mesmo sabendo que foi justamente por isso que fui parar ali. Mas era estranho; ele me fazia se sentir mais especial, eu não sei... Tentei apagar aqueles pensamentos enquanto tirava a minha roupa com esforço, engoli o choro ao sentir dor quando me abaixei para tirar a meia calça, eu realmente não estava bem e isso era o fardo que eu tinha que carregar pela minha profissão. Vendo-me daquele jeito, só me fazia perceber que eu realmente não teria final feliz e não adiantava fugir do que eu era. Sempre teriam homens como o Kevin me prometendo um mar de ilusões, homens como David, dispostos a cuidar de mim até me conhecer de verdade e homens como o Jake que sempre faria questão de me lembrar que eu era apenas uma vadia. Entrei na banheira sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Eu não estava bem; e estava cansada de ter apenas aquela alternativa, de ter apenas a escolha de ser quem eu era. Queria ser mais, mas não podia. Não tinha como, arrancaram de mim tudo que eu amava e me reduziram somente a um mero produto. Como mudar isso? Engoli os soluços e a enorme vontade de gritar. Eu não queria ser garota de programa. Eu queria ser cuidada, amada e valorizada como uma mulher tem que ser, mas quem se casaria comigo? Quem teria filhos com uma mulher que já foi prostituta? Mesmo que isso acontecesse sempre teria o dia de jogar isso em minha cara, usariam isso para me humilhar como já fizeram. Isso não é para mim. Eu só estava esgotada de acreditar em algo bom, não existe algo bom ou final feliz.

Não notei quando mergulhei para o fundo da banheira, não sei se foi impulso ou a minha real vontade de morrer. Mas se tem uma coisa que eu aprendi é que você pode morrer de mil formas, e ainda assim continuar vivo. Fui aprendendo com o passar do tempo a eliminar a dor, quando você passa muito tempo com algo que dói chega um momento em que simplesmente passa, como uma anestesia natural. Assim era perder o fôlego debaixo d'água, os pulmões queimam. Você se sente mal, mas depois de um tempo a dor vai embora. E foi o que aconteceu. Eu apaguei.

    Quando acordei o David estava olhando para mim, ele estava com uma cara completamente assustada e eu demorei um pouco para assimilar o porquê.

— O que houve? — Falei ainda confusa e um pouco fraca.

— Você... — Ele não conseguiu completar, apenas desviou o olhar e suspirou.

— Eu... — Eu ia completar, mas então as cenas vieram à minha cabeça. Eu havia tentado me matar na banheira de um desconhecido. Eu simplesmente me afundei, não, eu já estava no fundo do poço há muito tempo. — Eu... Tentei me matar. Me desculpe. — Falei sentindo agora lágrimas quentes brotarem em meu rosto.

— Você teria morrido se eu não tivesse te chamado para entregar a toalha, você tem ideia do que fez? — Ele falou com os olhos agora cheios de lágrimas. Aquilo me comoveu, ele estava chorando por minha causa. Por que ele estava chorando por minha causa? Sua voz estava rouca.

— Me desculpa. — Sussurrei o olhando no fundo dos seus olhos. — Me desculpa. — Foi tudo que eu consegui falar. — Me deixa ir para casa, por favor? — Eu só queria desaparecer dali.

— Você acha mesmo que vou simplesmente lhe deixar ir depois disso? — Ele abriu um sorriso irônico se levantando da cama e virando-se para o outro lado.

— Você tem que me deixar ir. — Falei agora me esforçando para se levantar sem ligar para a maldita dor que me dilacerava. — Por que está fazendo isso? Que merda! Eu sou só uma prostituta, para que tanta preocupação? — Falei não aguentando mais.

— Você não é só uma prostituta! — Ele me encarou e eu percebi que ele estava cerrando o maxilar de raiva. — Quem fez isso com você? — Ele me perguntou.

— O que? — Perguntei confusa.

— Isso! Quem, quem lhe fez se sentir assim? Como se fosse apenas uma mercadoria? — Ele disse com uma urgência desconhecida. — Você, Ema, ou, seja lá quem for. Porque eu sei que esse não é seu nome de batismo. Você não é só uma prostituta. Todo mundo faz o que precisa ser feito, você faz o que precisa ser feito. Mas você não é só isso. — Ele disse se sentando a minha frente e olhando em meus olhos. — Eu não sei quem fez você se sentir assim, mas essa, ou essas pessoas, mentiram.

    Aquelas palavras fizeram mais lágrimas caírem, por que ele conseguia enxergar isso? Por que ele estava me falando isso?

— Você nem me conhece... — Falei deixando escapar um sorriso.

— Eu não preciso conhecer para saber que você é uma pessoa especial e não consegue enxergar. — Ele falou acariciando o meu rosto com a ponta dos dedos.

    Eu fechei os olhos e me deixei sentir aquele toque. Era um toque carinhoso e protetor, e aquelas palavras... Eu... Eu nunca tinha ouvido tamanha sinceridade de alguém.

— Eu... — Tentei argumentar. — Você... Por que você está fazendo isso? — Era tudo que eu conseguia dizer, abaixei a cabeça engolindo os soluços que vinham em minha garganta.

— Isso? Por que eu estou ajudando você? Porque você precisa. Você precisa de ajuda, e eu só quero lhe ajudar. — Ele falou sorrindo.

— Você não me conhece. — Tentei me convencer de que havia algo errado, ninguém costuma ajudar uma prostituta. O que havia de errado ali?

— Então vamos fazer assim, me deixe lhe conhecer. E então eu vou lhe ajudar. — Ele falou abrindo um sorriso maior. Como se aquela frase fosse a solução para tudo.

— Ninguém pode me ajudar David. — Falei suspirando. Ninguém podia desfazer o meu passado, ninguém poderia tirar o peso que havia em minhas costas, essa missão era impossível.

— Você está enganada sobre isso, mas me deixe tentar pelo menos. — Ele disse me olhando carinhosamente.

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