Capítulo 02

Eu abri os olhos torcendo para que tudo aquilo tivesse sido apenas mais um sonho infeliz, mas a dor que senti em meu corpo me alertou que não era. Ajustei minha vista para uma janela de frente para o mar, estava de dia e fui tentando com um pouco de dificuldade enxergar melhor tudo ao meu redor. Eu estava em um quarto, havia um criado mudo preto ao lado da cama com a foto de um homem sorrindo e eu estava deitada numa cama enorme, do outro lado uma escrivaninha com um computador. Não sabia como tinha ido parar ali e não tinha ninguém mais no quarto, me levantei com certa dificuldade sentindo dor em cada partícula de mim, e me sentei pronta para me levantar e sair daquele lugar, pois eu precisava voltar para minha casa onde eu estaria mais segura.

— O que você está fazendo? — Escutei uma voz firme masculina atrás de mim. — Você está machucada, não pode se levantar. – Ele veio rapidamente com uma bandeja de alimentos na mão e as colocou na cama.

— Eu preciso ir para a casa... — Falei suspirando ao senti uma dor imensa em minha cabeça.

— Você mal consegue ficar sentada, quem dirás. — Ele falou me ajeitando para que eu ficasse apoiada na cabeceira da cama.

— Quem é você? — O encarei um pouco assustada. Ele era moreno, alto e com cabelos enrolados. Seus olhos eram negros e ele tinha um sorriso muito bonito.

— Sou o David. — Ele falou, sorrindo e pegando novamente a bandeja de alimentos. — Fiz isso aqui para você. Qual o seu nome?

— Ema... — Meu nome de batismo não era esse, mas ele ainda era um desconhecido. — Eu não posso ficar aqui, por que me trouxe para sua casa? — Perguntei desconfiada.

— Porque me implorou para que eu não lhe levasse para um hospital e eu não sabia o que fazer. Quem eram aquelas pessoas e por que fizeram isso com você? — Ele perguntou se sentando ao meu lado na cama e colocando um pouco de café num copo e me oferecendo.

— Jake e sua turma. Porque sou garota de programa e me recusei a fazer um programa com ele. — Falei dando de ombros e levantando as mãos para pegar a xícara. — Puta merda. — Falei ao olhar as marcas de mão em meu braço, meus olhos lacrimejaram e senti um nó na garganta.

— Vai sarar logo. — Ele falou colocando o café em minhas mãos. — Eles fizeram isso só por que você recusou um programa?

— É. — Peguei o copo do café em sua mão e tomei um gole, foi um dos melhores cafés que eu já tomei em toda a minha vida. — Não só por isso. Eu fiz programa com o Jake uma vez, ele foi violento e então o denunciei. — Falei engolindo em seco constrangida.

— E por que ele está solto? — Ele falou tomando um gole do café dele.

— Porque as pessoas me culpam, afinal, eu sou uma garota de programa. As pessoas acham que se eu aceitei esse ramo tenho que aceitar as violências também. — Falei suspirando.

— Isso é um absurdo. — Ele falou com um tom de voz baixo.

— Obrigada; por me socorrer. Eram cinco. Você poderia ter se machucado, eles poderiam estar armados. — Falei olhando para o meu copo.

— Eu não podia simplesmente deixar você lá. Eu não podia. — Ele sorriu pensativo.

— Obrigada, mais uma vez. — Meus olhos novamente ficaram marejados com aquilo. — Eu preciso ir para a minha casa.

— Fique e descanse, você tem alguém para cuidar de você na sua casa? Um marido ou namorado? Alguém? Mãe, filha? — Ele falou preocupado.

    Eu não consegui me conter e gargalhei com aquilo.

— O que foi? — Ele perguntou sério.

— Quem namoraria uma prostituta? — Perguntei o encarando.

— Desculpe, eu sei lá, o mundo está tão mudado não é mesmo? — Ele falou confuso.

— Não... — Eu falei por fim, terminando de beber o meu café.

— Não o quê? — Ele falou perdido, e aquilo me fez sorrir.

— Não tenho ninguém. — Respirei fundo desviando o olhar. — Mas, você poderia pegar o meu celular, por favor.

— Eles levaram. — David falou.

— Puta merda... — Suspirei. —Poderia me emprestar o seu? — Pedi.

— Ah, claro. — Ele disse pegando o celular no criado mudo.

    Ele se levantou enquanto eu discava e arrastou um banquinho para o meu lado ligando o computador.

— Você quer que eu saia? É que preciso fazer algo aqui rapidinho e meu notebook descarregou. — Ele deu um sorriso sem graça.

— Não, tudo bem. Eu sou a visita aqui, lembra? — Falei abrindo um sorriso gentil enquanto a ligação chamava.

    O telefone tocou três vezes até que alguém atendesse.

— Oi. Posso falar com O Kevin? — Falei estranhando a voz feminina do outro lado.

— E quem gostaria? — A garota falou do outro lado.

— Diga a ele que é a Ema, é um assunto urgente. — Falei já ficando impaciente.

— Um minuto; amor, alguém com nome de Ema. — A mulher falou com tom de ironia.

    Em menos de dois minutos Kevin atendeu.

— Onde você estava? Me deixou preocupado! — Ele falou com um tom nervoso.

— Sério, Kevin? Amor? — Falei engolindo a queimação que senti no peito.

— O quê? Sabe que eu sou seu, mas você não me quer. — Ele disse dando de ombros do outro lado da linha.

— Fico muito feliz que tenha desapegado. — Abri um sorriso. — Avisa ao Luke que não vou trabalhar hoje e acho que nem pelo resto da semana. — Falei sabendo que Luke iria pirar.

— Você nunca falta. O que aconteceu? — Ele falou assustado.

— Jake. — Sussurrei, olhando de soslaio o cara concentrado no computador ao meu lado.

— O que aquele desgraçado fez? — Afastei o telefone do ouvido quando ele gritou.

— Ele me espancou. — Falei sentindo o gosto daquelas palavras.

— Você aceitou o programa com ele de novo? — Kevin falou revoltado.

— Não! — Quase gritei, mas controlei meu tom de voz ao notar novamente que David estava ao meu lado. — Ele se juntou com uns garotos e... Eu, eu não quero falar sobre isso. Ossos do oficio, afinal, sou só, sou só eu né Kevin. Sou só isso. — Senti o amargo das minhas palavras.

— Para com isso Ema, você é incrível, você não é só isso. Onde você está? Vou aí te ver. Saia dessa vida e se case comigo. — Ele falou, eu podia notar o carinho no tom de sua voz.

— Eu não estou em casa, e preciso desligar, acho que dá para ver que o telefone não é meu. — Falei suspirando. — Você sabe que esse conto de fadas não é para mim, não sabe? — Quase me perdi no tom de voz. — Não conte nada ao Luke, só diga que eu viaje e não arranje confusão com o Jake. Eu já estou exausta de pessoas machucadas em minha vida Kevin. Se cuide, e aproveite a possível linda mulher ao seu lado. Você merece. — Desliguei antes mesmo que ele pudesse falar alguma coisa.

    Eu sabia que a história com o Jake estaria longe de acabar, ele arrumaria mais confusão, tinha até demorado demais. Estava perdida em meus pensamentos...

— Ema? — David chamou pela terceira vez.

— Oi... Oi... — Falei voltando a realidade...

— Você está bem? — Ele perguntou preocupado se virando para mim.

— Estou viva, não é?  — Falei, sabendo que eu não estava nada bem. Mas; eu estava muito cansada para fingir. — Poderia me levar para casa?

— Não. — Ele falou o mais natural possível.

— Como assim? — Falei meio assustada.

— Não posso te levar para casa assim, você tomou uma surra e está machucada e não quer ir ao hospital. Então; não vou lhe deixar sozinha. — Ele deu de ombros.

— Eu posso me cuidar sozinha, tenho que resolver algumas coisas, preciso comprar um novo celular e para isso não posso deixar de trabalhar. — Falei tentando fazer com que ele mudasse de ideia, ele nem me conhecia.

— Tudo bem, faremos tudo ficar mais fácil então. O problema é dinheiro? — Ele disse me encarando. — Eu pago. Estou pagando para que você fique até melhorar.

— Ah, então você quer dormir comigo dessa forma? — Sorri meio que confusa com aquilo.

— Eu não quero dormir com você. — Ele falou por cima da lata, eu arqueei uma das sobrancelhas em resposta. — Não me leve a mal, eu dormiria com você sem problemas. Quer dizer; você é muito bonita, mas eu não quero dormir com você agora, nem depois. Ah, eu quero dizer que quero que você descanse. — Ele falou se embolando o que me fez rir.

— Então eu sou muito bonita na minha pior versão? — Eu perguntei encucada com aquilo.

— Garota, se essa for sua pior versão, então eu não aguentaria ver a melhor. — Ele abriu um sorriso atraente e piscou para mim se levantando.

    Antes que eu pudesse falar algo ele saiu do quarto com a bandeja, eu não sabia se ele havia flertado comigo ou estava apenas levantando a minha autoestima. Mas a oferta de ser paga para ficar na cama me atraia, eu realmente não conseguiria trabalhar dessa forma e estava marcada demais. Os homens identificariam isso como um problema!

Eu continuei ali deitada pensativa sobre o porquê que um desconhecido queria tanto me ajudar, o fato de ele querer me pagar somente para cuidar de mim havia despertado algo que não sei reconhecer. Eu não sabia o que era ser cuidada e ter alguém se preocupando comigo desde quando eu era criança.

— Iai? Já pensou na minha proposta? — Ele entrou novamente e se sentou no banco ao meu lado.

— Por que está pagando para cuidar de uma desconhecida? — Perguntei confusa.

— Porque você precisa de cuidados e não tem ninguém que faça isso.

— Não é uma resposta plausível. — Falei o encarando.

— Seu nome é Ema. — Ele abriu um sorriso, — É tudo que eu preciso saber. — Quanto você cobra por um dia?

— Pelo amor de Deus. — Corri os olhos e voltei a encará-lo.

— Estou falando sério. — Ele riu.

— Não vou aceitar seu dinheiro. — Falei dando de ombros.

— Por que não? Isso é um negócio, para casa eu não vou te levar. — Ele falou me encarando.

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