Um desconhecido em minha vida
Um desconhecido em minha vida
Por: Nay Lisboa
Capítulo 01

Hoje, a noite era como quase todas as outras e significava que eu faria um bom trabalho e iria para casa mais cedo. Sorri para o garçom e pedi mais um copinho de vodca, assim que ele me deu, virei tudo de uma vez na boca e vou em direção à pista de dança. Quanto antes começasse antes eu terminaria.

— Oi. — Ouvi uma voz conhecida em meu ouvido.

— Oi Kevin. — Falei, me virando para ele com um sorriso de canto.

— Trabalhando hoje? — Ele perguntou já sorrindo.

— Você sabe que sim. — Falei no ouvido dele, pois a música estava alta.

— Então, posso? — Ele falou, esperando uma resposta com as mãos em minha cintura.

— Tudo bem. Desde que me pague, pode todos os dias. — Falei dando de ombros.

— Tá! Vamos para a minha casa. — Ele disse, me puxando pelas mãos e me guiando para um lugar que eu conhecia bem.

    Fizemos o mesmo de sempre e quando terminamos olhei a tela de meu celular em busca do horário, ainda eram uma da manhã, sorri ao me levantar.

— Para onde você vai? — Ele me perguntou.

— Para casa. — Falei dando de ombros e catando minhas roupas.

— Sabe que não precisa ir, está tarde. Fica e dorme aqui esta noite. — Ele falou ainda me encarando.

— Sabe que não durmo com meus acompanhantes, Kevin. — Falei enquanto vestia minha meia calça transparente.

— Não precisa ser fria comigo. — Ele disse desviando o olhar. — E sei que você tem outros homens, não precisa me lembrar. Mas, poderíamos mudar isso. Eu poderia te dar um futuro. — Ele falou.

— Não, não poderia. Eu já sei o que acontece depois do final feliz. Não sou mulher de coleira Kevin. Mas você é uma pessoa boa, poderia arranjar um compromisso sério. Você não precisa de uma garota de programa, eu realmente ainda não sei por que continua me procurando. — Falei suspirando.

— Porque não é só sexo, você tem coração. — Ele disse dando de ombros com um sorriso de canto. — Você não é só uma garota de programa. É uma mulher incrível e ainda não se deu conta disso.

— Tudo bem, vamos parar com esse papo meloso. Já vou indo.  — Falei pegando minhas coisas.

— Posso te levar se quiser. — Ele disse. — Não precisa ir andando a esse horário. — Ele disse se sentando e tirando os duzentos dólares da carteira.

— Não precisa meu bem, eu tenho uma faca e gosto de ir andando. — Falei. Em geral eu evitava que os acompanhantes fossem até a minha casa, mesmo sendo o Kevin. — Tudo bem então. Sei que você é cabeça dura e insistir é perca de tempo. — Ele falou me dando o dinheiro e abrindo a porta.

    Me despedi dele com um aceno de cabeça e me pus a andar, coloquei as mãos no bolso de meu sobretudo e segui em frente para a minha casa de cabeça erguida. Não é fácil para mim sendo mulher, andar pelas ruas sem medo do que pode acontecer às uma da manhã, não só pelos assaltos, mas pelo fato de ser mulher. Sei o que os homens pensam sobre mim, sei que sempre irão nos enxergar apenas como mero objeto sexual e isso me assusta muito. Ando a passos rápidos, sempre olhando para todos os lados, atenta a qualquer movimento suspeito. Passo pela orla da praia e por um momento, procuro esquecer-me tudo. “Você é uma mulher incrível.” As palavras de Kevin me vêm à cabeça, e meus olhos brilham de lágrimas, já escutei isso outras vezes de homens que prometeram mudar a minha vida, mas sei que não é possível. São promessas vazias, o Kevin não é uma pessoa ruim, mas ele é como todos os homens, pois se não fosse não me procurava. Por um minuto apenas eu me permito pensar no que eu seria se não fosse garota de programa e não tenho uma resposta, nunca me conheci como nada além disso! A vida foi dura comigo. Limpo as lágrimas e sigo caminhando, até que um pequeno grupo de moleques diminui a velocidade do carro bem a minha frente.

— Iai Gatinha. — Um deles ao volante fala comigo e o reconheço pela voz.

— Oi Jack. — Falo sem entusiasmo.

— O que faz aqui uma hora dessas? Sozinha e desacompanhada dessa forma? — Ele falou, ainda seguindo com o carro em baixa velocidade ao meu lado.

— Não é da sua conta, certo? — Falei revirando os olhos e seguindo meu caminho.

— Por que você não vem conosco? — Ele abriu um sorriso que dava para ver o tom de perversidade no canto de seus lábios.

— Porque eu não quero. — Falei, estava começando a ficar com medo e sabia o porquê.

— Para com isso, vadias como você não tem escolha. Eu pago o programa. — Ele falou enquanto os amigos riam com aquela demonstração de babaquice.

— Não, obrigada. — Falei começando a ficar de saco cheio daquilo.

— Sério? — Ele disse. — Deveria pensar melhor em suas escolhas.

— Olha, boa noite. — Falei apertando os passos e rezando para que ele não resolvesse continuar me seguindo. Contei cinco garotos dentro do carro, seria eu com uma faca contra cinco babacas.

— Espera aí sua vadiazinha, acha que pode me dar às costas assim? — Todos desceram do carro.

    Não respondi mais, só apertei os passos e continuei andando sem olhar para trás, não havia ninguém a minha frente e como sempre, eu temi pela minha vida.

— Por que você insiste em não aceitar um programa comigo? Não é esse o seu trabalho? Só por causa daquela vez? Ah Ema querida, eu e meus amigos vamos pegar leve dessa vez. — Ele falou um pouco alto.

    Ignorei novamente quando senti um forte aperto em meu braço me fazendo parar.

— Me solta, eu tenho uma faca e não acho necessário machucar você. — Falei rispidamente ao encarar Jack e seus amigos que agora quase me rodeavam.

— Você acha que consegue machucar cinco com uma simples faca? Você é louca, mas até que sua gostosura compensa. — Ele falou abrindo um sorriso.

— Você é um babaca. — Falei pegando a faca quando ele tentou tirá-la da minha mão, eu tive que ponderar entre enfrentar o pior calada, ou enfrentar o pior fazendo pelo menos alguns estragos. Antes que isso me acontecesse, fui em cheio no braço dele abrindo um corte, mas isso não o segurou. Os amigos dele me seguraram.

    Eu já sabia o que aconteceria a partir dali, já sabia no que daria e sabia também que havia sido teimosia minha resolver ir para casa sozinha aquele horário da madrugada. Mas é que às vezes cansa o fato de termos que depender das mesmas criaturas que nos amedrontam. Senti os dois socos que ele desferiu em meu rosto enquanto seus amigos me seguravam, lutei para me soltar, mas não adiantou de nada. Ele se divertia enquanto batia em mim e seus amigos o olhava admirados, como se aquela demonstração fosse um ato de nobreza. Senti um puxão de cabelo por trás.

— Já podemos brincar com ela? — Um dos garotos falou enquanto segurava meus cabelos.

— Ah, você vai ter o que merece querida. — Ele falou enquanto abria meu sobretudo ali mesmo no meio da rua.

    Eu estava com uma roupa por baixo, um cropped, uma saia e uma meia calça. Fechei os olhos e me forcei a não pensar em nada. Estava fraca demais para isso e podia sentir o gosto do meu próprio sangue. Ele estava me guiando até o seu carro...

— O que vocês estão fazendo? — Escutei uma voz ao longe. Tentei me virar para olhar e vi a sombra de um carro parado a minha frente e um homem que eu mal conseguia enxergar.

— Não é da sua conta cara, segue seu caminho. — Um dos garotos falou.

— Soltem a garota agora. — Ouvi novamente a voz do rapaz falando.

— Ela é só uma prostituta e estamos nos divertindo, não é Ema? — Jake falou rispidamente com um sorriso debochado no rosto.

— Eu tenho certeza que isso aí, não foi consensual. Agora eu vou ser mais claro, eu já chamei a polícia, fiz questão de antecipar então se vocês não a largarem, em questão de minutos a viatura irá aparecer e vocês vão para a cadeia que é o lugar onde babacas como vocês merecem estar. — O homem falou com um tom de voz firme.

— Ele está blefando. — Ouvi um dos meninos sussurrarem.

— Vamos pagar para ver então né? — O cara falou estacionando o carro.

— Vamos galera, você tem sorte Ema, mas isso ainda não acabou. Fica aí com seu homem da vez. — Jake cuspiu as palavras enquanto se afastava e entrava em seu carro.

    Eu caí no chão após eles me soltarem sentindo uma dor que parecia dilacerar meu corpo, tossi e sentindo meu peito queimar, minha boca ardia por causa dos socos e em meus braços tinha a marca das mãos dele. Meus olhos encheram de lágrimas e eu respirei fundo. Senti mãos firmes me carregarem e me colocarem no assento do carro. Eu poderia lutar e estava morrendo de medo, existem homens maus a cada esquina. Mas eu nem tinha forças, então se eu fosse ser estuprada que fosse por um só, no fundo, eu já estava acostumada.

— Vou te levar para o hospital, tudo bem? — Ele disse enquanto colocava o cinto em mim.

— Não, por favor. — Eu falei me esforçando e tossindo. De humilhações, já bastava.

— Por que não? — Ele falou me encarando com uma expressão preocupada no rosto enquanto dava partida no carro.

— Sou... Uma garota de programa. — Respirei fundo. — Vão me machucar ainda mais. — Falei fechando os olhos e reprimindo a dor daquelas palavras.

— Você está muito machucada. — Ele falou preocupado.

— Por favor... — Eu estava tentando falar, mas não consegui. Eu apaguei.

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