50 CHIBATADAS MAIS UMA

Diário: Numa tarde de sábado resolvi caminhar numa longa estrada com flores campestres de cada lado, até parecia que alguém as plantou e cuida de tamanha beleza. Não sei se foi coincidência ou providência Divina, Thabó me aparece com a carroça indo num antigo plantio buscar mudas de mandioca. Ao ouvir o atropelo do cavalo fiquei encostada para dar caminho e eis que surge a mais bela paisagem, Thabó conduzindo o cavalo na velha carroça entre as flores que no balançar assopradas pelo o vento exalou um doce perfume. Thabó freou o cavalo e perguntou-me o que eu fazia ali.

Respondi que estava apreciando as flores do campo. E assim, ele me fez o convite para acompanha-lo até o seu destino buscar mudas de mandioca.

-Não será perigoso? Alguém pode nos ver. ‘Um olho só’ esta disfarçando, mas está a nos espionar. Ana Clara.

- O meu destino é solitário, isolado e não demoro carrego a carroça com as mudas e voltamos. Deixo você aqui e termina de chegar a pé. ‘Um olho só’ está coordenando a colheita de café. Thabó.

E foi assim que Thabó me estendeu a mão para que eu subisse na carroça. E lá fomos nós com toda felicidade do mundo de carona conosco na carroça.

Thabó carregou a carroça com as mudas de mandioca e voltamos pelo o caminho cercado de flores, foi aí que o azar tomou o lugar de nossa felicidade de. Thabó resolveu frear o cavalo, apear e colher para mim algumas flores. Estávamos tão entretidos que não vimos que ‘Um olho só ‘passou pelo o treeiro entre as flores e a mata e nos viu. Fizemos como o combinado, Thabó me deixou antes da entrada do Engenho e foi embora rápido.

-Vou deixar você aqui, Ana Clara. Vai embora rápido para o casarão. Já vai escurecer. Cuidado com animais selvagens.

-Sim. Eu vou rápido. Temos que tomar cuidado com ‘Um olho só’. Até Thabo! Adorei o passeio.

Já estava para escurecer. Assim que aproximei do jardim, na frente do casarão, alguém segurou forte a minha mão. Olhei assustada e na penumbra, entre o fim de tarde e o inicio da noite, lá estava ‘Um olho só’. E o que ele fez, eu aprendi no colégio interno que se chama ‘chantagem’.

-Onde pensa que a sinhazinha do papai vai? ‘Um olho só’.

-Me solta, ou vou gritar. Ana Clara.

-Grita. Grita e aí eu já falo para o coronel dos seus passeios ás escondidas com o nego Thabó. A não ser que eu recebo em troca de meu silêncio algum agrado. Algumas moedas, quem sabe um carinho, se nego Thabó recebe carinho eu também posso... É pegar ou largar. Eu dou um tempo. Se a Sinhazinha não me fizer um agrado eu vou ser obrigado, por lealdade, contar o que eu tenho visto para o coronel Antero. ‘Um olho só.

-Faça o que quiser! Seu... Ana Clara.

Saí rápido de perto daquele ‘ coisa ruim’.

Mas eu precisava pensar numa forma de pagar pelo o silêncio de ‘Um olho só.

O azar duplicou, quando meu pai viu da sacada do casarão que ‘Um olho só’ estava a me dar uma lição. Só que a esperteza no meu pai é o que não falta. Ele não me falou nada e já foi perguntar o que era ‘aquilo’ que ele viu para ‘Um olho só’ que não quis ficar mal com o coronel e deu com a língua nos dentes em meu desfavor.

No dia seguinte, descendo as escadas para o café da manhã, meu pai estava no final da escada com as mãos para trás.

Assim que eu pisei abaixo do ultimo degrau, coronel Antero me pegou pela a mão e já saiu me arrastando rumo ao tronco, próximo da Senzala. Sabina ainda saiu atrás implorando para que meu pai não fizesse isso, que era pecado. E que Thabó só havia me dado carona por já está escurecendo.

-Cala a boca escrava velha! Senão vão sobrar umas chibatadas para você também. Coronel Antero Ferrão.

O meu pai, o rico e poderoso coronel Antero Ferrão tinha espuma no canto da boca, como um cão raivoso e os seus olhos estavam saltando para fora de tanto ódio.

Aproximando do tronco eu avistei Thabó que já estava com as mãos presas no tronco, abraçando-o. E lá estava o ‘coisa ruim’ do ‘Um olho só’ me aguardando. O dia estava a chorar por nós dois, o vento frio e lento mal balançava as flores e a chuva fina parecia lagrimar numa manhã de pavor, dor e tristeza.

Ao amarrar as minhas mãos no tronco, eu de um lado e Thabó do outro. Eu cuspi na cara desse que infelizmente eu chamo de pai e o excomunguei.

-Deus e a virgem Maria vão lhe dar o castigo merecido. Esse dia há de chegar.

-Mas, agora, é a filha desobediente e um negro safado que vão receber o castigo merecido. ‘Um olho só’, preste bastante atenção para não errar. Eu vou contar as chibatadas. Vinte e cinco em cada um.

Eu ouvi o choro de Sabina e as suas orações pedindo clemencia Divina e senti que Thabó encostou a sua mão na minha mão presas ao tronco e então o meu pai gritava: Uma! E ‘Um olho só’ descia a chibata com toda força nas costas de Thabó. Duas! Aí era a minha vez de receber a chibata nas minhas costas nua, uma vez que meu pai havia rasgado o meu vestido. E assim, sucessivamente, recebemos vinte e cinco chibatadas cada um, mais tarde eu fiquei sabendo que eu desmaiei e Thabó começou a implorar que batesse só nele e parasse de me bater, então, meu pai ao chegar nas cinquentas chibatadas gritou:

-Cinquenta chibatadas mais uma! Nesse negro desgraçado! Deixe-os aí ‘Um olho só’ que lá vem à chuva e quem sabe não lava a falta de vergonha dos dois.

Acordei com Sabina e os outros escravos nos tirando do tronco. Levaram-nos para a Senzala e velho preto Curandeiro ferveu ervas e plantas e colocava ‘emplasto’ de folhas nas feridas de nossas costas.

-Cuide de meu filho e de minha Sinhazinha preto Curandeiro. Eu já vou indo cuidar de meus afazeres no casarão, antes que sobram chibatadas para eu também. Mais tarde eu venho trazer umas cobertas para sinhazinha e uma forte canja de fubá. Eles vão ter muita febre.

Eu acordava, olhava para Thabó ao meu lado e adormecia novamente de tanta dor.

Ficamos deitados nas esteiras de taboca e sob os cuidados do velho preto Curandeiro uns quatro dias. Isso porque nós contamos com a cumplicidade dos dias chuvosos, ao contrário, Thabó teria que ir para a lida com as costas feridas.

Estávamos quase recuperados, Sabina veio me buscar para o casarão, cumprindo ordens de meu pai.

-Eu não quero voltar para casa, agora, Sabina. Ana Clara.

-São ordens do coronel. Disse que se eu não te levar, eu vou apanhar que nem uma cadela. Sabina.

-E Thabó?

-Deixa que eu cuido dele. Ele já tem que voltar para a lida. Mas eu vou trazer canja de fubá para ele todo final de tarde e velho preto Curandeiro vai dar lhe de beber chá curativo. Sabina.

Ainda me sentia zonza e com dor na alma, mas tive que voltar para o casarão, para evitar que Sabina recebesse um castigo.

Sabina me banhou na água com sal e pétalas de rosas brancas e me pôs para dormir. Fiquei alguns dias sem descer para fazer parte das refeições, eu não conseguia sentar a mesa junto de meu pai.

Todas as manhãs eu fico na janela de meu quarto até ver Thabó passar. Só podemos, durante um tempo, abanar as mãos um para o outro.

Numa noite dessas ouvi os passos de meu pai aproximando da porta de meu quarto, cobri-me e fingi que dormia um sono profundo.

A virgem Maria que me perdoe, mas não estou preparada para por os olhos em meu pai. Eu senti quando ele passou a mão em meus cabelos e falou baixinho:

-Ela ainada está frágil por causa das chibatadas, a falecida mãe dela deve de ter me amaldiçoado por isso, mas foi por uma boa causa. Agora deve de deixar de ter amizade com aquele negro Thabó. Eu vou ter que espera um pouco para marcar um jantar de noivado. Não posso apresentar para pretendente nenhum uma noiva com essa cara abatida. Vou falar para Sabina abater e fazer umas sopas de galinha, assim ela melhora essa aparência.

Depois que eu ouvi a porta se fechando e os passos de meu pai se afastando eu peguei o meu Rosário e fui orar a Deus e Virgem Maria para que apontasse uma possível solução para o nosso amor impossível e que protegesse a mim e a Thabó das crueldades de meu pai e de ‘Um olho só.

Catarina Diniz Sá: Eu sinto muito, mas além das páginas do diário estarem frágeis, amareladas eu ainda deixei que minhas lágrimas pingassem sobre algumas letras. Os homens daquela época não tinham coração, humanidade e com toda certeza não conhecia o que era o ‘amor’.

Ana clara ficou entre a crucificação e a ponta da espada. De um lado a chantagem do capitão do mato que exigia bens ou até uma possível relação, ou algo assim. Do outro lado a crueldade do pai, coronel Antero Ferrão que com o aval da informação de ‘Um olho só’ que eu penso que pode até ter acrescentado mais alguma coisa. Quanta barbárie! Contar as chibatadas que feriam as costas da própria filha e ainda acrescentar mais uma nas costas de Thabó por querer poupar Ana Clara que já havia desfalecido de tanta dor.

Eu não aguentaria receber vinte e cinco chibatadas nas costas. Pobre Thabó e Ana Clara! Eu fico para entrar, de alguma forma dentro da narrativa do diário e fazer parte da triste história para ajuda-los de alguma maneira. E por pouca ‘coisa’ a escrava Sabina fica a mercê de ser castigada, de tomar chibatadas. Quanta leviandade em ir certificar se a filha estava com boa aparência para marcar o jantar de noivado com um pretendente que o pai que escolheu. Eu preciso encontrar ‘forças’ para prosseguir com a leitura do diário de Ana Clara.

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