Capítulo 5

Theodore ainda não havia deixado Berany. As estradas estavam muito molhadas para facilitar uma partida imediata após sua entrevista com aquela mulher, Sra. Belovica. Os riachos e canais locais eram muito altos. Várias das pontes que ele precisaria cruzar foram tornadas intransitáveis ​​por uma tempestade que ocorreu dias atrás, alguns quilômetros para o interior, cujos efeitos só agora estava visitando sua destruição na pequena cidade e suas áreas periféricas.

Essa, é claro, foi a explicação de porquê ele, em contraste, experimentou poucas dificuldades em sua jornada para Berany. Havia um pouco de lama e um dos cavalos havia atirado uma ferradura, mas, fora isso, nada mais do que um pequeno inconveniente havia prejudicado seu avanço.

E ele queria retornar o mais rapidamente para casa, consultar seus advogados e definir uma maneira de calar aquela mulher. Voltar para seu escritório e poder acomodar-se com maior conforto em seu escritório, com seu teto pintado com todos os tipos de criaturas angelicais rechonchudas, seus sorrisos grotescos que refletiam em sua própria cabeça, e a de seu pai antes dele, desde que sua mãe encomendou a horrível obra de arte cerca de três décadas antes.

E agora, o dono da pousada, Sr. Peeche, - que se tornou o mais irritante das pessoas no momento em que o brasão da carruagem de Theodore, com o conteúdo de sua carteira, tornou-se conhecido do homem odioso, - não fez nada além de protestar contra os planos de partida de Theodore. Certamente, ele deveria ficar por pelo menos mais uma noite, possivelmente duas, até ter certeza de que todas as estradas para a Capital estavam transitáveis ​​novamente.

Todas as pessoas na estalagem pareciam estar em conluio umas com as outras. Os rapazes do estábulo relatando que sua carruagem precisava de conserto, que um dos cavalos apresentava sinais de claudicação, as criadas insistiam que ele precisava trocar de quarto, que os ratos haviam entrado e ele ficaria mais confortável em outro andar. E tudo isso enquanto o Sr. Peeche acrescentava itens à conta: outra refeição, um novo conjunto de lençóis para a nova cama, mais duas colheres de carvão para o fogo…

Theodore sentou-se em uma sala de estar privada na parte de trás da pousada, um espaço que se parecia mais com um armário espaçoso do que uma área destinada ao conforto de uma pessoa adulta, seu chá já estava frio quando pegou a xícara; deu um longo suspiro. Poderia chamar alguém para trazer uma nova xícara, mas sem dúvida o avarento Sr. Peeche acrescentaria mais esse item a conta - chá de qualidade sendo uma grande despesa -, e seria esperado que colocasse uma gratificação na palma da mão de qualquer empregado que se encarregasse de lhe servir.

Ele fez uma terceira tentativa de ler o mesmo jornal que vinha alimentando. Uma leve batida na porta interrompeu esse raro momento de lazer e, devido ao pequeno tamanho da sala, ele teve poucas chances de fingir que não estava ouvindo. Ele os deixou entrar e se recusou a desviar o olhar do jornal enquanto o rosto vermelho do Sr. Peeche enchia a sala.

— Me desculpe, meu lorde, — Tentou fazer uma reverência, mas somente conseguiu derrubar uma mesinha decorada com bugigangas vulgares e baratas. Theodore sacudiu o jornal revirando os olhos, enquanto ele desculpava profusamente tentando consertar as quinquilharias do chão. Quatro estatuetas medonhas despedaçadas. Ele não ficaria surpreso se elas não aparecessem em sua conta como os exemplos mais preciosos da antiguidade Jongguô.

— Sim?S

Sr. Peeche continuava a mexer na mesa agora vacilante.

— O senhor tem uma visita, meu lorde. — Continuou antes de colocar um livro sob uma das pernas tortas da mesa e recuar para examinar sua obra.

— E quem? — Theodore se endireitou na cadeira. Havia apenas uma pessoa com quem ele interagiu desde sua chegada e ele se perguntou se uma apenas noite trouxe, finalmente, Sra. Belovica ao seu ponto de vista das coisas.

— O reverendo Dung, meu senhor. Veio prestar seus respeitos, tenho certeza. — Respondeu o homem pegando a ponta do seu avental sujo e limpando a testa suada. - Ele pede apenas um breve momento de seu tempo.

Sabia que sua presença nesta pequena cidade não passaria despercebida, amargurou-se Theodore. Sua carruagem ostentava seu brasão e, somente por esse detalhe já era algo que lhe denunciava indefinidamente.

— Mande-o entrar.

— E… - Sr. Peeche olhou para a xícara de Theodore. — Um pouco mais de chá, talvez? Ou alguns pães, ou um pouco de queijo…

— Sem bebidas ou comida. — Interrompeu. — Temo que reverendo Dung não ficará o tempo suficiente para desfrutar de qualquer alimento que você possa trazer.

Sr. Peeche fez uma reverência e saiu da sala, sua mão procurando cegamente a maçaneta antes. Mas a pausa de Theodore foi curta. Menos de um minuto depois, uma figura alta, vestida da cabeça aos pés em vários tons de preto, entrou na sala.

Theodore foi levado a uma antipatia imediata. Era algo sobre os olhos do homem, decidiu. O brilho tacanho neles não combinava com a expressão de seu rosto comprido e angular.

— Bom dia, meu senhor. — Reverendo Dung abaixou a cabeça e os ombros em uma reverência lenta, enquanto sua voz - deliberadamente estridente — reverberava em todos os cantos da minúscula sala. - Quão condescendente de sua parte permitir que uma pessoa tão humilde como eu se intrometa em seu tempo de lazer. Sabe, muitas vezes digo aos meus paroquianos para encontrar um momento de silêncio durante seus dias ocupados, apenas um ou dois minutos, sentar e refletir sobre as glórias desta vida, um presente de nosso Senhor para nós. Mas frequentemente…

Theodore enfiou a mão no bolso do colete enquanto o discurso continuava. Recuperou o relógio de bolso e olhou a hora. “Bom dia”, o reverendo havia dito, mas sem dúvida já teria passado do meio-dia quando o homem terminasse de se deliciar com o som de sua própria voz.

— Ah, sim. Claro. — disse assim que detectou uma calmaria no monólogo do reverendo. — E suponho que você esteja aqui em alguma missão de beneficência divina? Livros de oração para os pobres, sem dúvida. Ou pedaços extras de carvão para as viúvas?

Reverendo Dung curvou-se novamente, desta vez indo tão longe a ponto de colocar um pé na frente do outro antes que a parte superior de seu corpo rangesse para frente.

— O senhor me faz um elogio muito grande, meu senhor, ao assumir que todos os meus esforços terrenos são para o bem-estar daqueles menos afortunados do que o senhor e eu. Na verdade, a situação é um pesar muito grande e está sempre em meus pensamentos, mesmo agora enquanto estou aqui diante do senhor. Mas devo confessar que minha presença aqui se refere a questões mais sociais. 

— Entendo. — respondeu com cuidado. Agora haveria um convite. Para um chá ou talvez até mesmo para um jantar, acompanhados pelos sermões untuosos do reverendo e convidados. — É uma pena eu partir para a Capital esta tarde. Mas se você me der suas instruções, tenho certeza que minha secretária pode providenciar para que uma doação seja feita a qualquer instituição de caridade que considere adequada.

— Oh, isso é muito generoso de sua parte, meu senhor. Muito generoso! — Isso foi seguido por outra reverência durante a qual Theodore se levantou.

— Se me permite… — começou e acenou com a cabeça em direção à porta.

O reverendo franziu a testa em confusão, antes que percebesse estar sendo dispensado.

— Ah, claro, meu senhor. Mas, eu queria perguntar ao senhor e tenho certeza que não é da minha conta, no entanto… o que o trouxe a caminho de Berany em primeiro lugar, meu senhor?

     Theodore parou perto da porta. Seus ombros enrijeceram enquanto seus dedos se apertavam ao redor do metal áspero da trava.

— Você está correto, reverendo. Não é da sua conta.

— Me desculpe, meu senhor! — gritou, e continuou a pairar no fundo, enquanto Theodore caminhava para o corredor mal iluminado. — Minhas mais sinceras desculpas, meu lorde! É só… bem, quando me chegou a notícia de que sua mais elegante carruagem havia sido vista na casa da viúva Belovica, achei que era meu dever vir aqui e dar um alerta.

Theodore se virou tão rapidamente que o reverendo quase tropeçou nele.

— Contra o quê?

O reverendo deu um passo para trás e começou a esfregar as mãos. Foi um gesto que Theodore associou a um sentimento de alegria, e se perguntou o quanto este “Homem de Deus” se deliciava com a oportunidade de contar histórias sobre os vários habitantes de sua paróquia.

— É uma senhora abandonada pela irmã, meu lorde. Suspeito, que pode ter sido devido a algum modo de vida impudico, considerando o caráter da viúva.

Theodore olhou para o homem com desgosto renovado, mas lutou para manter suas feições o mais suaves possível.

— E é sobre essa mulher que você se sentiu compelido a me alertar?

— A viúva, — inclinando-se para a frente, sua voz baixando para um sussurro exagerado, — ela se apresenta como uma viúva, mas não há menção da família de seu falecido marido, ou de onde ele deveria ter vindo. — Ergueu as sobrancelhas. — E a irmã, devidamente casada, uma santa, alma mais generosa não há, — acrescentou com o mesmo brilho avarento do início — a deixou aqui para evitar escândalos!

— E… o que o leva a acreditar que a Sra. Belovica está dando uma falsa impressão de viuvez? — a imagem dos cabelos ruivos e um par de olhos ferozes brilhando para em tons de dourado e avelã, surgiu em sua mente.

O reverendo soltou um suspiro pesado.

— Não há menção da família de seu falecido marido, e ela é sempre muito vaga quando se trata de revelar onde residia antes de vir para cá. Claro, sua irmã também não tocava no assunto, e detinha um semblante pesado… — apiedou-se — Isso leva alguém a pensar, meu senhor, que a criança não encontrou seu caminho para este mundo sob a bandeira da legitimidade. E vê-la exibir a criatura…

Theodore respirou profundamente por um momento com os olhos fechados.

— Devo confessar, — continuou e balançou a cabeça — que o Senhor em sua sabedoria, não achou por bem me abençoar com uma filha. Mas quando dou testemunho desta suposta Sra. Belovica desfilando pela cidade, como se a criança em seus braços não fosse… — fungou, seus olhos se fechando como se a mera imagem que ele conjurou com suas palavras fosse demais para suportar. — Há ocasiões em que sou grato por não ter nenhuma filha para ser estragada por um exemplo tão pernicioso.

— Entendo. — Desviou o olhar do homem, como se entediado de repente com toda a conversa. Sua irritação, no entanto, mal estava sendo controlada. O reverendo havia se referido ao bebê como uma criatura, relegando-o a um status inferior ao de humano. E tudo porquê? Porque alguma garota havia se apaixonado pelos encantos de seu irmão? E quanto a “santa” irmã da Sra., Belovica? Aparentemente não ajudou muito quanto a reputação da irmã. — Bom dia para você. — Finalizou e passou pelo homem sem outro olhar.

E o que ele disse sobre a Sra. Belovica? Que ela estava exibindo a criança? Como? Por não fixar residência em uma caverna desabitada para evitar que os habitantes da cidade façam mais boatos sobre ela e o comportamento pernicioso da criança?

Theodore voltou para seu quarto no terceiro andar e permaneceu calmo enquanto trocava o casaco, ajustava as dobras da gravata, pegava o chapéu e as luvas. Continuou a mantê-la descendo as escadas, ignorando as perguntas do Sr. Peeche quanto às suas intenções e definindo o curso para a casa da Sra. Belovica.

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