Capítulo 3

Havia uma quantidade excessiva de cartas deslizando para fora de suas pilhas bem organizadas à mesa de Theodore, na Capital. A maioria era convite, um fato que o irritou infinitamente. Bailes, encontros, festas e chás da tarde, onde se esperava que lidasse com as atenções de um grande número de mulheres das quais mais pareciam abutres atrás de uma boa presa.

Ele pegou a pilha de cartas e as jogou no lixo insatisfeito. A pilha tinha letras muito finas e floridas, aroma perceptível que emanava do papel, como se tivesse sido polido com água de rosas antes de ser enviado, o que já lhe dizia sobre o conteúdo. Theodore entendia o interesse delas por ele. Ele era um nobre solteiro e possuidor de uma grande fortuna. Um nobre herdeiro e poderoso com muitos contatos. Era sinônimo para todo tipo de evento e convites dos abutres que desejam um pouco de sua influência e riqueza.

E todos os respeitavam. Sua família era uma família ancestral que ajudou na manutenção do país. E claro, ele precisava manter sua reputação impecável!

E aqui estava ele. Em um lugar esquecido por Deus, numa cabana imunda e caindo aos pedaços falando com uma farsante, se não a julgar meliante, na tentativa de cobrir o desvio de caráter de seu irmão com alguns ouros.

— Quinhentas rupiahs anuais. — Theodore terminou de falar.

— Quin… quinhentas rupiahs? — Repetiu e lutou para entender o que ele estava dizendo, amaldiçoando seus pensamentos nômades por tê-la deixado perder o início de seu discurso.

Theodore acenou com a cabeça.

— Isso deve ser mais que suficiente para cobrir quaisquer despesas acumuladas pela criança.

— O que o senhor está dizendo exatamente?

— O custo de sua educação também terá que ser discutido. — Continuou como se não quisesse parar agora que tinha toda a sua atenção. — E, claro, assim que ele terminar os estudos e encontrar uma ocupação, haverá uma anuidade acertada… Bem, tinha planejado que fosse para a mãe do menino, mas tenho certeza de que conseguirei descobrir algo que irá satisfazer todas as várias partes envolvidas.

Priyanka recostou-se na cadeira, as costas altas de madeira pressionaram com força suas costas. Olhou para esse marquês Davoglio, para seu cabelo escuro e seus olhos, tão parecidos com o gelo, que a aborreceu olhar para eles por muito tempo. E então, deixou seu olhar descer, para a linha forte de sua mandíbula, tocada pela sombra tênue de uma barba que ele deve ter se esquecido de fazer antes de vê-la. Ele parecia cansado, esgotado da viagem, mas ainda havia uma rigidez que não o fazia querer se dobrar sob quaisquer condições.

Seu olhar agora voltou-se para suas mãos, os dedos batendo em um ritmo constante no tampo da mesa. Vestido em roupas finas e bem costuradas, com uma cor viva, mesmo que ainda em tom escuro, diferente da que ela própria usava, uma cor desbotada e gasta contrastava com a cor de sua própria pele.

Priyanka moveu as próprias mãos em sua direção e juntou os dedos. O contraste entre a condição de suas mãos era quase cômico. Enquanto as dele eram lisas, as unhas bem aparadas e exibindo os sinais óbvios de uma manicure normal, a pele dela estava vermelha e seca, os nós dos dedos racharam e descamaram enquanto suas unhas foram roídas até o sabugo.

Ele nunca tinha trabalhado. Trabalho não físico, pelo menos. E aqui estava ele, oferecendo-lhe mais dinheiro do que sua família vira em décadas, e para quê? Seu olhar voltou para os olhos daquele homem, aqueles fragmentos de cor cinzenta e fria que a observavam, esperando por sua resposta.

Priyanka se perguntou se ele também estava nervoso, se ele tinha que lutar para esconder todo e qualquer sinal de fraqueza. Mas não. Este era um homem que não vacilaria em seu propósito e ela entendeu que ele queria algo. Este não foi apenas um presente, dado pela bondade de seu coração. Este era homem que provavelmente vivia através de negócios e transações. Este era um homem que não daria, a menos que esperasse algo em troca.

— Quinhentas rupiahs. — repetiu ela novamente, até mesmo as palavras soando como uma extravagância em seus lábios. — Isso é… — “Inconcebível”, pensou. — Muito generoso. — O observou. Um canto de sua boca se ergueu com uma sugestão de leve sorriso. Ele pensou que tinha vencido.

— O menino é filho do meu irmão. — Theodore apontou. Priyanka lutava para manter a respiração regular, os nós dos dedos apertados enquanto ela apertava as mãos, a pele vermelha e rachada ficando mais pálida diante de seus olhos. — Não importa a ignomínia que acompanhe os fatos de seu nascimento, ele ainda é um membro de nossa família, e eu não o veria privado do que é devido como tal.

“Não importa a ignomínia que acompanhe os fatos de seu nascimento…” Nunca ouvira a palavra “bastardo” declarada em termos tão floreados. Agora, não era somente a irmã quem ela deveria proteger, mas também este pequeno ser, que ainda nem conseguia andar ou comer por conta própria e era tratado como um ser sem valia.

— Quinhentas rupiahs… — Fez uma pausa dramática. — No entanto, não posso deixar de me perguntar, o que se espera da nossa família em troca?

Viu suas narinas dilatarem quando ele respirou fundo, mas tudo o mais em sua expressão parecia cuidadosamente desenhado para mostrar que ela não o pegara desprevenido.

— Eu não sei o que você quer dizer. Eu simplesmente quero o que é melhor para a criança — Emendou.

Priyanka começou a rir, no início, de maneira lenta e gradualmente mais forte e histérica que Theodore se perguntou se estava louca. Ela não conseguia mais controlar seu próprio nervosismo. Seu corpo não mais lhe respondia corretamente.

— Já tive o suficiente disso, então, como um nobre que o senhor é, — enfatizou de maneira sarcástica — sejamos honestos uns com os outros.

Theodore estreitou os olhos com raiva.

— Você admite que ele é seu sobrinho?

— Neville é MEU FILHO. E não é você nem ninguém que irá mudar isso!

Theodore sentiu que aquela conversa não levaria a lugar nenhum. Estava realmente cansado e queria resolver esse problema o mais depressa para voltar a sua casa, tomar um bom banho e finalmente poder relaxar. Impossível com o temperamento dessa mulher, pensou ele. Priyanka observou o que parecia uma batalha travada atrás de seus olhos. Um minuto se passou, ou talvez mais, e Priyanka ouviu as gargalhadas ondulantes de Neville e Suzette chegarem até seus ouvidos do quarto acima.

— Muito bem! — Theodore se moveu para frente até que ambos os cotovelos descansaram na mesa e a posição de suas mãos combinou com as dela. — Não me interessa realmente quem é a mãe dessa criança… — Estas palavras fizeram Priyanka abrir a boca estarrecida e ele não deu espaço para que ela o retrucasse — e eu prefiro que você concorde com minhas condições antes que este assunto seja encaminhado ao meu advogado. Primeiro, que o menino nunca use o sobrenome do pai.

Priyanka lambeu os lábios, sua boca ficando estranhamente seca com a mudança repentina no tom da conversa. Ela estava para desabar. Sua cabeça, seus ouvidos, doíam e seus olhos começaram a marejar, a humilhação tomando conta de suas veias. E não queria demonstrar fraqueza. Ela não deveria demonstrar nenhum tipo de submissão. Deveria proteger seu sobrinho, não, seu filho e o que lhe restava de dignidade. 

Theodore respirou fundo novamente antes de continuar:

— Você não deve fazer nenhuma reclamação, pública ou não, sobre a ascendência do menino. Ninguém deve saber a identidade de seu pai, e se chegar a mim uma palavra de que você fez isso, então todo e qualquer pagamento para você cessará imediatamente, além de responderem perante à Corte. Claro, chegando a este ponto, será acusada de calúnia e difamação. Acredito que sabe qual seria o resultado. — Finalizou com um sorriso odioso.

Priyanka vagou seu olhar para baixo em direção à mesa, seu foco concentrado em um nó na madeira. Suspeitou que se ousasse olhar para o rosto do homem enquanto ele continuava a falar, ela poderia ficar tentada a jogar as panelas que descansavam limpas em sua pia.

— Algo mais?

— Você nunca deve ir à Capital, ou a qualquer uma das propriedades da minha família. O não cumprimento dessas condições significará…

— Um fim à mensalidade prometida e ida à Corte. — Terminou por ele. — Sim, sim, eu entendo.

— Então, Sra. Belovica, há algum comentário ou pergunta que possa ter antes de prosseguirmos com isso?

Priyanka precisou respirar profundamente para tentar manter um pouco da sua sanidade já perdida. Seu raciocínio estava turvo. Se não finalizasse aquela conversa ali mesmo, poderia vir a colapsar.

— Só uma coisa, — Sua voz soou tensa, entre os dentes cerrados. — Minha própria condição, na verdade. — Seus olhos retomaram a firmeza perdida e encontraram os dele. — E isso é que o senhor deve sair desta casa. Agora.

Theodore engoliu em seco.

— Sra. Belovica, temo que você entendeu mal…

— Não, — interrompe-o com veemência. — eu entendo perfeitamente bem. O senhor veio aqui de sua elegante casa banhada a ouro e prata ou de qualquer lugar que o senhor escolher para governar seu pequeno mundo perfeitamente organizado e acomodado, e insultou não apenas a mim e minha família, mas também a uma simples criança, alguém que não tinha controle sobre a ignomínia associada ao seu nascimento. E, acima de tudo, você optou por jogar um pouco de dinheiro na esperança de que o erro de seu irmão não se torne um escândalo que deve refletir mal para sua respeitável família. Agora diga-me, meu senhor, há mais alguma coisa que eu possa ter entendido errado?

Priyanka ouviu seu próprio coração batendo forte em seu peito, mais de uma vez, o barulho abafando o resto. Reconhecia aquele esse tipo de pessoa. Ela não era uma estranha para aqueles que tentaram enganá-la, e então soube, desde o primeiro momento que o marquês Davoglio colocou os pés dentro da sua casa, que ele não tinha chegado com nenhuma intenção além de obter algo que seria de benefício para ele e sua família desgraçada.

Priyanka se levantou, não disse mais nada. Na verdade, duvidava que tivesse coragem de falar outra palavra sem cair em uma ladainha de xingamentos e gritos. Ela simplesmente queria o homem fora de sua casa, fora de sua vista, de seus pensamentos para sempre.

— Sra. Belovica, — Theodore manteve-se calmo, mas queria simplesmente ignorar aquela mulher e a humilhar publicamente como uma plebeia insolente que ousou levantar a voz para um nobre. — talvez não esteja sendo razoável. Como não consigo um acordo com você, acredito que tratar deste assunto com a sua irmã seria mais viável…

Priyanka respirou fundo mais uma vez. Sim, ele poderia tratar do assunto com a irmã e ela certamente venderia o próprio filho. Causaria mal não somente a criança, mas a si própria por conta de míseras rupiahs. Mas também sabia que Adele preferiria morrer ao perder os privilégios que possuía como uma baronete. Sabia que caso o marido pedisse divórcio, estaria na lama e nem mesmo Priyanka poderia salvá-la. Por mais difícil que Adele fosse, Gustaaf a amava, no entanto, não toleraria traições. Por mais baixo no ranking que fosse ser uma baronete, poderia fazer parte do tão desejado círculo da nobreza, mesmo não sendo a mais alta.

— Vá em frente. — Enfrentou.

Theodore sentiu uma pontada de escárnio em suas palavras. Pensou então que a Sra. Bellini seria ainda mais difícil de lidar. O que ele poderia fazer naquele momento? Parecia uma batalha perdida. Seria melhor ir embora e pensar em outra forma de abordagem? De todo jeito, a mulher a sua frente não parecia se dobrar a qualquer um. E ele queria tratar desse assunto brevemente e mais simples possível. E naquele momento, era impossível. Se levantou e fez uma reverência, o gesto mais insultuoso do que se ele não tivesse feito nada.

Priyanka não o seguiu para fora da casa. O golpe pesado de suas botas quando ele saiu da cozinha, seguido pela batida forte da porta da frente, foi mais que ela precisava para confiar que ele havia sumido e esperava, que para sempre.

Não foi até que Suzette apareceu na porta da cozinha, com a mais dócil das posturas, que Priyanka percebeu não haver se movido de seu lugar.

— Senhora? — A pobre garota deu um único passo para dentro da cozinha.

— Neville? — Perguntou, sua voz quase um sussurro. — Como ele está?

— Dormindo em seu berço.

Priyanka assentiu, seus pensamentos em algum lugar distante.

— Bom. — Se mexeu o suficiente para dar um sorriso amigável a garota. — E obrigado, por tudo.

Suzette corou lindamente e deu mais um passo à frente.

— Está… está tudo bem? Aquele homem…

— Ele não vai mais nos incomodar. — disse, seu sorriso ganhando força. — Acredito que já está bom por hoje. Pode ir para casa. — Suzette piscou algumas vezes confusa, mas não contestou.

Teve toda sua energia drenada de uma só vez e seu corpo já estava dando sinais de colapso há um bom tempo. Priyanka precisava descansar. 

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