Capítulo 2

Ela não era nada do que esperava. Ele havia encontrado um bom número de mulheres iludidas por seu irmão ao longo dos anos. Esboçou o que supôs ser um retrato bastante preciso antes mesmo de sair da carruagem. A moça em quentão seria uma tola, mas com uma luz de avareza em seus olhos, olhos que ele esperava que brilhassem ainda mais assim que explicasse o que o trouxera até aquele lugar esquecido por Deus.

A viagem fora longa, e não havia nada além de chuva lama, estradas ruins e pousadas piores. Seu corpo doía e ele desejava mais do nunca fechar os olhos e voltar para sua casa, tinha a perspectiva de dormir em sua própria cama esta noite.

A observou atentamente, Priyanka pousando a bandeja de chá, com as mãos cuidadosas. Nenhuma vibração perdida, nenhuma atuação em seus cuidados. Passou uma xícara para ele, alisou o avental coberto de farinha e se sentou em uma cadeira de madeira a sua frente.

Theodore nunca vira gente como ela nos braços de seu irmão. Sua constituição era errada, muito larga nos ombros e mais larga nos quadris do que Tonny preferia. A cor de seus cabelos e as sardas em seu rosto… seu rosto. Agora havia reparado na cicatriz. Uma cicatriz fina e bem característica que lhe dava um ar bem mais maduro e sofrido. Uma cicatriz que de alguma forma desfigurava seu rosto…

Tonny detestava esse tipo de mulher. Não era refinada nem mesmo era bela. Seus modos eram duros e grotescos. E aqui estava ela, seu cabelo vermelho preso para trás em um coque, dando um aspecto de viuvez mórbida. E, além de tudo isso, havia algo mais, uma ousadia com a qual Tonny, na verdade, muito provavelmente teria sentido repulsa.

Por que Tonny queria ser bajulado. Seus flertes eram para com mulheres que o olhassem com adoração e lhe dissessem na voz mais irritantemente possível, que ele era sua lua e estrelas, na maioria das vezes enquanto a criatura pressionava seu amplo seio contra seu braço em um esforço para pegar melhor sua carteira direto do bolso.

Relembrando a conversa que teve em seu escritório na Capital, havia traçado um perfil desde o momento em que Rishi começara seu relatório: uma jovem baixa e ereta, seus cabelos longos, lisos e loiros como ouro, pele leitosa, boca macia e rosada, trajando o mais fino das sedas e tudo mais que estava na moda. Era o tipo de seu irmão, e Tonny nunca ousou se desviar desse modelo.

Então Theodore fechou os olhos, uma maldição bastante alta escapou em seus pensamentos. Ficou surpreso consigo mesmo por não perceber antes. Esta mulher, a irmã mais velha, deve ter reivindicado o bebê como seu para salvar a irmã de um escândalo.

Apostaria cada nota em seu bolso que a irmã era a mãe, e não aquela ruiva infernal em sua frente. A irmã mais nova não passava de uma adúltera. E seu irmão era o pior dos homens! Agora restava-lhe saber o que faria exatamente. Se abordaria a mãe falsa ali mesmo ou se tentaria algo com a irmã adúltera.

E, porque a irmã mais velha se sacrificaria a esse ponto? Sua irmã mais nova, Adele, que mora em Greenfield, e devidamente casada com um baronete, teria melhores meios de burlar a desconfiança do marido e assumi o filho como sendo dele. Ela não precisava fingir ser mãe do menino. E como viúva, não foram encontradas provas de um casamento ou da existência de um Sr. Belovica.

Tudo o que vinha dessa mulher era pura mentira. Isso o enervou ainda mais. Mas ele deveria saber. Desde o momento em que viu Priyanka, soube haver algum truque em jogo. Tonny nunca teria escolhido tal mulher, e Theodore ficou estranhamente aliviado ao saber que seu irmão mais novo não havia alterado repentinamente suas preferências. Pelo menos era uma coisa da qual ele ainda podia depender.

— Sra. Belovica… — disse arrogante por cima da borda de sua própria xícara — talvez devêssemos começar de novo, não acha?

— Começar de novo? — Suas sobrancelhas finas se juntaram em sua testa. 

— Receio ter chegado aqui com algum equívoco.

Ele sabia que ela atualmente morava em Berany. Que seu falecido pai, um barão só no título, falido depois de sua morte, foi um comerciante de cosméticos e perfumaria. Que vive de costura e não entra muito em contato com a irmã ou o marido da mesma.

Priyanka estava ansiosa. Imaginava ser algo relacionado a sua irmã e seu medo só crescia, pois, Adele fez outro absurdo que ela deveria apoderar-se? Pensou. Quando que Adele deixaria de usurpar sua moderada e quieta vida?

— Eu não entendo o que quer dizer.

Por um momento, ele não disse nada. A observaria se inquietar, observaria sua tentativa de jogar qualquer jogo que ela e sua irmã provavelmente usaram com seu irmão, e então destruiria sua fachada mal construída.

— Permita-me ir direto ao ponto, Sra. Belovica, você é ou não é a mãe do filho do meu irmão?

Obviamente, ele já sabia a resposta. Mas esperava que ela se contradizer. Esperava que seu ar altivo e insolente se desfizesse, mas para sua pura frustração, não testemunhou nenhuma mudança em sua compostura.

— Eu não sou. — disse com voz irritantemente calma e clara.

— E você saberia quem é?

Priyanka precisava se acalmar. Seu coração estava palpitando a mil em seu peito e ela precisou tomar outro gole de chá, ignorando-o propositalmente, para que ele não desconfiasse de seu nervosismo.

A pressão que ele fazia sobre si era atroz. Seus olhos cinzentos que mais pareciam gelos, sua insensibilidade e indiferença transparecendo em sua fala e gestos. E ela não poderia ir totalmente rude contra aquele homem. Afinal, ele era um nobre. Ele poderia simplesmente pedi-lhe sua cabeça em uma bandeja e a teria. Mas também, não poderia se rebaixar e dar o braço a torce só porque ele era alguém abastadamente forte.

— Talvez o senhor deva responder à sua própria pergunta, vendo como já sabe muito sobre a minha família.

Ele recolocou sua xícara na bandeja, tomando cuidado para não espirrar o líquido restante e se moveu para frente na cadeira. A coisa rangeu embaixo de si agonizante, a peça de mobília parecia prestes a desmoronar em uma pilha de estilhaços caso ele ousasse relaxar totalmente contra sua moldura.

 — Onde está sua irmã?

— Ah, então é algo sobre minha irmã.

— E ela seria a Sra. Adele Don Bellini, correto?

Os lábios dela se estreitaram por um momento. Um assunto delicado? Pensou. A observou quando ela alisava as mãos no avental uma segunda vez. Seus olhos firmes pareciam fugir, a luz da janela sem cortinas iluminando seu rosto, e as manchas de ouro e avelã que se entrelaçavam em sua íris.

— Acredito que se deseja conversar com minha irmã, deveria enviar um convite a ela em Greenfield.

Priyanka então se levantou, sem outro olhar em sua direção, e começou a recolher as coisas do chá.

— Se era somente isso, por favor, devo acompanhá-lo até a saída. — Ela o estava mandando embora de forma bastante rude. Simplesmente passou a erguer a bandeja da mesa e sair da sala, deixando-o boquiaberto atrás dela.

Foi um insulto, e inconfundível, por sinal. Theodore queria contabilizar isso como nada mais do que pura ignorância quanto à questão da etiqueta e modos adequados, mas ela não era a filha de um fazendeiro grosseiro, isolada da sociedade educada. Esta mulher, Priyanka… Havia uma suavidade em seus movimentos, deveria ter sido bem instruída na juventude. E ela simplesmente deslizou para fora da sala, sem se importar com o que ele deveria fazer agora que estava fora de sua vista. Isso não funcionaria. Ele pensou.

Theodore a seguiu pela porta de teto baixo e entrou na pequena cozinha. Priyanka estava de costas, portanto, não percebeu sua presença. Mas Suzette estava sentada à mesa, ajudando o bebê a tomar um gole de leite em um copo enquanto suas pernas curtas chutavam para fora de uma cadeira alta surrada.

A garota ergueu os olhos para ele, as mãos ainda imóveis no ato de levar a xícara à boca da criança, os olhos se arregalando com a aparição de Theodore na cozinha. O bebê, porém, parecia despreocupado com o visitante e aproveitou a oportunidade para agarrar a xícara mal cuidada. E então, houve um grito de alegria quando a xícara, e todo o seu conteúdo, se espalhou pela mesa e caiu no chão.

Priyanka girou com o barulho, sua atenção presa entre o bebê atualmente batendo as mãos em uma poça leitosa e o cavalheiro não convidado, de pé na outra extremidade.

— Aqui, Suzette. — Passou um pano seco para a garota e juntas começaram a limpar a bagunça antes que ela se espalhasse mais.

Theodore notou o olhar dela movendo-se rapidamente em direção a ele enquanto trabalhava, os músculos de seu pescoço e mandíbula ficando mais tensos à medida que esfregava o rosto do garoto que se contorcia e tentava enxugar um pouco do leite derramado da frente de suas roupas.

— Você faria a gentileza de levá-lo lá para cima e trocá-lo? — E Suzette pegou o menino gritando em seus braços e se moveu em direção à porta rapidamente, tomando cuidado para abrir um caminho largo ao redor de Theodore enquanto ela se esgueirava para fora da sala.

— Vejo que você decidiu ser persistente. — disse sem interromper o trabalho. Inclinou-se sobre a mesa, enxugando de ponta a ponta antes de voltar à pia para torcer o pano ensopado. — Tudo bem então. — Latiu, os braços cruzados sobre o peito e a boca fechada. — O que o traz aqui? O que você quer?

Você…? — Soltou indignado.

Theodore enrijeceu contra uma centelha de inquietação. Até este ponto, nada havia acontecido da maneira que ele imaginou. Priyanka, ela era muito direta, insolente e muito inteligente. E isso era o que mais o preocupava.

Pigarreou. Não imaginava que seria difícil uma simples conversa e acordo. Lidar com homens era mais fácil, pensou ele.

— A criança…

— Neville. — Corrigiu-o. — O nome dele é Neville, em homenagem ao meu marido. — Mentiu.

Theodore ficou estático por um momento. Nem em nas mais loucas desilusões imaginava que chegaria a esse ponto. Continuar mentindo, continuar fingindo, sua desfaçatez.

— Claro. — Inclinou a cabeça, mas não ousou tirar os olhos dela, nem por um segundo. 

— Eu ainda não consigo entender o motivo do senhor estar aqui, visto que seu interesse é para com minha irmã. — falou bruscamente, enquanto as próximas palavras dele ainda dançavam na ponta de sua língua. 

Theodore podia sentir seu temperamento começando a se agravar. Nunca se permitiu mostrar raiva na frente de uma mulher ou de qualquer outro, e ainda assim ela parecia ser a criatura mais irritante que já havia encontrado, quase como se tivesse sido projetada para dizer precisamente as coisas certas que iriam irritá-lo.

— Você realmente não sabe? Essa criança…

— Neville, você diz? — Corrigiu-o novamente, mas dessa vez em tom irritadiço. — O que o meu filho tem a ver com essa história entre você e minha irmã?

— Não existe história entre mim e sua irmã e sim, entre meu irmão e sua irmã! — disse, sua voz assumindo uma nota de advertência que ele nem mesmo pretendia.

— E o que eu e meu filho temos a ver com isso?

— Seu filho? Acredito que o correto seja filho de sua irmã…

Theodore estava se controlando ao máximo para não transparecer a raiva que estava lhe consumindo. Sua afronta, seus modos e suas mentiras para com um nobre eram inconcebíveis. Já Priyanka, não tinha mais controle sobre como levaria a situação. Não poderia simplesmente afirmar que de fato, era a tia do menino. Não queria ver sua irmã em um escândalo, o nome de sua família, que seu pai tanto se dedicou, jogando na lama e ainda, não queria que Neville sofresse qualquer tipo de hostilidade só por que é indesejado por aqueles que deveria cuidar dele.

— O simples fato de o senhor ter chegado hoje com um conhecimento prévio não apenas de nossos nomes, nossa localização, da existência de Neville e, sem dúvida, uma legião de outros aspectos triviais sobre nossa vida, me diz que o senhor foi muito bem em descobrir tudo o que pôde antes de viajar todo o caminho até aqui de… — Acenou com a mão direita em um círculo vago. — … onde quer que o senhor chame de lar. O que significa, sem dúvida, que o senhor queria ter a vantagem nesta discussão. O que também significa que provavelmente não vou me importar com o que quer que o senhor venha me dizer.

Theodore estarrecido, se perguntou se a mãe do bebê era tão enlouquecedora quanto a mulher diante dele, e como Tonny sobrevivera com sua masculinidade e sua sanidade intacta.

— Eu vim aqui com a intenção de falar com a mãe do filho do meu irmão. — disse entre dentes. Parecia que toda a sua confiança havia sido drenada, e a certeza que sentiu ao chegar aqui de que a questão da criança seria rapidamente resolvida — e em seu favor — foi habilmente destruída por cada palavra que saiu da boca dessa mulher.

— Pois o senhor teve todo esse tempo para nada. Não conheço seu irmão. E caso tenha algum assunto com minha irmã, peço que lhe envie um convite em Greenfield. Acredito que o senhor saiba o endereço. 

O coração de Priyanka martelou fortemente dentro do peito. Ela já não estava bem. Sua dor de cabeça aumentara, seus ouvidos zumbiam e acreditava que ficaria doente por algum motivo desconhecido. Não, o motivo era conhecido: aquele homem a sua frente. E não permitiria que ele visse o quanto ela estava com medo, embora o pânico que começara a crescer dentro dela estava agora se aproximando de um ponto que fez suas mãos tremerem.

Então ela colocou as mãos, uma em cima da outra, para melhor evitar que qualquer tremor traidor denunciasse seu estado atual de nervos. Que ele viera para levar seu Neville, não duvidava. E então, Neville não era dela, não realmente. Embora tivesse passado os últimos nove meses cuidando dele, ela sabia que a criança não lhe pertencia. Pelo menos, não de uma forma que qualquer tribunal ou documento legal reconheceria.

E ela, criatura estúpida que era, permitiu que sua raiva levasse a melhor e afrontou um nobre, ela, uma mera plebeia. Seu pai podia ter comprado o título, mas ao morrer e sem herdeiros homens, claro, não passaria para frente. Mulheres não herdavam títulos. E esse mero papel, não era o suficiente para lhe destacar como uma ‘Senhorita’, filha de alguém poderoso e rico. Sua afronta, poderia levá-la à corte, leva-la a morte! E não duvidava que Theodore soubesse que Neville não era seu filho. Na verdade, não ficaria chocada se o homem também soubesse que sua vida aqui em Berany como a viúva de Scales Oppo Belovica, não era nada mais do que uma encenação para salvar sua irmã da contaminação do escândalo.

Sua respiração parou em seus pulmões enquanto esperava que ele a contradissesse. “Eu tirar-lhe o menino”. Essas foram as palavras que tocaram repetidamente em sua mente, que lhe fragilizaram e então fechou os olhos, apenas por um momento, enquanto tentava empurrá-los para fora de sua cabeça.

— Ainda continuará com essa farsa de que essa criança é seu filho?

Ela engoliu em seco, uma ação que soou tão alta para seus próprios ouvidos, que ela pensou Suzette ser capaz de ouvir do andar de cima.

— Eu gostaria de abordar o assunto com a mãe da criança, que presumo ser sua irmã. — Continuou Theodore quando ela não fez menção de contribuir para a conversa. — Mas, creio que seria inviável, visto que você parece estar cuidando da criança e fingindo como sua.

Fingindo. Palavra simples e, ao mesmo tempo, dolorosa. Quando sua irmã bateu em sua porta aos prantos informando estar grávida, seu medo maior foi de ela tentar algo impensado contra aquela criança que ainda crescia em seu corpo. Medo não somente dela acabar morrendo, bem como da mancha na reputação da sua nova família e no nome de seu pai. Não queria que a mãe e o pai sofressem, mesmo depois de sua morte. Precisava preservar a imagem que sua família ainda possuía em sua terra natal.

Decidiu então, que tomaria toda a responsabilidade para si. Que dolorosamente iria mais uma vez, assumir a responsabilidade pelos atos de sua irmã como uma boa irmã mais velha e filha de sua mãe. Como sempre o fizera. Quando Adele precisava que ela assumisse a culpa, ela estava pronta para ajudar, como foi modelada para fazer. E houve algumas semanas, no início da maternidade, em que Adele adorou ser mãe. Mas, com o passar da novidade e o difícil trabalho de criar um filho, se tornou mais grosseira, suas queixas crescendo em variedade e frequência.

Priyanka lembrava daqueles dias. Ela lembrou de madrugadas quando Adele cuidava de Neville, mas imediatamente o colocava de volta em seu berço, onde ele chutava e girava, os gritos ficando mais altos, seu rosto ficando mais vermelho, seus olhos lacrimejando até que Priyanka pegasse o pequenino em seus braços. Durante aqueles meses difíceis, aprendeu a fazê-lo arrotar e a trocar suas fraldas. Descobriu quais músicas ele amava e quais faziam seu lábio tremer. Levou apenas alguns dias para aprender que ele gostava de ser carregado para a frente, para poder olhar ao redor com facilidade. Que gostava muito de doces e odiava legumes, e fazia uma careta engraçada quando era forçado a comê-los. E quando ele riu pela primeira vez, foi porque ela havia encontrado o local perfeito sob seu braço que, quando fez cócegas, provocou a mais alegre série de risos e soluços.

Um pequeno aceno de cabeça e Priyanka se forçou a voltar ao presente. Sentado à sua frente estava o homem que ameaçava tirar tudo isso dela, todos esses momentos, toda essa felicidade e ela seria uma idiota se permitisse.

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