Capítulo III

Simon parecia ter caminhado por toda a Inglaterra. Seus olhos totalmente inchados e sua postura relaxada deixavam seu semblante cansado totalmente deplorável. Observou a porta velha de madeira, enquanto batia com dificuldade.

— Vamos Robbie, eu voltei! Senhora Jones, obrigada por cuidar dele! — Simon, ainda sentindo seu corpo mais pesado que o normal encara a porta se abrir enquanto ele fala.

— Simon, você a encontrou? — Os olhos castanhos de Robbie pareciam mais melancólicos do que no dia anterior, quando foi deixado pelo irmão mais velho.

— Não Robbie, sinto muito, mas logo vamos encontrá-la, certo? Eu te prometo!

— Tudo bem. — Robbie sorri sem emoção.

Quando retornam para casa, Simon fecha a porta velha de madeira e caminha com irmãozinho até o quarto, onde somente uma cama velha, um armário quebrado e uma mesinha de madeira remendada compunham a mobília. Deixou Robbet repousar na cama pequena e se sentou na ponta, observando-o se aconchegar sob os lençóis em farrapos.

— Você acha que ela foi embora por que não nos ama mais? — Robert encara o irmão mais velho com dúvida.

— Não garotão, ela apenas se perdeu. A Lizzie nos ama, ela nunca nos deixaria!

— Você jura? Então tudo bem. Não quero que ela nos abandone também. Eu amo a Lizzie — murmura Robert, sentindo seu peito apertar e uma lagrima rolar por seu olhos.

— Não chora amigão, ela vai voltar. O papai e a mamãe não nos abandonaram, eles só foram morar no céu junto com Deus, para poder cuidar melhor de nós três! Eles estão cuidando da Lizzie, não se preocupa tudo bem? Agora vai dormir. — Simon se levantou, o cobriu e lhe beijou a testa.

Antes que pudesse sair, Robert o para.

— Conte-me uma história.

— Agora? Tudo bem, tudo bem. — Simon expira pesado e sorri, retirando a brochura de dentro das vestes.

— O que é isso?

— É um livro. Eu o encontrei junto destas roupas enquanto procurava pela Lizzie. O que acha? Gostou? — Simon se exibe, com um sorriso malandro nos lábios.

— Ficou ótimo, parece um lorde! — Robert não se contem ao rir.

— Certo, seu safadinho, agora preste a atenção.

Simon abriu o livro com a chave em seu bolso, mas antes que começasse a ler, percebeu que aquele não era um livro comum. Nele diversos trechos estranhos denotavam que aquilo na verdade era um diário. Simon não podia estar mais confuso com aquilo, afinal, que tipo de pessoa deixa o diário, algo tão pessoal, em um baú com roupas à vista de todos? Antes que Robert percebesse, Simon fechou a brochura e o encarou sorrindo.

— Parece que vai ter de dormir sem história hoje amigão, mas tudo bem, amanhã lhe conto duas, tudo bem?

— Certo, promessa é dívida!

— Eu juro! Agora vá dormir. — Simon lhe beija a testa e sai do quarto cautelosamente.

Ao retornar à sala, Simon se senta em uma das cinco cadeiras de madeira que rodeavam a pequena mesa de pinho, que agora tinha uma das pernas bambas. Acendeu uma lamparina e a colocou próxima a ele, passando a ler o diário devagar. Simon ficou completamente confuso e abismado com o que lia, sorria como se tivesse descoberto uma caixa com frutas e ouro. Logo batem à porta, antes de abri-la sem qualquer interferência de Simon.

— Ei, Simon? Ah, você está aí. O que faz sozinho aí?

— Jared, olha isso... Este é o diário do duque de Devonshire! — Simon ergue o caderno aberto, deixando uma carta cair sobre a mesa.

— O que é isso? — Jared aponta para o papel, enquanto senta-se a frente do amigo.

— Não sei, tem um lacre de cera azul aqui... Que desenho bizarro. — Simon encara o papel por longos segundos, como se procurando algo que o identificasse.

— Abra de uma vez!

— Espera!

Simon resmunga, encarando o amigo com uma expressão confusa. A medida em que rasgava o selo percebia que, gravado nele, haviam diversas cordas de tecido enrolados e letras entrelaçados em algo que parecia ser um escudo oval com topo reto. Notou as letras em tinta preta começarem a serem reveladas pela luz amarela da chama. Era uma carta de desculpas endereçada a um homem, que parecia estar o esperando faziam-se meses. O duque chamado, Gregory, logo se revelou ser um homem cauteloso e misterioso. Pelas páginas era possível entender sua natureza misteriosa e a razão pela qual nunca ninguém o via. . Muitos bispos vieram lhe ungir, banhar e cuidar, mas nem mesmo o melhor médico de toda Inglaterra pode salvá-lo. No fim, aos quatorze anos, desistiram e acusaram-no de impuro e de estar sendo punido por Deus por seus pecados abomináveis. Desde então, ninguém, a não ser os servos de sua casa, o viam. Simon contou o que lia a seu amigo, que como a maioria do povo inglês, não sabia se quer ler ou escrever. Simon, no entanto, aprendeu graças à natureza de seu ofício.

— Que pecados faz alguém merecer um destino tão triste? — questionou Jared com sobrancelhas arqueadas.

— Não faço ideia, não diz aqui.

— Esta é sua mina de ouro! Um duque? Vamos ficar ricos!

— Calma lá, não sabemos nada sobre ele, nem se quer tivemos tempo de estudá-lo! — Simon fechou o caderno, recostando-se na cadeira.

— Você tem o diário dele que é muito mais do que já tivemos até agora para estudar um nobre. Como se portar você sabe, além de que já sabe ler e escrever muito bem. Estude seu diário e vamos ficar ricos! — Jared bate palmas enquanto sorri descontroladamente.

— Não, nem ao menos sei como começar.

— Onde você o encontrou? Vamos observá-lo, as vezes há algo que ele tenha ou um negócio ao qual podemos tirar proveito.

— Ele está morto... Eu tenho limites, Jared. Não roubo identidade de pessoas mortas! — Afirma ele com a voz exaltada.

— Meu amigo, estamos sem dinheiro nenhum! O Robert não come algo decente há dias! Se não fosse a senhora Jones estariam mortos de fome agora. Você precisa disso ou então se muda para o interior e vá lavrar a terra! — diz Jared, retrucando em mesmo tom.

— Eu vou pensar.

— Então pensa com cuidado e rápido. Não vou poder estar aqui para ajudar vocês, tenho que viajar para Northampton com minha tia amanhã.

— Assim de repente?! E quando você volta? — Simon dá um sobressalto, deixando a folha de papel cair sobre a mesa.

— Não sei. Bom, só vim avisar-lhe que se cuide. Logo que retornar, venho e te procuro para pegar minha parte do dinheiro! — Jared dá uma piscadela divertida, enquanto caminha em direção à porta.

— Vá pela sombra e tente não morrer de saudades!

— Engraçadinho! Vou ficar muito melhor sem esse seu fedor por perto! — exclama Jared já do lado de fora da pequena casa.

Simon apaga as luzes e passa com cuidado por entre a mesa e o caixote de cascas e roupas rasgadas próximo à parede velha e manchada. Com seu diário e a carta, ele retorna a dormir ao lado de Robert.

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