Capítulo 2

Eu não entendia ainda como não conseguia gritar. O susto foi tão grande que o meio do meu peito estava doendo, mas por que eu ainda estava parada com a boca aberta olhando para aquilo que com toda certeza era um vulto preto no canto da parede? Por que o que quer que aquilo fosse não nos matou ainda? Ou me matou? Ou possuiu, sei lá... Conforme eu divagava eu sentia meu pânico crescer. Seja o que quer que aquilo fosse, estava claro que estava brincando comigo.

— Rose, tudo bem? - meu corpo pulou automaticamente ao ouvir a voz de Rebecca. Não tinha percebido seus suaves roncos pararem e pior ainda, seu tronco se erguer da cama e sua mão acender a luz. Queria gritar para que ela não acendesse aquela luz, porém minha voz ainda estava presa na garganta e eu ainda tinha os olhos fixos naquela sombra que não parecia querer se mover tão cedo. Por um momento me perguntei se a sua aparência em um ambiente totalmente claro seria o suficiente para me dá um ataque do coração. — Rose? - a voz de Rebecca ecoou novamente e eu escutei o som do interruptor de luz antes mesmo da claridade da lâmpada machucar meus olhos. O grito ficou estrangulado em minha garganta e de meus lábios saiu somente um miado rouco. — Meu Deus! Você está engasgando?! - a voz de Rebecca subiu algumas oitavas e no momento seguinte tudo que eu senti foi ela esmurrando minhas costas. Queria pedir para que ela parasse, mas a minha voz ainda não saia. Tudo que eu fazia era vasculhar cada canto daquele quarto em busca de um rosto horrendo para minha sombra perturbadora. Não era isso que eles falavam? Que demônios, fantasmas, ou o que quer que tenha vindo nos – me – perturbar, vinha em sua pior forma?

— Rose, Rebecca? O que está acontecendo aí? - a voz sonolenta de Brenda ecoou rouca e baixa, quase eu não escutava devido aos murros que ainda levava nas costas. Seria melhor eu tossir para que Rebecca parasse de tentar colocar meus pulmões para fora pela minha boca. Eu conseguiria tossir ou se quer fazer alguma coisa? Pois estava claro para mim que eu estava em completo pânico.

— Estou bem... - consegui murmurar baixinho e ensaiar uma tossida depois de varrer o quarto com o olhar angustiado umas duas vezes. Quando eu não vi absolutamente nada meu coração foi capaz de voltar ao normal.

— Eu vou buscar um pouco de água para ela. - Rebecca falou baixinho e a sua mão que antes socava minhas costas, agora passava pela mesma como um carinho. Quase como um pedido de desculpas pela tentativa de me matar aos murros. Olhei para ela alarmada querendo pedir que ela não fosse. Eu tinha medo que aquilo que nos observava, ou me observava, estivesse lá fora somente esperando para nos pegar. Mas já era tarde. Rebecca deveria estar realmente preocupada comigo, pois praticamente correu do quarto.

— Rose, aconteceu alguma coisa? Você está bem? - o rosto de Brenda apareceu em meu campo de visão e eu pude perceber em seus ansiosos olhos azuis que ela estava se perguntando se isso tinha haver com o acontecido no porão. — Você teve um pesadelo? - a voz dela saiu sussurrada, pois já conseguíamos escutar o barulho dos corpos se mexendo nas camas, o que indicava que algumas meninas tinham acordado e estavam de olho na gente.

— Eu... eu acho que sim. - sussurrei de volta tão baixo que me perguntei se ela tinha escutado. Seus lábios se comprimiram em uma linha reta e seu olhar preocupado se tornou carregado de culpa. Eu sabia que ela estava se culpando pelo que tinha acontecido lá embaixo. — Bren, está tudo bem. - forcei minha voz a sair o mais tranquilo possível. Não era justo que ela se culpasse, ou que eu a deixasse ficar preocupada. Pelo que eu sabia eu poderia muito bem ter imaginado coisas. Não iria revelar meus medos e deixar todas essas meninas assustadas. — Foi só um pesadelo. - murmurei ainda com a voz baixa para que só ela me escutasse.

— Aqui sua água. - eu não tinha percebido que Rebecca estava de volta até ela aparecer na minha frente estendendo um copo logo cheio de água. — Bebe devagar. - ordenou ainda olhando para mim com seus olhos castanhos repletos de preocupação. Eu gostava de Rebecca, era uma garota legal e na dela, e se ela conseguiu ir e voltar da cozinha intacta pode ser que eu tenha imaginado coisas mesmo.

— Obrigada, Becca. - murmurei seu apelido que raramente usava. Não éramos tão chegadas assim para viver grudada como eu vivia com Brenda, mas éramos próximas o suficiente para que eu a chamasse carinhosamente. E ela parecia não se importar. — Estou bem, é sério. Foi só um pesadelo. - falei torcendo para que minha voz soasse convincente ao ponto de até eu mesma acreditar.

Depois de umas olhadelas significante de Brenda e do resto das meninas que participaram do fiasco da sessão de Ouija, Rebecca se deu por vencida e concordou que todas podíamos voltar a dormir em paz. Conforme ela ia andando até a cama dela, e consequentemente até o interruptor de luz, senti vontade de pedir para que ela deixasse a luz acesa. Mas, o olhar curioso de Linda me fez travar na cama. Eu ainda não estava cem por cento certa de que aquilo não tenha sido uma armação dela, e eu não iria mesmo dar o gostinho de pedir para dormir com a luz acesa igual uma criança. Mesmo temendo ver coisas no escuro novamente. Eu estava começando a crer que aquilo realmente era coisa da minha cabeça fértil.

O barulho do interruptor ecoou, deixando o quarto no mais profundo breu. O primeiro arrepio tomou meu corpo inteiro, desde o dedo do pé até o ultimo fio de cabelo. O segundo arrepio fez meu corpo estremecer e meus braços formigarem. Eu podia sentir meu coração acelerar junto com a minha respiração. Queria fechar meus olhos, mas eu não conseguia e sem que eu permitisse minha cabeça virou diretamente para o canto em que eu tinha visto ele. E lá estava o contorno do enorme vulto preto que quase tinha me matado de susto a primeira vez que eu vi, não que dessa vez fosse diferente.

Fiquei estremecendo no lugar, congelada, esperando que ele me matasse ou me assustasse de um jeito que a minha alma saísse correndo do meu corpo. Mas não. Ele só ficou lá, parado, esperando. Mal se mexia e se eu fosse realmente esperta iria aceitar que aquilo tudo não passava de fruto da minha imaginação, pois embora eu tivesse passado minha vida toda em um convento, ainda não acreditava em céu, inferno e consequentemente em demônios.

— Eu não tenho medo de você. - sussurrei pausadamente depois de ter percebido que eu era a única acordada ali. Meu coração já não estava tão acelerado assim e eu forcei meu corpo a se acalmar na marra, embora os malditos arrepios continuassem de tempos em tempos.

Encarei em choque quando um sorriso branco se destacou na sombra e cobri meu corpo dos pés à cabeça com o grosso cobertor. Se ele for fazer algo eu não quero ver. Se for real eu não tenho chances de escapar mesmo e se não for real eu que não vou gritar como uma garotinha medrosa. Me peguei murmurando baixinho todas as orações que eu tinha aprendido nesses sete anos de convento e ouvi um riso baixo. Meu corpo paralisou sofrendo o espasmo mais violento que já senti, de fato, parecia que eu convulsionava de medo, pois o riso estava ali dentro, comigo embaixo dos lençóis.

— Por favor... - minha voz saiu baixa, um choramingo, pedindo pelo o que eu não sei. Que ele fosse rápido? Que me deixasse em paz? Que poupasse pelo menos as outras cinco idiotas que não teve culpa por eu tê-lo invocado? Automaticamente me lembrei da regra número cinco "Nunca saia do jogo sem dizer Adeus". E me peguei murmurando sem parar a palavra "Adeus" torcendo para que de algum jeito aquilo me deixasse em paz. Talvez tenha dado certo, talvez ele só tenha se cansado, ou talvez minha mente insana tenha dado uma trégua já que eu adormeci pelo cansaço com a sombra do seu riso em meus ouvidos.

Na manhã seguinte mais do mesmo. Eu não conseguia vê-lo conforme ia fazendo minhas tarefas do dia, mas eu conseguia sentir sua presença. E parecia que eu era a única, pois esperei que alguma das meninas deixasse escapar alguma coisa sobre estarem vendo algo, ou sendo atormentadas, porém nada aconteceu a elas.

Fiquei apreensiva o dia todo esperando que a nossa escapulida ao porão tivesse sido descoberta, mas aparentemente por mais ensurdecedor que tenha sido o barulho que fizemos, absolutamente ninguém tinha acordado. Nenhuma de nós se quer tocou no assunto e eu andava inquieta pelos cantos, tentando captar qualquer indicio de que alguma das garotas tenham visto algo, mas aparentemente está tudo normal.

A noite assim que as luzes se apagaram, voltei meus olhos ansiosos para o canto onde o vi a primeira vez, e lá estava sua sombra. Meu coração deu o costumeiro salto e acelerou, mas eu me mantive em silencio, esperando, esperando... Porém, ele só ficou olhando. Fui vencida pelo cansaço, enquanto observava a sombra e esperava que ela fizesse o mínimo movimento.

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