Seja Minha
Seja Minha
Por: RLSouza
Capítulo 1

— Vamos Rose! Precisamos fazer alguma coisa divertida ou vamos morrer de tédio! - olhei para a menina de olhos azuis que estava na minha frente e rolei os olhos. Brenda tinha os lindos olhos azuis arregalados de excitação, enquanto sorria de lado e apertava minha mão, dando leves puxadas para irmos em direção a porta.

— Brenda... - olhei ansiosa para a porta e depois para as quinze camas no quarto. Seis camas estavam desocupadas, quatro de suas respectivas donas se encontravam no porão nesse exato momento, e tinha nós duas, discutindo aos sussurros a minha ida para participar dessa estupidez. Não que eu estivesse com medo... Okay, talvez eu estivesse um pouco receosa, mas o que me segurava realmente dentro do quarto era a possibilidade de ser pega pela irmã Maria. Eu realmente não era fã de ficar ajoelhada no milho enquanto rezava incontáveis "Ave Maria's". — Eu realmente não acho uma boa...

— Você não vai me deixar ir sozinha vai? Sabe que eu sou curiosa, mas tenho medo e além do mais... - ela parou nesse momento e ambas olhamos para o canto esquerdo do quarto, onde Melissa deu um enorme ronco. Prendi meus lábios entre os dentes para não deixar o riso histérico escapar. Foi um puta de um susto! — Além do mais, precisa de seis pessoas para jogar. E não confiamos em mais ninguém para chamarmos. - ela abaixou a voz até que não passasse de um sussurro quase inaudível. Eu suspirei exageradamente alto e vi um sorriso vitorioso nascer nos lábios da minha louca amiga. Ela sabia que eu tinha concordado com essa ideia absurda, sem nem que eu precisasse abrir minha boca. — Eba! - Brenda comemorou baixinho e eu rolei os olhos deixando-me ser arrastada.

Os corredores daquele convento, onde fui obrigada a chamar de casa, desde os meus onze anos de idade, estavam escuros feito breu. Meu corpo se arrepiou involuntariamente, conforme Brenda me arrastava em direção a porta do porão. Assim que ela abriu a porta, meus olhos se arregalaram para a luz fraca que mal iluminava o topo das escadas. Putz, aquilo era uma péssima ideia!

— Brenda...

—Shi! - ela me calou apressadamente, enquanto se lançava na frente e me puxava consigo. — Você já concordou. Estamos aqui, não dá para dar para trás agora. - sua voz não passava de um sussurro ansioso. Eu estava quase dizendo para ela que se eu quisesse "dar para trás" eu daria, quando ouvi vozes femininas sendo murmuradas lá embaixo.

— Brenda? Rose? São vocês? - a voz inconfundível de Ágatha ecoou e eu franzi os lábios ao notar que ela estava com medo.

— Quem vocês chamaram para essa loucura? - perguntei a Brenda conforme íamos descendo as escadas. Poxa, Ágatha só tinha treze anos coitada. Dois anos mais velha do que eu era quando fui forçada por minha mãe a vir para cá. Obviamente aprendi a aceitar essa decisão, era aceitar ou enlouquecer com esses montes de regras, afinal, eu não sairia daqui tão cedo segundo minha mãe. O que me confortava as vezes era o fato de que à um ano atras a irmã Izobel começou a me ajudar a lançar currículos pela internet. Ela era uma das poucas irmãs, senão a única, em quem confiávamos. E ela sabia que eu estava aqui contra minha vontade. Embora eu fosse legalmente adulta, eu não tinha para onde ir. Minha querida mãe não me acolheria em sua casa se eu saísse do convento.

— Só algumas pessoas... - Brenda murmurou apreensiva me tirando dos meus devaneios. — Alicia me ouviu comentando com outras garotas e se convidou à vir, e você sabe que ela não faz nada sem sua fiel escudeira, Ágatha. - ela murmurou rolando os olhos e eu segurei o suspiro de irritação. Enquanto nos aproximávamos do pequeno circulo de garotas sentadas ao chão percebi que a luz que iluminava o local eram velas que elas dispuseram no chão. O cenário perfeito para uma tragedia.

— Isso vai dá uma merda gigantesca. - murmurei baixinho e vi Brenda rolar os olhos e rir baixinho.

— Somos nós Ágatha, quem mais seriam? Os demônios só vão aparecer mais tarde, quando começarmos. - a voz de Brenda era um murmúrio baixo, mas foi o suficiente para que todas escutássemos. Vi as garotas encararem-nas assustadas e depois cochicharem entre si. Eu somente prendi os lábios entre os dentes, afinal, estava acostumada com esse humor de Brenda. E assim como eu, ela não acreditava em demônios ou anjos, o que era uma completa ironia do destino conosco. — Brincadeirinha. - sua voz estava risonha quando ela se sentou no espaço vazio no circulo e me puxou junto.

— Um tabuleiro Ouija, muito original. - murmurei ao me sentar e encarar o tabuleiro que estava no meio do circulo.

— Ok, ok. Vamos começar isso ou não? - encarei a dona da voz e segurei a vontade de rolar os olhos. Por um momento eu pensei que aquela ideia estupida tinha partido de Brenda, mas é claro que eu estava enganada. Ali estava Linda, a típica patricinha estudantil que mandava e desmandava em toda a escola. A diferença era que aqui no convento ela era a que adorava aprontar com as outras garotas. Me perguntava como Brenda tinha se deixado cair no papinho dela e me arrastado junto. — Ok, primeiro vamos às regras...

Nunca jogue sozinho

Nunca jogue se estiver doente ou sentindo algum mal estar

Se o ponteiro se mover para os quatro cantos do tabuleiro, significa que o espirito é mau

Não mencione a bíblia.

E por ultimo, mas não menos importante, nunca saia do jogo sem dizer "Adeus", ou coisas terríveis vão te acontecer.

Eu estava completamente ciente de que ela estava inventando aquelas regras, mas não consegui evitar o arrepio que subiu pela minha espinha. Trinquei os dentes me forçando a ficar ali e não soltar qualquer comentário sarcástico com aquela palhaçada toda. E evitei olhar para Linda, que tinha um sorriso extremamente sarcástico em seus lábios.

— Ok, todas com o dedo indicador do ponteiro. - Brenda foi a única a quebrar o silencio, que embora eu não queira admitir, era assustador. Ela e Linda pareciam ser as únicas excitadas com aquela ideia. Observei todas as cinco garotas colocarem seus dedos indicadores no ponteiro e imitei o movimento, enquanto prendia a respiração e encarava o marcador em derrota. Não tinha mais volta.

Ninguém falou absolutamente nada quando o ponteiro fez um circulo cinco vezes. Olhei para Linda e ela me olhou com um sorrisinho de lado. Claro que era ela que estava o controlando.

— Vamos Rose, faça as honras. - meus olhos que tinham voltado a observar o ponteiro, se voltaram para Linda assim que ela disse aquelas palavras. — A não ser que esteja com medo. - essa ultima parte foi murmurada baixinho, mas todas nós escutamos. Estava claro que o intuito de Linda era mexer conosco. Rolei os olhos ignorando o sorriso de zombaria dela e respirei fundo voltando a encarar o ponteiro que agora descansava embaixo da palavra "Sim" e "Não"

— Tem alguém ai? - deixei a voz completamente monótona e rolei os olhos, deixando transparecer toda a credibilidade que eu dava para aquele jogo idiota. O sorriso de Linda morreu com a minha atitude e a risada baixinha de Brenda ecoou. Porém ela parou de rir assim que o ponteiro deslizou para o "Sim". Algumas meninas, ou melhor dizendo, a Àgatha deixou escapar um gritinho agudo. — Shi! Quer calar a boca Àgatha? É só a Linda.

— Não fui eu. - Linda apressou-se para se defender, mas eu pude ver o mínimo sorriso que ela teimava em segurar. — Vamos, pergunte mais alguma coisa.

— Só eu vou perguntar? Por que você não pergunta? Essa ideia estupida foi sua, afinal. - tentei ao máximo controlar a voz para não sair tão estridente. Eu me conhecia o suficiente para saber que minha voz levantava algumas oitavas quando eu ficava nervosa.

— Tudo bem Rose, se esta com medo eu pergun...

— Argh. - trinquei os dentes e evitei olhar para ela. — Ok, qual seu nome Sr. Demônio? - deixei uma risadinha escapar no final e olhei sarcasticamente para Linda. Abaixei o olhar brevemente quando o ponteiro começou a se mover formando o nome "Nathaniel". — Sério Linda? Não tinha um nome menos... "bíblico". - fiz aspas com a mão livre e deixei a risada fluir, enquanto observava-a com as sobrancelhas franzidas.

— Idiota! Não se pode falar da bíblia! - me admirei com o tom histérico de sua voz, ela estava realmente se empenhando nisso. — E não fui eu quem mexeu o ponteiro... - a voz dela morreu aos poucos nessa ultima frase e ela deu uma olhada sugestiva para Laura que estava sentada ao seu lado. Laura encarou-a com os olhos arregalados e somente balançou a cabeça negando. Espera ai...

— Vocês estão de sacanagem com a nossa cara! - explodi me levantando, eu não iria deixar aquelas duas idiotas ficarem brincando com a minha cara. E não queria admitir que no fundo estava ficando com medo. Prova disso era meu coração extremamente acelerado.

— Senta ai! Não se pode ir embora sem dizer "Adeus". - a única coisa que me fez voltar a sentar foi o tom histérico da sua voz. Coloquei o dedo novamente no ponteiro, enquanto olhava para Brenda que moveu os lábios silenciosamente me pedindo calma. — Juro por De... Eu juro que não foi eu quem mexeu isso. - ela respirou fundo olhando mais uma vez para sua amiga, que encarava o ponteiro. Podia ver claramente que ela tremia no lugar. — Vamos terminar com isso! Adeus. - ela murmurou. Mais uma vez o ponteiro se moveu, e dessa vez parou no "Não". Ágatha gritou novamente, e dessa vez algumas meninas acompanharam-na. — Por favor... O que você quer?

Observei completamente em transe o ponteiro se movimentar até que se formasse a palavra "diversão". Olhei para o rosto das meninas com as expressões amedrontadas e me perguntei qual delas estava fazendo isso. Não deu tempo de concluir alguma coisa, pois assim que o ponteiro voltou para seu lugar habitual embaixo das palavras "Sim e Não" as velas se apagaram nos deixando no mais profundo breu.

O primeiro grito ecoou, me dando um tremendo susto. Minhas pernas se moveram por conta própria, e eu agarrei a mão de Brenda que estava à minha esquerda e nos arrastei em direção as escadas, enquanto tinha certeza de que ouvia uma gargalhada baixinha vindo do centro do tabuleiro. Não me preocupei em pedir desculpas em quem estava batendo, ou se quer me preocupei com o barulho que fazíamos enquanto corríamos em direção ao quarto. Só parei de correr quando encarei a porta vermelha com a pintura descascada. Coloquei a mão na maçaneta, olhando sob o ombro ao ver os vultos se aproximando. Antes que eu gritasse o rosto amedrontado de Agatha apareceu, juntamente com Linda, Alicia e Laura.

— Abre logo essa porta! - Ágatha teve a inteligência de deixar o tom de voz baixo, mas sua expressão assustada deixava claro que ela estava prestes a gritar à qualquer momento.

— Espere! Nenhum pio sobre o que aconteceu! - Linda olhava para todas nós com a sobrancelha franzida. — Eu comecei mexendo aquilo, mas está claro que alguma de vocês conseguiu pregar uma peça melhor e me pegar. Há! Foi ótimo, e eu não quero saber nem quem foi. - abri a boca para contestar, mas ela levantou o dedo. — Nem um pio, ou todas nós estaremos encrencadas. Vamos logo e em silencio, por favor, para não acordar as outras meninas. - fui obrigada a fechar minha boca e girei a maçaneta da porta torcendo para que ninguém tivesse acordado com nossos gritos.

O quarto continuava escuro e silencioso, exatamente como estava quando sai com Brenda. Ao me lembrar de Brenda, soltei sua mão e me encaminhei com cuidado para minha cama, cobrindo-me até a altura do nariz. Não me movi quando ouvi o barulho da cama ao lado indicando que Brenda tinha se deitado também.

— Rose. - minha voz foi sussurrada no escuro e meu coração acelerou dentro do meu peito, até eu ouvi mais uma vez e perceber que era somente Brenda tentando chamar minha atenção. — Rose, foi uma péssima ideia. Eu sinto muito ter te arrastado para isso. - por um momento eu fiquei tentada a manda-la a merda, porém desisti ao perceber o medo em seu tom de voz. Virei meu corpo de lado para encarar suas orbes azuis naquele quarto escuro e respirei fundo tentando acalmar meu coração que ainda estava acelerado.

— Não é culpa sua. Eu também estava curiosa e no final quis ir. - Murmurei baixinho para que somente ela escutasse. — Vai dormir! Vamos esquecer isso, ainda não estou convencida de que não foi a Linda e a sua amiguinha. - no mesmo momento em que terminei de falar isso, minha mente me lembrou da parte em que as velas se apagavam sozinhas. Não tinha como elas terem feito aquilo, e aquela voz que eu escutei? — Eu acho que até escutei elas rindo...

— A última coisa que escutei foi o grito da Ágatha e os nossos passos ao sair correndo. - ela murmurou e eu voltei a focar meu olhar em sua íris azul. — Você escutou elas...

— Eu falei que achava ter escutado... pode ter sido minha mente me pregando uma peça. Sabe, quando estamos com medo nossa mente nos prega peças, - murmurei tentando ao máximo acreditar naquilo, mas ao mesmo tempo me questionando sobre as velas.

— Verdade! Não digo nada se uma delas não deu um jeito de soprar as velas sem que nós percebêssemos. - a voz dela ecoou e eu percebi que Brenda estava com menos medo do que à alguns minutos atras. Ela realmente estava acreditando naquilo. E eu me perguntei se realmente tinha como uma delas terem apagado as velas sem que percebêssemos.

Fiquei ali acordada, enquanto aos poucos eu percebia que Brenda caia em um sono profundo. O quarto continuava silencioso à não ser o som baixinho das meninas dormindo. Tentei esvaziar minha mente e focar no ronco baixinho de Rebecca, tentando respirar conforme ela roncava. Aos poucos senti meus olhos se fecharem e ao longe, quase inconscientemente, me lembrei da regra número cinco. Nunca sair sem dizer "Adeus".

Abri meus olhos enquanto ofegava e sentia meu coração disparar dentro do peito à medida que meus braços se arrepiavam. Por mais que não tenha parecido, eu tinha cochilado, e as regras daquele jogo estupido enchiam minha mente. Puxei o cobertor até o nariz e varri o quarto escuro com os olhos. A medida em que eu ia vendo as camas com as garotas adormecidas, eu sentia meu coração ir se acalmando. Passei os olhos sob a cama de Rebecca, que tinha sua cama à frente da minha, e automaticamente meu olhar foi vagando para o canto do quarto. Minha respiração ficou travada em minha garganta e meu coração voltou a acelerar dolorosamente dentro do meu peito, quando meus olhos se cravaram no vulto extremamente alto no canto do quarto.  

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