Capítulo 4

— Sim? — Disse o garoto, num espanto.

— Você vai responder ou só sabe sair por aí quebrando vidraças?

Heitor apertou as mãos, era um absurdo o professor falar com ele daquela maneira, sem nunca tê-lo visto antes.

— Qual a pergunta?

O professor mordeu os lábios, mas pareceu respirar fundo e acalmar-se antes de prosseguir:

— Qual o país que tem a maior fronteira com São Havier?

— Brigada. — Heitor respondeu voltando os olhares para a garota, que em momento algum tirou os olhos do caderno, ao qual parecia desenhar alguma coisa. O professor ficou calado por alguns segundos, provavelmente incrédulo pela resposta correta.

— Um ponto à menos na média.

— O quê? Mas eu respondi certo! — Heitor disse, desviando os olhares da menina.

— Mas estava babando pela srta. Delamare durante a explicação.

Heitor congelara. Todos os alunos voltaram os olhares para ele, inclusive a menina, que olhava-o com uma expressão de dúvida.

O resto da aula passou muito devagar, explicava toda sua matéria com a mesma expressão de ódio que estava quando os meninos chegaram. Faltavam apenas trinta minutos para a aula terminar e Heitor Afonso discutiam, Heitor praticamente de costas para enxergá-lo.

— Estou dizendo, essa é a melhor banda que você vai ouvir. — Dizia Afonso, alisando o cabelo e voltando seus olhos verdes extremamente inexpressíveis para Heitor.

— Se eu ouvir... — Heitor sorria.

— Cara, tenho a impressão de que Victória está olhando para mim. — Seus olhos apontaram para uma garota loira que usava uma gargantilha preta; da cor de seus olhos. Estava rodeada por outras duas garotas que cochichavam olhando para os dois.

— Por falar nisso, prometi que lhe arranjaria uma garota. Não? — Afonso deu algumas cotoveladas de leve em Heitor que sorriu.

— Me fala aí, o que você gosta? Tipo, você é bom em quê?

Heitor parou para refletir, nada parecia vir à mente. Exceto por uma coisa:

— Xadrez!

— Quê?!

— Sou muito bom e xadrez ... AÍ!

Heitor sentiu uma dor gritante em sua mão e girou a cabeça para ver o que acontecera. Deparou-se com Homero pingando ódio e segurando uma enorme régua. O menino, feito um robô girou o resto do corpo para a frente.

— Desculpe.

Quando o professor estava voltando para a frente da sala Heitor ouviu uma pequena risada vinda da garota ao seu lado. A garota mordia os nós do dedo para segurar o riso inconveniente.

— Qual foi? — Afonso questionou a garota que corou na mesma hora, sua pele agora parecia a de um tomate e seus lábios moveram-se sutilmente para soltar um tímido: “Desculpe. ”

O coração de Heitor acelerou-se, sentia a mesma tremedeira nas pernas que sentira ao vê-la pela primeira vez. Precisava falar com ela de qualquer maneira. Pensou, por um momento, em pedir uma ajuda para Afonso, mas isso seria constrangedor demais.

Os garotos evitaram conversar mais durante o resto da aula de Homero. Afonso pelo medo de ser expulso da sala e Heitor por simplesmente não conseguir abrir a boca, que estava congelada desde que ouvira a voz da menina. Logo o sinal tocou.

Os dois seguiram para o pátio, agora parecia um formigueiro, vários alunos estavam dispostos pelo balcão da cantina; outros já comiam sobre as mesas espalhadas por toda a extensão do pátio.

— Diz aí, cara. De onde você é? Digo... Você chegou aqui faz pouco tempo, certo? Omar me contou que...

— Sou brigiano... — Interrompeu Heitor, enquanto os garotos seguiam pelo pátio em direção a um grupo de garotos da sala que formavam uma roda de conversa em uma das mesas espalhadas.

— Sério? Você veio mesmo de Brigada? Sempre quis conhecer...

Os garotos pararam em frente ao grupo de garotos que pareceram não os notar. Um garoto magricela, com um óculos de armação grossa e cabelo bagunçado não parava de falar:

“Sério, cara. Gostei de uma garota da sala, uma loirinha. Acho que se chama Victória...”

“Victória Romênia? Sem chance cara, essa aí não gosta do seu tipo...”

Os garotos todos riram e Afonso cortou as risadas sentando-se ao lado do garoto magricela.

— Ela piscou para mim na sala. É, acho que vou falar com ela...

Todos voltaram os olhares para Afonso.

— Qual é? Eu duvido! — Disse o garoto de óculos e, ajeitando-os sobre o nariz finíssimo, continuou: — Ela não curte garotos largados...

­— Tá brincando? Esse é o tipo dela... — Um garoto negro, de cabelo curto disse dando uma risadinha de deboche. — E quem é o novato?

— Ah, foi mal. Esse é Heitor. Heitor, esses são Ícaro e Marcus.

— Diz aí, Heitor. ­— Ícaro disse virando para o garoto. — Essa Victória é mesmo muito gata, não?

Heitor deu um sorrisinho, mas não tinha prestado muita atenção na garota. Ficou vidrado na menina de cabelos curtos e de olhares penetrantes. Precisava saber o nome dela. E logo uma menina interrompeu seus pensamentos.

— Vocês são nojentos... — A voz vinha das costas de Heitor e quando o menino virou-se não conseguiu se mexer.

— Áurea! Resolveu falar com os babacões aqui? — Ícaro respondeu sorrindo.

— Tarde, Ícaro e companhia... E você — Disse, agora virando-se para Afonso. — Chegar atrasado no primeiro dia?

— Cuida da sua vida, garota.

Áurea girou os olhos em tom de tédio e retirou-se, logo Afonso continuou:

— Sério, acho que essa garota tem problemas...

Todos concordaram, exceto Heitor que manteve-se quieto. Viajando nos seus pensamentos. Aquela garota tinha algo especial, algo que o garoto nunca vira em nenhuma outra antes. Talvez seus olhos, seu jeito... Talvez os dois ou, até mesmo, nenhum. Mas havia algo, e disso Heitor sabia.

— Heitor? Tá viajando, cara?

Heitor virou-se para Afonso, de fato não havia prestado mais atenção em nada.

— Nós vamos “matar” a segunda aula, tá afim?

— Eu? É... bem, tô.

E assim foi feito, os garotos seguiram para a pequena floresta de eucaliptos que havia dentro do terreno da escola, limitada apenas por um muro de uns dois metros de altura. Marcus e Afonso ficaram de olho no pátio enquanto Heitor e Ícaro subiam os pequenos buracos que formavam uma espécie de escada sobre o muro. Heitor teve certeza de que aqueles buracos não estavam ali à toa.

— E aí, cara? Você tá gostando da nossa boa influência? — Ícaro sorria colocando um nos pés no primeiro buraco do muro e dando uma olhada em Afonso e Marcus, que o mandavam ir logo.

— Eu tenho minhas próprias escolhas... — Respondeu Heitor, escalando logo atrás dele.

— Você é um cara bem direto...

— Vamos, alguém está vindo!

Marcus e Afonso corriam até o muro enquanto Ícaro saltava para o outro lado. Heitor, sentado no topo do muro, deu uma olhada ao redor. Havia uma floresta gigantesca atrás do colégio e lá em baixo Ícaro acenava para que Heitor saltasse logo.

Com um baque muito forte Heitor chegou ao chão, as mãos que o auxiliaram na queda começaram a doer, mas não teve tempo para pensar em muita coisa. Logo atrás vinha Afonso e Marcus, o segundo quase caiu em cima do menino.

— O que aconteceu, seus retardados? — Ícaro disse, limpando as mãos suas de terra.

— Dona Rosalina estava dando um de seus passeios matinais. Se nos visse...

Heitor olhava ao redor, não via nada além de árvores e alguns pássaros procurando galhos para pousarem.

— Tá, e agora? — Heitor questionou, varrendo os olhares dos três meninos.

— Nós vamos matar o tempo no lago. Uns quinze minutos daqui... — Ícaro mantinha um sorriso gigantesco, como se estivessem prestes a abrir um cofre recheado de ouro.

— É mas... Sem bebida não dá...

— E o que você sugere? — Marcus perguntou para Afonso.

— Vamos para o mercadinho!

Heitor não questionou, eles não eram tão retardados a ponto de não saberem que não tinham idade para comprar bebidas. Um breve pensamento sacudiu seu cocuruto: Eles iriam roubar?

A testa de Heitor suava, escorrendo sobre suas sobrancelhas e depositando-se abaixo do queixo. Nunca, desde que chegara à São Havier, havia sentido tanto calor. A neve já não era tão visível e, nas árvores quase imperceptíveis.

— Beleza... — Murmurou Marcus quando os quatro garotos estavam escondidos próximo a porta dos fundos do primeiro mercadinho que encontraram. — ...eu e Heitor vamos entrar, você — Apontou para Ícaro. — ...e Afonso esperam aqui. E fiquem de olhos abertos!

— Que exagero! Parece que vamos assaltar um banco! — Reclamou Afonso.

— Se formos pegos eu quero ver essa mesma atitude. Lesado!

Afonso girou os olhares e virou de costas para Marcus e Heitor, Ícarou fez o mesmo e os dois puseram-se a entrar na porta.

Ainda agachado, Heitor pôde ver um velho de costas atrás do balcão atendendo uma senhora muito loira.

— Ainda bem que Ícaro não entrou com a gente... — Murmurou Marcus.

— Por quê?

— Aquela é a sra. Acélia, mãe dele...

Os olhos de Heitor se abriram e o coração passou a socar o peito, Heitor girou o pescoço para trás, na tentativa de encontrar Afonso, mas não viu ninguém.

Voltou os olhares para frente. Pensamentos à mil. E se a mãe de Afonso encontrasse ele? Ele os delataria?

Logo Marcus acenava, ainda agachado. Mas agora em frente a uma prateleira com diversos tipos de bebidas, Heitor viu de relance um uísque e logo precipitou-se em sua direção.

— Beleza, vamos levar umas cervejas também. — Marcus mordia sua língua, que estava para fora, enquanto equilibrava quatro garrafas de cerveja em um dos braços e com o outro erguido tentava alcançar uma quinta.

— Vou levar esse bebezinho aqui. — Heitor disse agarrando o uísque.

Os garotos logo retornaram pela mesma porta, sempre agachados e encontraram um Afonso congelado, escondido atrás de uma caçamba de lixo.

— O que foi? Lembrou de trocar aas fraldas? — Heitor sorriu.

— Mi-minha m-mãe a-a-cabou de sair...

— O que tem? — Marcus caminhava feito um caranguejo, evitando levantar-se para não chamar atenção externa.

— Se ela me pega aqui, seu retardado! Ia me m****r morar com os doidos dos meus avós.

— Bebezão — Ícaro disse, esticando-se para recolher metade das cervejas que Marcus o entregava.

— Beleza, vamos. — Concluiu Heitor. Endireitando-se depois de guardarem todas as bebidas nas mochilas.

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