2. Azul Inexistente

Dezenas de enormes peças de carne a serem carregadas os esperavam no caminhão, umas em cima das outras. Genesis amarrou firme o avental grosso e branco antes de calçar as luvas para iniciar o trabalho. As botas pesadas vez ou outra o desestabilizava, deslizando no chão úmido do galpão. Henrik, ao seu lado, estalava os dedos, pronto para trabalhar.

— Quem precisa de academia quando se trabalha num açougue onde o chefe é um maldito que manda dois fazerem o trabalho de dez? — Resmungou Gen.

— Ah, Gen. Levantar um peso extra é bom. — Riu Henrik, já descarregando a primeira peça e colocando-a por cima do ombro.

— Parecem bois inteiros aí.

Henrik já ofegava quando voltou, após pendurar a carne em um gancho. Genesis ainda estava parado, com a mão em uma das peças. 

— Cara, pega logo isso. Quando terminarmos, já podemos ir embora. 

Genesis encarou o irmão à sua frente; não era tão alto quando Gen, mas quase. Enquanto Genesis tinha cheios cabelos pretos, Henrik tinha fios dourados, delicados e curtos, olhos claros e pele queimada de sol, que se embranquecia a cada dia, pois ali não parecia existir sol. Genesis sempre tivera a pele clara, não condizendo com os habitantes de Sunfalls. Ali Aiden e ele se camuflavam, enquanto Henrik chamava atenção por sua pele dourada. Puxando a peça de carne, Genesis a levou até um gancho mais para dentro do galpão e voltou, pegando outra e mais outra.

Em pouco mais de uma hora já haviam descarregado tudo, lavando com uma mangueira dentro do baú do caminhão para tirar os resquícios de carne e sangue e foram para o vestiário tirar as roupas sujas e úmidas. 

O vestiário parecia como qualquer parte daquele galpão, com azulejos e pisos brancos, divisões de concreto para um pouco de privacidade entre cada chuveiro e armários ligeiramente enferrujados. Gen despiu-se e deixou o avental em um carrinho de roupas sujas, para ser lavado ainda naquele dia, mas não por ele. Abriu o chuveiro e teve a má sorte de constatar que ele não esquentava. 

— Está gelado aí? — Perguntou Henrik, ofegando embaixo da água igualmente fria.

— Sim, aí pelo jeito está também...

— Não ligo, só quero tirar esse cheiro de carne crua de mim. 

Seguiam pelas ruas secundárias e becos em direção às suas casas. Henrik levava um embrulho pardo, um bom pedaço de carne. Dia sim e dia não a carne que sobrava era dividida entre os açougueiros para não ser deixada no galpão e estragar. 

— Vou assar isso. Quer jantar lá em casa hoje? — Disse Henrik.

— Não vai dar. O Aiden está meio mal, acho que está gripado. 

— Ah, entendo. A Lou deve estar brava comigo porque tive de fazer hora extra, e ela queria ter saído para fazer algo.

— Ela podia ter ido fazer companhia ao Aiden. 

— Nem sei se ela foi, mas deve ter ido comer tempurá na Anmi ou ficou o dia todo vendo a cidade do topo do nosso prédio. São as coisas que ela gosta de fazer.

Genesis comprimiu os lábios; andava preocupado com a melancolia latente de Louisa, com os sorrisos cada dia mais escassos e hábitos estranhos sendo adquiridos, como sentar-se perigosamente na amurada do prédio. 

— Vamos sair nesse fim de semana? — Sugeriu Gen, pensando em algum lugar legal. 

— Sim. Algum lugar em mente?

— Não, mas podemos ver um. Sair e andar para ver o que terá de bom. 

— Combinado. 

Chegaram ao apartamento de Genesis e despediram-se. Henrik esperou Gen entrar e foi embora. Chegou em dez minutos e entrou apressado, pois a trégua que a chuva dera já havia acabado. Diferente do prédio de Genesis, aquele tinha um elevador normal e mais apartamentos por andar. 

Chegou ao seu andar e percebeu que as luzes estavam queimadas ainda. Pensava que, se quisesse ter luz ali, teria ele mesmo que trocar as lâmpadas. Destrancou a porta e entrou, vendo Louisa jogada em um sofá com uma perna por cima do braço dele e a outra caindo para fora dos assentos. Os cabelos cobriam seu rosto e ela ressonava tranquila, dormindo. Ele sentou ao lado de Louisa, tirando as madeixas claras do rosto dela. Louisa se mexeu e acordou, abrindo bem pouquinho os olhos azuis, fitando-o.

— Oi. — Sorriu Henrik.

— Comi sozinha na Anmi hoje. — Resmungou ela, sentando-se.

— Trouxe para mim?

— Não. 

— Eu tive que trabalhar hoje, mesmo. Se não precisasse você sabe que eu não iria. 

— Tá, tudo bem. 

— Vou fazer o jantar. Estou tão esfomeado que você não faz nem ideia.

Henrik se levantou e foi para a cozinha. Louisa sentia-se bem ouvindo os barulhos familiares de Henrik cozinhando, mexendo nas panelas e pratos. As habilidades de Henrik na cozinha haviam aumentado e ele já fazia muitas coisas além de bolinhos e macarrão. Louisa esfregou os olhos, sonolenta. Recostou no sofá e ficou encarando o espaço vazio da estante onde deveria ter uma TV. Fazia falta quando ela já não tinha livros novos para ler ou qualquer outra coisa a fazer. Sentindo o cheiro bom de comida, Louisa sentiu o estômago roncando de fome. Não tinham mesa na cozinha, e comiam na mesa de centro, mas Louisa gostava. 

Olhando para as mãos, ela encarou as cicatrizes, sentindo falta da energia azul crepitando.

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