Let's Rollets (parte 2)

No dia seguinte, bem cedo, levantamo-nos para deixar aquele Café e, ainda acreditando que iria para o trabalho dar satisfações pelo atraso, pela falta ou algo do tipo, disse:

– Baboo, devo que ir até a empresa conversar com meu chefe e avisar meus familiares de tudo isso. Depois podemos seguir nossa viagem, ok?

– Não se preocupe – disse ela.

– Vocês não se verão tão cedo. Na verdade, é provável que nunca mais veja alguns de seus parentes. A pessoa que sei com certeza que te seguirá nessa jornada será Isabela, que também será preparada. De fato, neste exato momento ela também está seguindo para o "Complexo da Capital" com Joel.

– Ela o quê?! Onde está ela?! Quem está com ela?! Se algo acontecer à minha filha vai se arrepender amargamente! – exclamei furioso, dando com o dedo em seu rosto.

– Fique calmo, valentão! Ela está bem! Joel já tomou conta de tudo na capital e ela já deve estar em segurança. Em breve vocês se verão – disse Baboo calmamente.

– Joel? Quem é ele? – perguntei com pouca paciência.

– Calma! – exclamou Baboo em tom repreensivo.

– Ele é da nossa equipe! Ele é fiel a você e preferiria morrer a te trair ou perder sua confiança!

­– Quer saber? Vou pegar algo para comermos, e você, descanse essa cabeça mais um pouco! – disse Baboo batendo a porta ao sair.

– Ok. Não precisava bater a porta... – falei com a mão na cabeça após ela ter saído.

Ainda não acreditava em toda aquela história, mas comecei a aceitar que estava acontecendo. E bem no fundo, eu estava gostando. Afinal, tinha uma estranha habilidosa ao meu lado dizendo que iriamos salvar a humanidade. Estava vivendo uma história única, e que na minha concepção, muitos desejariam viver em meu lugar. Mas não escolhi passar por isso, fui escolhido... Por quê? Acredito que descobrirei mais cedo ou mais tarde.

Baboo retornou com pequenos pães de leite, maçãs e bananas. Enquanto comíamos conversamos sobre algumas de minhas curiosidades, o que me deixou mais confortável em sua presença.

Baboo me explicou pessoalmente que aquele papo de teoria da gravidade não era apenas para prender minha atenção. Disse-me que aqueles pontos de gravidade diferenciada do meu sonho realmente existem, mas não da forma que eu os vi. Eles são passagens, fendas ou portais que nos ajudam a viajar entre sistemas. Fiquei estupefato com toda aquela informação. Ela disse que o problema é que o portal muda frequentemente de local, e que precisávamos encontrá-los para continuar a jornada.

Pensei em muitos filmes espaciais que havia assistido e várias matérias sobre viagens espaciais, e sobre a impossibilidade de alcançar alguma galáxia com a tecnologia que tínhamos no momento. Aquela solução pareceu-me razoável.

Perguntei por que ela se referia a mim no futuro e como sabia tanto sobre minha vida. Sua resposta foi que Joel e ela vieram de um futuro de duzentos e cinquenta e dois anos à frente do nosso tempo, mas não quis me dar mais informações nem detalhes dos motivos de sua volta. Disse, porém, que no futuro eu era o líder do nosso grupo.

– Por que você ficou com essa expressão séria ao falarmos do futuro Baboo? O que houve? – questionei.

– Agora podemos seguir em frente... – exclamou Baboo – vamos nos encontrar com os outros na capital.

– Não vai me responder? – perguntei apreensivo.

– Joel vai lhe dar mais detalhes sobre o assunto – disse ela sem olhar para mim.

– Qual capital? Do Paraná? – questionei, novamente.

Baboo explicou:

– Esqueci de que ainda é dividido por países. No futuro do planeta Terra tudo estará diferente. Os nomes que vocês deram aos continentes e países não existem mais, foi esquecido. Só existem os humanos e os Mortons no que vocês nomearam colônias. E estamos indo para o lugar onde será conhecido como Capital da Colônia Sul. Agora, se quiser que eu continue respondendo, temos que seguir!

Saímos daquele velho café empoeirado para seguir em frente. Fomos para o sul, seguindo a rota que nos levava para a capital do Paraná.

A viagem era longa e eu não fazia a mínima ideia de como percorreríamos todos os trezentos e sessenta e nove quilômetros até a capital, então perguntei à Baboo.

– Como iremos até a capital? Imagino que uma pessoa como você, preparada e precavida, não tenha a intenção de ir até lá a pé, certo? – falei ironicamente.

Baboo riu e respondeu:

– Não! Não iremos a pé. Estamos indo até o local em que deixei nossos Rollets, e então seguiremos até a capital.

– Rollets?! – questionei.

– Sim. Em breve você os verá – disse ela com um sorriso maroto – acredito que amanhã pela manhã chegaremos até eles.

– Vamos andar o dia todo? Por que não pegamos um taxi até lá? Não é mais fácil? – comentei indignado.

– Não podemos ter contato com qualquer terráqueo que não sejam vocês... – explicou Baboo – eles, os mortons, são muito bons. E se qualquer outra pessoa vir a cor da minha pele, já indicaria onde estamos pelo alvoroço, pois minha pele não é comum.

Andamos aquela tarde inteira de baixo do sol de trinta e nove graus célsius. O clima estava árido e o vento não soprava, para nosso infortúnio. Andamos fazendo ziguezagues entre os quarteirões, para evitar que qualquer um nos seguisse. Eu andava rápido, mais rápido que Baboo, e às vezes tinha que esperá-la para mostrar o caminho. Eu estava com pressa, queria ver os Rollets, queria chegar logo ao Complexo da Capital, ver Léa e Isabela, certificar-me de que estavam à salvo, conhecer as coisas novas e ver que aquilo não era brincadeira. Eu não tinha mais do que as palavras e os sonhos estranhos até então. Paramos de andar quando o sol se pôs por completo. Baboo disse que não era seguro andar à noite, pois não tínhamos armas suficientes para nos proteger e eu não tinha nenhum treinamento. Encontramos uma pequena fábrica de circuitos eletrônicos fechada. Entramos com a chave especial de Baboo, abrindo os cinco cadeados para que chegássemos ao interior dela. Acomodamo-nos em um sofá do escritório que ficava no mezanino da fábrica. Baboo deitou-se e, quando perguntei que horas sairíamos no dia seguinte, ela já havia apagado, tão exausta da caminhada quanto eu, mas não consegui dormir de imediato. Nunca conseguiria, imaginando o que nos esperava daquele ponto em diante. Baboo disse que não haveria volta. De qualquer forma eu sentia que estaríamos mais seguros depois de saber tudo o que ela havia me contado, e também por envolver minha filha. Agora, mais do que nunca, eu tinha que seguir em frente.

Meus pensamentos vagaram pelas informações recebidas de Baboo durante o dia, quando de repente me vi em um largo campo tomado por um nevoeiro. No chão, havia uma grama baixa e agradável aos pés, e comecei a andar no campo a procura de algo ou alguém. Avistei à minha direita um casarão de fazendeiro, com um celeiro enorme ao seu lado. A casa e o celeiro tinham a mesma cor, um tom de cinza claro. As portas e janelas pintadas de branco estavam todas fechadas. Na porta da frente uma pequena cobertura para proteger da chuva e sobre ela, um pequeno cata-vento de ferro com um galo de prata sobre ele. Olhei para trás e vi criaturas grandes e estranhas vindo em minha direção, vi como eles eram... Os mortons.

Sua aparência era repugnante. Eles eram altos, com quatro olhos, dois normais e dois menores abaixo destes, não tinham pelos. Suas mãos ao final dos braços compridos eram garras que lembravam as de um "louva-deus" e suas pernas longas ficavam em posição flexionada. A cor da sua pele era bege, e andavam de maneira corcunda com seu corpo magro para observar bem o solo, a cabeça variava de tamanho de um para outro, seguindo um padrão oval. Não vi nariz em seu rosto e a boca era bem pequena.

Corri para a porta de entrada, abri-a com um jogo de corpo, adentrei o cômodo à minha frente, me escondendo deles. Embora fossem altos, não eram mais rápidos nem ágeis do que eu, mas tinham muita força. Vi um morton arrancar o portão de entrada do celeiro como se arrancasse folhas de árvores. Ao me virar, vi que as paredes estavam respingadas e manchadas de vermelho. Subi pelas escadas e encontrei vários corpos, alguns até mesmo mutilados. Aquela casa parecia um cemitério de tantas pessoas e animais mortos. O cheiro era insuportável. Saí por uma porta na varanda dos fundos, abaixei uma escada de emergência quebrada que não alcançava o chão e coloquei-me a descer, quando cheguei ao fim da escada, pulei. Corri para qualquer direção tentando despistá-los. Era ainda o mesmo campo, grama baixa e nada à minha frente, nem mesmo árvores, somente névoa. Em um determinado local vi corpos empilhados dos dois lados formando um caminho e decidi seguir por ele. Quanto mais eu corria, mais pessoas mortas apareciam empilhadas, tornando aquela pilha cada vez mais alta, até me deparar com uma parede de corpos, tão alta que atingia mais de quatro metros de altura. Fiquei chocado com o número de cadáveres. Olhei para trás e vi que os mortons já estavam mais próximos de mim. Eles me seguiram e eu não tinha para onde ir. Do topo da pilha de corpos ouvi uma voz familiar gritar meu nome dizendo:

– Suba! Escale a pilha de corpos!

Não sei quem gritava para que eu escalasse, mas fui mesmo assim. Comecei a escalar a pilha de mais de quatro metros de altura... Aqueles corpos estavam com sangue fresco, como se tivessem acabado de ser mortos e empilhados. Eu me segurava em braços, pernas, mãos, pescoços e cabelos. Tudo para que eu não caísse e virasse mais um naquela pilha. Eu estava na metade da subida e já havia tanto sangue em minhas roupas e em meu rosto que eu mal conseguia enxergar. Apoiei minha mão direita em um braço que se soltou do corpo e voou para baixo, e minha mão esquerda forçando a camisa de um corpo rasga-a quase inteira, me sustentando apenas pela costura da gola, com os pés presos entre dois corpos. Aquelas pobres pessoas me serviram bem... Continuei escalando a pilha até o topo. Chegado ao final da pilha enorme a única coisa que consigo ver é uma mão estendida que me puxa para cima...

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