4- Almas de ouro e almas divinas

  • Sempre quis matar um semideus - comenta um outro homem parrudo, com ossos e cabeça larga. Suas bochechas rosadas eram chamativas, em contraste com seus olhos, que pareciam se esconder, baixos e fechados. Ele se diferenciava do restante da tropa. Seu cabelo era um loiro transparente avermelhado.
  • Ninguém matará nenhum dos quatro aqui, Egil! Humberct, cuide do barba escura! Se Igvar não pode com ele, só você poderá! Acerte-o com força em regiões não letais: pernas, braço e barriga - diz um homem montado a cavalo, com sua voz imponente. Ele era o único em cima de uma cavalo.

Egil se irrita com o comando de Whaldar. Observa Cleoziou. Reconhece que é um sujeito forte. Se sente ameaçado por seus grandes músculos. Esse sentimento de medo desperta raiva e desejo de matá-lo. Se imagina golpeando-o com uma lança, e então, passa a sorrir. Enquanto fantasia, um corvo pousa no ombro de Whaldar. Segundos depois, este continua o comando em voz alta.

  • Egil, você cuida da mulher. Lembre-se, viva!

Tarellas encara o seu novo adversário, que lhe responde com um sorriso debochado, articulando os lábios sem sentido.

  • Vocês quatro, capturem aquele ali - esticou o braço e aponta o dedo para Allaidhus machucado! - Vocês três, tragam aquela criança de cabelo cinza viva!
  • E quanto aos demais, senhor? - Pergunta outro guerreiro loiro, portando arco e espada.
  • Aos demais, os que agirem com bravura, matem! Os que se acovardaram, deixem fugir. Uma observação, vocês podem estar imaginando que é melhor capturarmos as almas de ouro vivas. Mas, essas quatro são almas divinas, nossa prioridade máxima! Para quem eu não chamei, se esconda e dê cobertura aos seus companheiros. Mas não matem as almas divinas!
  • Mas só restou um homem e algumas crianças, senhor.
  • Este homem matou três dos nossos. Não os subestimem! E há uma criança que também já matou um dos nossos. É aquela ali - apontou para Arthur. Se ela ou o homem se aproximarem, matem-nos!
  • E eu, Whaldar? - pergunta Igvar.
  • Fique próximo a mim. Em breve aparecerá uma ocasião conveniente para você agir.
  • Não teme que todos fujam?
  • Não. A criança de cabelo cinza é o irmão menor dos quatro. Eles ficaram enquanto seu irmão menor foge. Isso nos ajudará.

Cleoziou observa Humberct. Nunca havia visto uma pessoa tão alta. Poderia ser considerado um gigante para os demais. Seus cabelos eram loiros, longos, presos para trás, com tranças em algumas mechas. Sua barba também era grande, apesar do seu rosto ser jovem e atraente. O barbudo começa a temer por seu irmão.

Arthur reclama:

  • Renan, cadê suas ideias geniais agora?
  • Arthur, ele é bom quando está sozinho, pensando. É um ótimo estrategista para o futuro - comentou Marlon. - Em situações rápidas, é diferente.
  • Então, pense no futuro! Vamos fugir! Pai, vamos!
  • Filho, tenho que ajudar Cleoziou. Leve seus amigos daqui.
  • Não, pai! Temos que ir!
  • Se esses três morrerem, tudo o que fizemos será em vão.
  • Pai, a vila já não existe mais! Esqueça tudo! Precisamos ir! Allaidhus e Tarellas já tentaram nos matar! Temos que fugir! CLEOZIOU - o garoto o chama gritando -, vamos todos fugir! Vamos! Você é rápido! Nos siga!
  • Filho, você não entende. Aqueles três precisam enfrentá-los. Fugir seria em vão! Morrigan os está observando há séculos. Seus inimigos os achariam em qualquer lugar. O único jeito é matá-los! Os três juntos são fortes.

Arthur, pensativo, responde:

  • Então ajude-nos a arrumar a carroça. Vamos tirar Bryan daqui.

As crianças e o pai correm para a carroça. Os três inimigos reservados a Bryan também correm atrás. Observando o perigo, Cleoziou encara o gigante sorridente por um tempo, levanta o seu martelo de guerra, se prepara para a batalha, mas, dá as costas ao gigante loiro e corre veloz, com saltos curtos atrás dos outros três inimigos que correm na direção de seu irmão menor. Ao se aproximar, mira no homem do meio, que era o último entre eles, e então, salta muito alto, levantando seu martelo de guerra para cima, e, acerta uma estrondosa martelada no capacete do homem, que cai morto.

Os dois homens restantes observam a martelada pelas suas visões laterais. Pararam de correr, e se viram contra Cleoziou. Encararam surpresos seu inimigo. Começam a circulá-lo com seus olhos sérios, determinados, domando seus arrepios trêmulos perante ao perigoso semideus. Rapidamente, Humberct salta mais alto, caindo dez metros à frente de Cleuziou. E então, o questiona com uma risada:

  • Queres fugir?
  • Saia da frente! A briga de vocês é comigo. Deixem-os em paz!
  • Nunca lutei com alguém tão forte. Esse é um momento especial para mim. Lute com tudo!
  • Vocês são doentes! Não respeitam a vida em prol da diversão.
  • Chega de faladeira! E vocês dois, voltem aos seus deveres!

O pai de Arthur e as crianças já alcançaram a carroça. Os dois inimigos que sobraram os avistam de longe, e correm em suas direção. O pai se agacha de costas para a lateral da carroça. Segura-a em um vão com as duas mãos, e usa toda a sua força para tentar desvirá-la, levantando apenas um lado, ao mesmo tempo que observa os dois invasores se aproximando. Com ajuda de Laron, Marlon e Bryan conseguem levantar uma de suas bordas, e vão a empurrando para o alto e para trás. Arthur e Renan aguardam os inimigos com seus machados.

  • Cadê aquele seu poder de fogo?
  • Ele não é meu. E está gasto - ao terminar de falar, recebe um chute da fada nas suas costas.
  • Vocês dois, o que pensam que estão fazendo? - Bryan questiona com autoridade.
  • Arthur e Renan, para a carroça - ordenou o pai.

Perto dali, Egil se aproxima de Tarellas, que o aguarda segurando o tronco da pequena árvore.

  • Você possui uma grande beleza selvagem - canta a moça com verdadeira admiração.
  • E você possui uma grande cabeça bizarra!

Egil se irrita, reagindo com uma careta séria e surpresa, abrindo a boca, forçando levemente os lábios, demonstrando ser uma resposta inesperada. Mas respira, e tenta mais uma vez:

  • Na floresta, tu és divina,

Na batalha, uma menina

Que sem lutar, já me domina

E meu coração, tu arruina.

Tarellas cansa-se da faladeira e parte para cima de Egil. Usa o tronco como bastão, e desta vez, já acostumada com o peso da arma, consegue acertar o tempo da investida, forçando Egil a se defender atrás de seu escudo, que se rompe ao meio, acertando o seu braço. A dor foi enorme! Mas Egil não se deixa abater, e, aproveita a distância. Parte para cima da mulher a segurando-a com seus dois braços em um abraço de urso. Tenta pressionar seus pulmões fazendo desistir da luta. Mas, a mulher, calmamente, encara a face do inimigo de perto, e, dá uma risada sutil, desprezando a sua força. Sem entender, Egil olha para a mulher e recebe uma forte cabeçada. Por conta do impacto, solta a mulher. Coloca as suas duas mãos na face, sentindo a dor - fica zonzo. Tarellas aproveitou para socar o estômago do inimigo, que caiu de joelhos no chão com falta de ar. Se levanta rápido, mas surpreendido, recebe uma mordida no pescoço, rompendo uma veia, fazendo escoar grandes proporções de sangue.

Ela mastiga o pequeno pedaço de carne com um prazer intenso. O gosto de sangue em sua boca era delirante. Fica mais animada ao observar a quantidade de sangue saindo do pescoço de Egil. Mas, seu senso de responsabilidade a desperta. Entende que ele sofrerá uma morte iminente de hemorragia. Se sente vitoriosa. Agora, contrariando seus desejos, dá as costas para o inimigo e corre em alta velocidade utilizando largos saltos. Observa Cleuziou lutando de igual para igual contra Humberct. Os deixam de lado e continuam a correr, até pular com uma voadora nas costas de um dos dois inimigos que estavam lutando contra o pai do Arthur. O homem foi isolado contra a lateral da carroça, batendo a cabeça, caindo de quatro. Fecha os olhos com a dor. Quando abre, olha para cima, e vê a machadada de Arthur.

Todas as crianças ficam espantadas com a violência do amigo.

O outro homem foi derrotado pelo pai de Arthur. Assim, sentindo o perigo de derrota, Whaldar ordena que Igvar ajude Egil em sua tarefa. Igvar leva duas lanças e um escudo novo ao seu companheiro de batalha, que se esforçava para estancar o sangramento. Egil rasga a sua camisa e dá um nó em seu pescoço. Igvar o espera, e fala:

  • Vamos! Com os dois homens mais fortes de Midgard, aqueles semideuses não terão chances!

Egil sorri para o amigo. Vão na direção da carroça, passam por trás de Humberct, e este previamente ordena:

  • Não toquem nele! - referindo-se a Cleuziou.

No caminho, observam que a carroça já estava em movimento, fazendo uma curva na estrada, sumindo de suas visões. O menino semideus estava partindo. E para complicar a situação, Allaidhus, Tarellas e o pai do Arthur estavam armados com espadas e escudos no meio do caminho, lutando contra os quatro homens encarregados de levar Allaidhus. Em instantes, mataram dois deles.

Temendo a reviravolta, Egil calcula as possibilidades. Observa a mulher de costas lutando. Quando ela acaba de matar o último dos quatro encarregados, Egil então joga sua lança com toda a sua força, atingindo o coração da semideusa por trás.

Allaidhus vê a cena com tremor no coração. Sua mente passa de vazio a negação. Tem dificuldade para aceitar o ferimento mortal em Tarellas. Ela estava bem, lutando vivamente! Agora, possuía uma lança cravada em suas costas, que logo começa a sangrar. Sua boca gesticula "não" sem voz. A mulher permanece de pé por alguns segundos, aliviando a tensão de seu companheiro. Mas logo fica tonta, quase caindo. Allaidhus corre em sua direção, e, a levanta em seus braços, antes que ela caísse de bruços. Ela agoniza com sangue na boca. Mesmo naquele estado deplorável, suja de sangue e suor, Allaidhus se sente apaixonado por ela. Segurou a sua amada que forçava a respiração. Ela treme. Tenta respirar. Dá o último suspiro vazio, e fecha os olhos, caindo a cabeça morta.

  • Tarellas? Tarellas?

Enquanto a segura com força, ele chora fechando os olhos. Suas lágrimas escorriam ao chão. Sem ver o inimigo, ele recebe uma lança no ombro. Sente o barulho do impacto e o do corte. Mas, Allaidhus ignora a dor, e continua a abraçar a sua amada. O pai de Arthur se aproxima o protegendo com escudo, e fala:

  • Vamos! Ela está morta!
  • Cale a boca!
  • Traga-a com você! Coloque-a na carroça.
  • Pai, vamos!

Seu pai fica surpreso ao ver seu filho - deveria estar na carroça.

  • Pai, estamos sendo cercados.

Allaidhus olha para frente, e vê Igvar e Egil correndo. Olha para um lado e vê um homem se aproximando de longe devagar. Olha para o outro lado, e vê outro homem na mesma distância.

  • Vamos! - Grita Marlon, que também havia saído da carroça e começou a gritar com seus amigos.
  • Kevin, escute. Nunca fomos amigos. Mas eu tenho um pedido, tome conta do meu irmão.
  • Você não precisava pedir isso.
  • Cale a boca! Vá! - Ele respira - Consigo matar esses quatro sem dificuldades.

Allaidhus deita a sua amada morta no chão com carinho, beija a sua boca, e fala triste:

  • Me desculpe!

Depois, arranca a lança de seu ombro, e com uma grande tristeza e mágoa, corre na direção de um dos inimigos da lateral. O mesmo atira uma flecha no peito do semideus, o perfurando. Mesmo sangrando com outro ferimento profundo, Allaidhus pula no pescoço do inimigo, o mordendo. Arranca um pedaço de sua carne, e se delicia enquanto também sente uma enorme dor e tristeza. O semideus logo deu uma segunda mordida enquanto o inimigo grita.

Arthur, seu pai e Marlon correm na direção da carroça, que já estava em movimento. Eles estavam mais rápidos que seus inimigos, que corriam lentamente. O distanciamento entre eles fez todos os inimigos pararem de correr, despertando uma pequena euforia nas crianças. A carroça já estava logo à frente, também em movimento, próxima de uma curva. Enquanto os garotos sorriam, uma flecha inesperadamente atinge a costela do pai de Arthur. Este, de pé, levanta a cabeça, caminha até uma árvore, apoia a mão nela, e olha para Arthur. Seu filho passa pela mesma situação de incredulidade que Allaidhus havia passado. Observa seu pai e fica sem reação. Não há palavras para descrever aquele momento. Há surpresa, espanto, incerteza, um lado esperançoso e confortável de ver o seu pai ainda de pé, um lado que teme a sua morte. Quando seu pai encosta suas costas na árvore e desliza sentando, seu filho corre em sua direção.

  • PAIIII!

Marlon olha para os lados, mas não encontra nenhum arqueiro.

Arthur se aproxima, se agacha, fita os olhos e segura a mão de seu pai. Mas Kevin o olha com rispidez, gesticulando com a boca, falando praticamente sem som:

  • Ailin. Fujam!

Ao ver o seu pai incapaz de falar, ofegante, mostrando total fraqueza e degradação, lágrimas começam a cair de seu filho. Sua boca passa a tremer. Logo as lágrimas viram um grande choro. Tenta falar com seus lábios trêmulos "tá bom, pai". O som sai com soluço. Seus olhos ficam vermelhos com tantas lágrimas. Se questiona se é possível salvá-lo.

No meio daquela cena dramática, Marlon se aproxima fitando Egil, Igvar e outros soltando, que de longe, se despiam de suas armaduras e roupas pesadas pelo corpo, jogando-as pelo chão.

Allaidhus já sensibilizado pela morte de sua amada, sente empatia com o sofrimento do garoto. Pensa sorrindo com lágrimas nos olhos, "Tarella, você iria gostar de ver isso". E então, correr até Marlon, e fala:

  • Vá para carroça! Eu levo o filho de Kevin. Seu amigo chegará seguro!

Marlon olha para Allaidhus perplexo e desconfiado.

  • Está tudo bem, garoto. Eu já me alimentei.

Marlon lembra da antiga história do homem que possuía um Leão como animal de estimação. O humano e o animal eram amigos. Mas o homem viajou por uma semana, deixando o leão aos cuidados do vizinho. Para seu azar, tal vizinho morreu doente no dia seguinte, deixando o animal faminto por uma semana. Quando o dono voltou, foi devorado pelo animal. Assim, pensa, "Allaidhus é uma fera selvagem. Mas, preciso confiar no único destino possível!". Depois parte correndo para carroça.

Kevin fecha os olhos.

  • Não, pai! Não! Acorda!

Arthur o abraça:

  • Não me deixe!

Allaidhus se aproxima do menino em lágrimas.

  • Ele não morreu, certo? Podemos levá-lo! - Questiona o filho chorando.

A tristeza e a pena dominam o semideus. Desce outra lágrima de seus olhos. Ele se aproxima mais de Arthur, e o puxa pelo braço.

  • O que está fazendo? Temos que levá-lo!

O homem fera pega Arthur do chão em um pique, o levanta apoiando a barriga do garoto em seu ombro. Arthur começa a gritar:

  • NÃO, temos que levá-lo!

Allaidhus fica parado e triste por um instante, mas volta a andar. Arthur que gritava, agora fala baixinho, em tom de choro, cheio de lágrimas nos olhos:

  • Temos que levá-lo.

Suas lágrimas escorriam entre o seu rosto. Ele se limpava, mas ainda sentia o seu rosto molhado. Allaidhus passou a correr quando os inimigos voltaram a correr. De longe, apenas pelo cheiro, sem estar vendo o seu irmão, grita:

  • Corra, Bryan!

Seu irmão estava no comando dos cavalos, e, começa a forçá-los com as rédeas para que corressem mais rápido! Enquanto o semideus corria com Arthur em seu ombro, o garoto via em lágrimas seu pai ficando para trás. Sua visão era turva. E desta maneira, é a última vez que irá vê-lo na vida.

Deprimido, após limpar o rosto e os olhos, vê seu amigo Cleuziou de longe sendo levantado pelo pescoço, segurado pela grande mão do gigante loiro. Whaldar se aproxima do gigante, e o corvo de seu ombro pula para o ombro do loiro. Antes de ver o que iria acontecer, Allaidhus vira a curva, corre mais rápido, e joga Arthur na carroça, que cai de ombros. Depois, olha para baixo e vê Marlon correndo atrás da carroça. Também o ajuda a subir o suspendendo pela gola. Por fim, fala para eles enquanto corriam:

  • Procurem Uscar!

Egil, Igvar e mais três homens, agora, correm rapidamente atrás deles todos. Bryan chicoteou os cavalos para que corressem mais rápido. Arthur, deprimido, deitado no chão da carroça, com lágrimas nos olhos, fala quase sem vontade:

  • Bryan, Epona irá se vingar.

Arthur começa a chorar mais. Renan e Laron olham para Marlon sem saber o que fazer. Era triste ver o amigo daquele jeito. Marlon consolava Ailin, abraçando-a enquanto também chorava soluçando. Suas lágrimas escorriam pelo rosto, batiam nas costas de Marlon e caiam no chão da carroça. Arthur percebe que há algo entre eles. Lembra da ordem que Marlon deu para Ailin subir na carroça antes do ataque do casal espanto. Agora entende que visava protegê-la. Ele também a ajudou a subir na carroça com delicadeza. Ela também o observava algumas vezes ao longo do dia. Então, Arthur entendendo tudo, começa a rir e chorar. Ao se lembrar de seu pai, chorava. Ao olhar para sua irmã, sorria. E então, dá uma gargalhada rápida, seguida de choro.

Aos poucos foi relaxando a boca e ficando imóvel. Observava que o céu azul, agora estava possuído por nuvens.

  • Cadê Cleuziou? - pergunta Renan.
  • Não se preocupe com ele. Nada pode pará-lo! - Responde Bryan de costas, no comando da carroça.

Allaidhus se afasta da carroça correndo para o lado, entrando entre as árvores, sumindo de vista. Marlon observa Laron olhando os inimigos assustados. Arthur, deitado, estica o braço para cima, apontando para as nuvens tentando tocá-las. Ele estava tão chocado que queria se desligar da realidade. Marlon olha para as armas na carroça, para os inimigos, e para Bryan dirigindo. Coloca Ailin sentada no chão, e então, pergunta ao seu irmão:

  • São quantos?
  • Sete.
  • São para nós?
  • Sim!

Renan escuta a conversa de boca aberta, aflito. Marlon chama o amigo:

  • Arthur.

Este não o responde.

  • Arthur - chama-o mais alto -. Eu tenho um segredo para falar.
  • Agora todo mundo tem um segredo - Arthur responde irônico, ainda olhando para o céu, ignorando quase tudo.
  • Meu irmão consegue ver os corvos da alma.
  • Da alma? Não são da morte - pergunta Renan.
  • São da morte e da alma. Os mesmos que a Deusa Morrigan usa na sua arte da premonição. Mas, eles também servem para capturar as almas dos mortos.

O silêncio pairou no grupo. Todos estavam atentos escutando o amigo. Seu irmão Laron terminou a fala:

  • Neste momento, há corvos voando atrás da carroça, bem próximos, perseguindo cada um de nós.
  • E agora? - pergunta Renan, sabendo que tal situação já aconteceu antes.

Marlon continua:

  • Há três maneiras de sair dessa situação. Uma, quando uma pessoa não prevista surge do nada, sem grandes motivos para estar ali. Duas, quando os corvos estão perto de nós, mas eles vão para outras pessoas que irão morrer em nosso lugar - no caso, o corvo sabe que você ou outra pessoa irá morrer.
  • E qual é a terceira? pergunta Ailin, ainda com seus olhos brilhando de lágrimas.

Os dois irmãos se entreolharam pensando em como contar. Laron começa:

  • Quando fazemos algo mais ousado e perigoso a ponto de ter grandes chances de morrer, e, que o nosso assassino não terá tempo ou coragem de fazer ou combater.

Marlon continua:

  • Temos que enfrentarmos o nosso medo. Superá-lo! Não deixar o nosso corpo cair na preguiça e no sentimento de derrota. É difícil de explicar! É necessário improvisar.

Enquanto falava, lá atrás, Allaidhus aparece correndo atrás dos inimigos. Joga a lança com força, atingindo um dos soldados. Depois, volta a correr em passos largos. Olha para os quatro homens de costas à sua frente, avalia, e, salta sobre Igvar, o mais veloz. Os dois começam a rolar no chão. Egil e os dois soldados continuam correndo atrás da carroça.

  • Superar o medo, preguiça e improvisar? Parece algo normal para vencermos desafios e combates - observa Renan.
  • Exato - complementa Marlon. - Os corvos seguem previsões de Morrigan. A arte de profetizar não é precisa. Suas previsões acertam a maioria dos casos. Mas ela pode se enganar sobre algumas pessoas.

Renan o escuta com atenção plena. Gostaria de perguntar para a fada porque ela ainda está nas suas costas. Também gostaria de pedir seus conselhos. Enquanto pensa, Arthur levanta do chão e fala.

  • Tenho uma ideia. Mas pode fazer a Epona nos amaldiçoar.
  • Arthur, também já há corvos para os cavalos - Laron retruca.
  • Para eles também? Como?
  • Não sei.
  • Droga! Então, vamos seguir com o plano.

Arthur sobe ao lado de Bryan e pede o comando da carroça. Bryan desce, vê que cada um está equipado com uma arma. Sem opção, pega o arco de caça de Weller - a última arma que havia sobrado. Olha um dos soldados correndo mais próximo da carroça. Puxa uma flecha e mira com arco para ele. O sujeito para de correr se preparando para desviar. Bryan faz uma feição séria, mira cuidadosamente no peito do soldado, e, atira.

O tiro sai desengonçado para o lado, passando longe do soldado, que ri. Bryan olha para seus amigos e fala:

  • Droga! Eu sou muito ruim!

O soldado observa que agora era outra criança quem dirigia a carroça. Sorri com a oportunidade. Tira o seu arco das costas e mira em Arthur. Levanta o arco para o alvo, e, atira. Todas as crianças observam a flecha subir. Percebem que ela está seguindo e acompanhando a carroça lá do alto. Mas, parecia impossível atingi-los. A flecha começa a cair. Consegue uma velocidade muito rápida. Todos se perguntam se ela irá acertar a carroça. E vai caindo mais rápido, na direção de Arthur. O soldado sorri com sua pontaria, mas, o escudo de Marlon protege o amigo. A flecha bateu e encravou no escudo, fazendo um barulho na madeira.

  • Então é assim que o cavalo morrerá - comenta Renan.

Laron estica a mão para Bryan.

  • O que você quer? O arco? Porque não pede como uma pessoa normal?

Laron passa a espada para o amigo e recebe o arco em troca. Ele mira no arqueiro que já havia voltado a correr - mesmo não estando tão perto. Puxa a corda com a flecha, cessa a sua respiração, e, atira! De boca aberta, Bryan fica surpreso com a boa mira do amigo. A flecha acerta o peito do soldado, que cai morto no chão. Laron dá um pequeno sorriso, e pega outra flecha. Todos ficam em silêncio, com ar de alegria. Renan pensa que a perseguição poderia acabar agora pela pessoa que ninguém esperava. Laron era o segundo mais novo dentro da carroça. Ele quase não fala. Assim, todos o julgavam como apenas um tímido de pouca confiança.

A aquela altura, o terceiro soldado já havia parado de correr, cansado. Apenas Egil seguia correndo - mesmo sendo o mais pesado. Laron mira a segunda flecha, puxa a corda, prende a respiração, e, atira.

Egil pega o escudo das costas e se protege com facilidade, sem parar de correr! Laron tenta mais uma vez, mas Egil novamente se defende.

A carroça passa veloz por uma curta inclinação, e, todas as crianças são levementes jogadas para cima pelo balanço dela. Agora eles estavam em uma leve descida. Egil começa a correr com longos saltos, aproveitando a ladeira, ganhando espaço. Marlon olha para o horizonte, e vê a encosta. Arthur anuncia:

  • Vamos cair lá!

Renan coloca as duas mãos na testa, abre os dedos, levanta o próprio cabelo e o segura de nervoso entre os dedos:

  • Não! Não! Não, não e não! Isso não vai dar certo!
  • Não temos escolha! Eles estão chegando! O único jeito de sobreviver é fazendo eles nos perderem de vista. Se cairmos lá, pensaram que estamos mortos!
  • Arthur, poderemos terminar mortos! - Exclama sua irmã amedrontada.
  • Ailin, confie em mim! Não arriscaria a sua vida se não houvesse outro jeito. Teremos todos que lidar com nossos medos.
  • Arthur, os cavalos vão parar antes - observa Marlon.
  • Eu já pensei nisso - responde o piloto.- Bryan, me ajude! Faça a mesma coisa no outro cavalo.

Arthur pula do comando para as costas do cavalo, montando-o. Tapa parcialmente a visão do animal com as mãos, deixando-o apenas olhar o chão, e não o horizonte. Bryan o segue fazendo a mesma coisa no outro cavalo. Renan repete:

  • Isso não vai dar certo! Isso não vai dar certo! Isso não vai dar certo!

E então, pula da carroça, caindo no chão, se encolhe deitado, tapando a própria visão. Com medo, escuta os passos dos soldados passarem. Seus amigos ficam sem palavras. Arthur olha para trás, fixando o olhar em seu amigo. Passa um aperto no peito. Todos ficam sem entender.

Laron senta de costas próximo ao condutor da carroça. Se acomoda na madeira da carroça. Abaixa a cabeça desnorteado com o amigo. Se perde tentando encontrar os motivos. Passa não prestar atenção em nada, até que, arregala os olhos! Fica paralizado com a expressão de espanto. Marlon se surpreende, e, pergunta:

  • O que foi?
  • Mais corvos.
  • E daí?
  • Muitos! Há centenas! Não, talvez mais! Há quase uma nuvem de corvos vindo em nossa direção. Alguns já estão na carroça. Há um bem na minha frente, me encarando.
  • Devemos parar?

Enquanto se distraem, Egil correndo, chega ao lado da lateral da carroça. Ele empunha a sua lança com a mão esquerda, e, ainda está com o escudo na mão direita. Estranhamente, corre sem sequer olhar para as crianças. Assim, Marlon analisa seu movimento e percebe que os cavalos perderam a velocidade quando suas visões foram quase todas tampadas. Consegue enxergar o objetivo do inimigo, que é atingir os animais para que parassem de correr. E então, ele olha para o Arthur, para o seu irmão, pega a mão de Ailin, dá um beijo:

  • Eu te amo!

Depois, olha para Arthur e sorri tendo uma lágrima nos olhos. Assim, com impulso repentino, pula da carroça empunhando o seu machado para cima de Egil.

Egil se protege com escudo. O garoto se agarra com uma mão no escudo, e com a outra golpeia desajeitadamente o braço do inimigo. Egil grita de dor! Seu grito foi tão alto de ódio, que todos escutaram - até Whaldar que estava longe.

O menino se agarra agora com suas duas mãos no escudo. Egil o solta, deixando o menino cair. Ele chuta a cabeça do menino. Tira o machado de seu braço e volta a correr. Quando olha para frente, vê que a carroça está prestes a cair na encosta. Agora Marlon deitado de barriga para cima, finalmente consegue observar pela primeira vez os corvos no céu, formando centenas de sombras no chão. Vira a cabeça para a carroça e percebe todas as crianças aflitas, observando-o com atenção - até Arthur e Bryan meio virados de costas. E de repente, a carroça cai girando para fora da encosta, com centenas de corvos mergulhando em sua direção! Todos foram perdidos de vista. O grito das crianças ainda foi ouvido se afastando em eco, caindo no desfiladeiro.

Egil corre até o limite da encosta, e vê que a carroça caiu em um largo rio. A queda era bem alta, ao ponto de ser assustador apenas olhar para baixo! Talvez as crianças não tenham sobrevivido. Não era possível vê-las ou escutá-las.

O inimigo nervoso começa a caminhar na direção de Marlon. E então, a criança zonza ri debochadamente.

  • Um pestinha precisa de uma lição.

Mexer com o tio Egil,

o fará perder a mão!

Então Egil pega a sua faca, e enterra na palma da mão direita da criança. Esta grita alto! Olha para a sua mão doendo, saindo sangue. A dor era forte. Mas, em pouco tempo, o garoto parou de ligar para a dor, e voltou a rir encarando o inimigo.

  • Garoto do mato,

garoto encrenca.

Eres debochado.

Só causa problema.

O tio Egil irá lhe ensinar,

que de um adulto não se deve rir.

Se continuar,

seu dente irá cair!

Chuta a cara da criança, que cai desmaiada de bruços.

Egil vira Marlon de barriga para cima. E fala:

  • Cometi um erro. Não devo bater em você com tanta força. Assim, você vai morrer rápido!

E então, soca a barriga da criança, que acorda no susto, agonizando.

Renan chega mais perto, e observa seu amigo apanhar. A fada sai de suas costas, voa até a sua face, olha para Renan e fala:

  • Você foi genial fingindo que estava com medo! Conseguiu enganar a todos! Agora, temos que sair daqui!
  • Fada, preciso usar o seu presente sem cumprir a missão.
  • Presente?
  • Renan abre sua bagageira e pega o fruto.
  • Não! Você não pode…

Era tarde demais. Renan mastigou o fruto. Logo depois, fala:

  • Por favor, saia daqui e se esconda! Eu gosto de você! Quero vê-la novamente viva! Se eu sobreviver, irei visitá-la todos os dias.

A fada fica sem entender. Não esperava aquelas palavras. Sem delongas, Renan correu na sua frente, chegando perto do Egil, e diz:

  • Ei, você é um homem muito feio, ou, um monstro?

Egil se surpreende com a voz da criança. Se levanta e se vira para Renan. Vai se aproximando. Encara o menino olho-a-olho. E para sua surpresa, a criança desmaia.

Observando as duas crianças no chão desmaiadas, escuta barulho de cavalo correndo. Whaldar se aproximava junto de Igvar. Egil e Whaldar se encaravam:

  • Onde está o semideus menino?
  • Caiu no rio. Pode estar morto.
  • Você matou a semideusa, e agora jogou a criança no rio? Você ignora as minhas ordens! Pensas que ficará por isso mesmo?
  • Quem é você para me dar ordens? Fica no topo do seu cavalo e não faz nada! Não sigo um líder covarde!

O ódio esquentou entre eles. Whaldar desce do cavalo. Egil caminha em sua direção. Whaldar repousa a sua mão na sua espada embainhada na cintura. Se entre olham com raiva. A tensão é enorme! Cada um está prestes a iniciar o primeiro movimento. E então, Humberct chega caindo do alto no chão com seu grande salto. Faz o barulho de impacto, depois pergunta:

  • Cadê a criança?
  • Egil a deixou escapar. Mas ele irá atrás dela! Não voltará ao nosso batalhão enquanto não a trouxer de volta. Humberct, se o ver outra vez sem a criança, mate-o!

Egil tem a raiva estampada em sua mandíbula. Sua cara fica toda vermelha de ódio. Continua a olhar nos olhos de Whaldar com toda a sua fúria. Segura com firmeza a sua lança. Surgem as palavras em sua mente "é agora!". Escuta os passos de Humberct se aproximando. Levanta a sua lança. Whaldar desembainha a sua espada. Mas, Egil engole o seu orgulho, e dá as costas para os dois, caminhando na direção do rio que carrega a carroça e as crianças.

Enquanto isso, Humberct e Whaldar observam Egil se afastar, seguindo a encosta, que desce acompanhando o rio. E este é tão longo, que seguindo com suas visões, o rio se perde na bela floresta de fundo. O grande rio atravessa um mar de árvores.

O sol estava se pondo, e o ar começa a ventar frio. Humberct estava aproveitando aquele momento com alegria e paz. Adorava estar vivo, perto da natureza. E então conversa com o comandante:

  • Esta é uma bela paisagem! Agradeça aos Deuses por forjá-la.

Os dois ficaram observando por um tempo, até aparecer o outro soldado que parou de correr por cansaço. Então Humberct pergunta a ele:

  • Como são as suas almas? - Aponta para as duas crianças no chão.
  • Esse é de ouro! Pulou da carroça para salvar seus amigos. Egil perfurou a sua mão, e ele ainda gargalhou debochado.

Humberct sorriu feliz.

  • Então o garoto irá ter grandes honras! Mas e esse aqui?
  • Esse é um covarde! Pulou da carroça com medo de cair na encosta. E depois, se encolheu de medo. Quando pensei que ele ia brigar com Egil, desmaiou de tanto medo!
  • Entendo. Bem, ele será o servo da minha irmã. Escravos precisam ser medrosos.

Whaldar olha para o soldado e fala:

  • Você, corra, pegue alguns e cavalos, e depois, alcance o Egil. Ajude-o! Apesar de serem crianças, dois homens já foram mortos pelas mãos de uma delas. Não podemos perder aquela criança.

O soldado correu, voltando na direção do caminho do Bosque. Whaldar se vira para Humberct:

  • Allaidhus está por perto. Pensei que quatro homens fossem suficientes. Agora vejo que apenas você poderá capturá-lo.
  • Irei atrás dele depois - responde o gigante. Primeiro, preciso acompanhar Finigans. 

Todos foram embora, menos Whaldar que estava pensativo. Finalmente ele sobe no cavalo, mas um corvo volta e pousa em seu ombro.

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