Capítulo III

ETHAN

─ Droga! ─ Esmurro a parede a minha frente assim que saio da sala de emergência.

Não aguento mais perder vidas para as malditas drogas. Este paciente que acaba de falecer foi o terceiro esta semana que morreu em minhas mãos por overdose e eu não pude praticamente fazer nada, pois ele chegou já em estado terminal.

Ando pelo corredor até chegar à saída querendo respirar um pouco. Quando alcanço o lado de fora solto todo o ar guardado dentro dos pulmões e passo as mãos freneticamente pelos cabelos soltos. Olho para frente e me deparo com um par de olhos amarelados assustados me de volta e nesse momento o mundo para, uma brisa forte balança meus cabelos, mas não ouso me mover, porque um sentimento forte toma conta de mim, não sei que tipo de sentimento é, mas não ouso me mover.

Não faço idéia de quanto tempo ficamos nos encarando, em nossa bolha, mas de repente um sensação de reconhecimento cai sobre mim, pois estes mesmos olhos que vejo diante de mim são os mesmos daquela garotinha que deixei em um convento a nove anos, neste mesmo vilarejo.

Nosso contato é quebrado no momento em que um garotinho, ao qual não tinha percebido ao seu lado, a faz desviar a atenção de mim, vira-se para ele na intenção de lhe responder algo. Nessa hora, aproveito o momento e entro no Centro Medico, porque olhar para aquela menina me fez reviver uns dos dias mais tristes da minha vida, pois perder o doutor Evans e ter que decidir a vida de outra pessoa, sendo eu um jovem médico que mal conseguia decidir algo sobre minha vida e de repente tendo que decidir a vida de uma pessoa e com o Centro Médico sob minha responsabilidade.

Lembro perfeitamente daquele dia, como se fosse hoje.

Caminho pelos corredores de paredes brancas até chegar em minha sala, entro e sento na minha mesa relembrando do fatídico dia.

As lembranças vêem imediatamente em minha mente, como um filme. Relembro o momento em que Guadalupe me chamou aos prantos informando que o Dr. Evans tinha sido atingido por tiros, naquele dia tudo estava um caos no pequeno vilarejo, pois a policia estava dando uma batida nas plantações as quais eram usadas por traficantes para plantar suas drogas. Mas como os homens do Cartel de Sinaloa não se deixam intimidar, responderam a altura os policiais, daí por diante tudo se tornou um verdadeiro inferno. Pessoas baleadas, mortas, crianças chorando por sobre os corpos dos seus pais e pais chorando sobre os corpos de seus filhos.

Mas apesar de estar diante do caos no Centro Médico saí correndo assim que tive a notícia sobre meu mentor e amigo, porém nada havia me preparado para a cena que vi assim que pisei meus pés do lado de fora e encontrei meu amigo no chão sobre uma poça de sangue, olhos vidrados e sem brilho, com o corpo inerte, mas o que me deixou totalmente abalado foi ver sua filhinha, Melanie, sobre ele chamando-o desesperadamente, aos prantos e com o corpo banhado em sangue.

Confesso que ver aquilo me deixou desnorteado, eu era muito novo, havia recém começado minha residência ao lado do Dr. Evans que tinha sido meu grande mentor na faculdade de Oxford o que me fez querer segui-lo até El Camino, um vilarejo de Sinaloa localizado na região oeste do México, para trabalhar ao lado dele, a fim de aprender com o melhor. E vê-lo caído cheio de sangue bem diante dos meus olhos me deixou sem chão, não consegui raciocinar direito, mas ao me aproximar do corpo e constatar o óbvio, que meu grande amigo realmente estava morto, me deixou arrasado, somado a pressão da minha família, que queria que eu fizesse minha residência no St George´s Hospital e não em um vilarejo pobre em Sinaloa no México, além disso tinha também a Karen, naquela época estava completamente apaixonado por ela, então resolvi adiantar meus planos com relação a nós dois e decidir voltar para Inglaterra

─ Como eu iria cuidar de uma criança?  Eu não conseguia cuidar nem de mim mesmo. ─ Constato tentando aliviar a culpa que carrego a nove anos em meu peito.

Aqueles olhos amarelos e chorosos me implorando para não deixá-la naquele convento acompanharam-me ao longo dos anos e creio que por isso, por me sentir culpado e em dívida com meu grande amigo, Dr. Evans, eu me candidatei à vaga que surgiu para o Centro Médico, anos depois, sem pensar duas vezes, além do fato de querer fugir de Londres, pois meu mundo tinha acabado de desabar sobre minha cabeça na época e quis fazer uma ultima homenagem aquele que foi um grande amigo para mim..

Há três meses aqui, tentei várias vezes visitar aquela menininha que deixei no convento, sem sucesso, mesmo pagando todos os custos da estada dela no convento, ás vezes até bem mais do que foi acordado com a madre superiora, não deixei que lhe faltasse nada. Suspiro audivelmente recostando a cabeça sobre o encosto da cadeira.

─ Droga! Mesmo não tendo conseguido vê-la o destino se encarregou de fazer com que ela viesse até mim.

A menina cresceu e está linda! Constato apesar de não conseguir ver muito dela, apenas o rosto e os olhos, grandes e expressivos, no rosto bonito.

─ Deus! O que estou pensando. ─ Passo as mãos sobre o rosto cansado devido às infindáveis 24 horas de plantão.

Levanto-me com intenção de ir embora. Despeço-me de Guadalupe, que para minha surpresa ainda continuava trabalhando no Centro Médico mesmo depois de tantos anos, aceno para algumas enfermeiras e alguns funcionários e sigo até a lateral do prédio, pulo para dentro do meu jipe e dou a partida rumo a minha casa.

Passando pelo vilarejo que é cercado por muitas árvores e uma mata densa. Cruzo toda pequena cidade em direção a mata, embreando-me dentro dela com meu jipe. A estrada é bastante acidentada, por isso este tipo de veículo é o mais indicado para esse tipo de estrada, já que é um jipe militar.

Depois de alguns minutos dirigindo chego em minha pequena cabana, localizada bem dentro da mata fechada, o que para mim foi questão essencial para me fazer alugá-la, pois tudo o que quero nesta fase da minha vida é sossego e paz.

Desligo o motor e entro em casa já querendo tomar um bom banho, comer alguma coisa e apagar por horas. Amo meu trabalho, mas tem certas horas que só queria passar alguns dias sem fazer nada, apenas sair pela floresta sem rumo, escalar montanhas, nadar livremente.

Vou em direção ao quarto arranco toda a roupa sobre mim ficando apenas com a boxer e assim saio da casa em direção a cachoeira que fica a uns dez minutos de distância da cabana.

Ao chegar lá retiro a única peça que ainda me cobre e mergulho. Dou várias braçadas dentro da água gelada para relaxar meu corpo da tensão do dia, mas mais principalmente para tentar esquecer aqueles olhos grandes e amarelos. É como se a imagem tivesse sido gravada em minha memória em brasa.

Ela parecia bem. Penso, ainda sem compreender que tipo de sentimento foi aquele que senti quando nossos olhos se conectaram, a palavra é essa: conexão. Pois houve uma ligação muito forte que fez tudo parar ao nosso redor e por um minuto pude ver sua alma refletida naqueles olhos expressivos e cristalinos, de uma tonalidade que jamais vi em toda minha vida, ali consegui ler sua alma e ver além da aparência externa.

Nadei até a exaustão e quando não aguentava mais, deitei sobre uma pedra debaixo da cachoeira sem conseguir tirar a imagem do anjo de olhos amarelados da cabeça.

─ Porra! Que merda está acontecendo comigo? ─ Esbravejo sem entender o por que de ter ficado tão mexido assim desde o encontro com a menina. Talvez seja isso: remorso.

─ É isso! Só pode ser remorso, por não ter dado a ela mais tempo para tentar absorver a dor da perda do pai.

─ Mas o que é que eu podia fazer naquele momento? Minha vida já estava um caos e o que menos poderia fazer era arrumar mais problemas para mim, por isso aquela foi a saída mais adequada que encontrei, jamais iria deixar a filha do meu grande amigo desamparada. Mas em contrapartida, tenho a noção de que a deixei um pouco desampara sim, porque não fui verificá-la nenhuma vez pessoalmente nesses nove anos que se passaram, no entanto tenho noção que liguei várias vezes com a intenção de falar com ela, sem sucesso então o que me restava era apenas enviar o cheque com o dinheiro para suprir todas as suas necessidades. ─ Passo as mãos freneticamente pelos cabelos grandes. ─ A culpa é uma droga mesmo. ─ Levanto com a intenção de dar várias braçadas novamente só para esquecer.

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