Prólogo

Era noite. A lua cheia brilhava implacável, iluminando as ruas e becos da área industrial da cidade. Aquele era o tipo de lugar onde os vampiros se escondiam, pois ficava abandonado durante a noite. O silêncio foi quebrado pelo som dos pneus contra o asfalto quebradiço, devido aos muitos anos de desgaste e abandono. O veículo parou em frente a uma das muitas fábricas que estavam abandonadas e dele desceu um grupo de homens e mulheres uniformizados. Outros dois veículos estacionaram ao lado do primeiro, e mais pessoas se juntaram ao grupo. Aparentemente se tratava de militares ou alguma coisa do tipo, devido ao uniforme escuro que usavam.

Os membros do grupo caminhavam próximos uns dos outros e mantinham alerta total. O homem que parecia ser o líder parou, ele não aparentava ter mais de vinte e cinco anos, assim como os outros. Ele gesticulou para que seus homens se espalhassem de forma que ocupassem boa parte da fachada frontal da fábrica. O homem careca e de pele amendoada respirou fechando seus olhos, seu olfato lhe mostrava que aquele era o lugar, o fétido cheiro dos vampiros dominava o ar. Ele abriu seus olhos, suas íris brilhavam amarelas iluminadas pela luz do luar.

— Esse é o lugar — dirigiu sua atenção para os outros homens — Radesh e Jonas, preparem as bombas, tudo deve estar preparado para quando estivermos todos de fora do prédio. Os outros venham comigo.

— Sim senhor — responderam prontamente.

Os dois homens, que ficariam do lado de fora, concordaram voltando para o veículo. Enquanto isso, o grupo que havia ficado na entrada da fábrica tomou a forma de enormes feras, lobisomens. O líder foi o primeiro a terminar a transformação, sua pele humana havia se rompido dando lugar à pele, coberta de pelos, da besta. Ele seguiu para o interior da fábrica abandonada, sendo acompanhado das outras criaturas. Antes de entrar, ele uivou, vislumbrando a lua, anunciando o início de sua caçada.

 A fera que ia à frente parou olhando ao redor, sentia o cheiro das criaturas da noite, mas pareciam estar escondidas. O som de alguma coisa correndo chamou a atenção das feras que se espalharam atentas. Com duas adagas em mãos uma vampira correu na direção deles, com uma destreza sobrenatural, ela saltou para o teto que se estendia a cerca de cinco metros acima do solo e continuou seu trajeto, correndo de cabeça para baixo. Enquanto os lobisomens a observavam, ela saltou para o chão, ficando no centro do grupo de feras.

— Não somos inimigos — a vampira falou, olhando-os. — Não matamos humanos por aqui, fazemos uma troca justa. Vocês não deveriam estar neste lugar.

O líder dos lobisomens voltou para sua forma humana, enquanto gritava de dor devido à transformação. A pele de suas costas carregava profundas cicatrizes como se ele tivesse sido ferido várias vezes por garras. A vampira sorriu olhando para o corpo nu do homem, não ligaria de mordê-lo, seria até um prazer. O lobisomem aproximou-se da vampira, encarando-a. Se ela quisesse atacar já o teria feito.

— Não existem acordos justos com a sua espécie — ele riu de lado — estão mantendo-os sob algum tipo de encantamento.

— Não temos vampiros dessas linhagens por aqui! Estou falando a verdade, esses humanos não são seus inimigos, nem os vampiros aqui presentes. Além disso, sei que a Alcateia não permitiria que vocês matassem humanos.

— Matem ela! — o lobisomem em forma humana ordenou aos outros. — Matem todos aqui dentro, seja ele vampiro ou humano.

— O que estão fazendo é um erro. — A vampira falou, arrumando as adagas em suas mãos. — As espécies podem viver em paz, deixem meus lideres lhe mostrarem isso…

Um dos lobisomens prendeu a vampira em um abraço da morte, fazendo-a perder a fala. O lobisomem apertou ainda mais a vampira, fazendo seus olhos começarem a sangrar. Com um movimento rápido a criatura noturna foi partida ao meio, enquanto seu sangue respingou no chão.

***

Jonas olhou as bombas ao redor do prédio enquanto terminava de instalar o último explosivo, nunca havia escutado os vampiros gritarem tão assustados ao se encontrarem com os da sua espécie. Eram os vampiros mais medrosos que já havia visto em toda sua vida, parecia até mesmo que eram humanos. O lobisomem levantou assustado, e se houvesse humanos lá dentro? Isso explicaria essa gritaria e justificaria os prantos de pavor que havia escutado.

Ele inspirou o ar profundamente tentando sentir o odor dos feromônios humanos, e lá estava, disfarçado sob o odor repugnante dos vampiros, havia dezenas de humanos lá dentro, e estava prestes a colocar toda aquela construção no chão. O lobisomem quis correr para o interior do prédio sendo impedido por Radesh que o segurou.

— A missão tem que ser cumprida — Radesh falou, segurando o outro. — Todos sabemos que matar humanos é errado, mas pensa comigo: Se humanos e vampiros se unirem, perdemos nossa utilidade e nosso inimigo vai controlar toda a humanidade.

— Mas nossos votos proíbem matar humanos desnecessariamente.

— Foram os comandos da Ordem, todos nesse prédio devem morrer. A sobrevivência de toda nossa espécie está acima da vida deles. Por isso, vamos explodir o prédio e encobrir nosso crime, a Alcateia não vai saber o que aconteceu aqui. Ninguém nunca vai saber do dia em que a humanidade escolheu o lado dos vampiros.

Jonas concordou indo para o veículo, preferia manter distância e não escutar os gritos humanos. Mas se humanos e vampiros estavam juntos em paz, alguma coisa estava errada. O rapaz viu os lobisomens saírem da fábrica voltando para suas formas humanas enquanto Radesh preparava para destruir o prédio. Jonas respirou com dificuldade controlando o choro, era seu primeiro trabalho em campo, sempre ficava no laboratório desenvolvendo armas contra os vampiros. Naquele momento, sentia-se como o criador da bomba atômica. Era sua culpa a criação das bombas que matariam o que tinha prometido proteger, bombas praticamente sem som, que fariam o desabamento parecer um acidente. O rádio transmissor sobre o painel do veículo chamou, fazendo-o voltar para a realidade, era um chamado do centro da Ordem.

***

O líder do grupo de lobisomens assistia ao prédio que desmoronava, muitas vidas haviam sido perdidas naquele dia, mas caberia a ele carregar o fardo de ser o culpado por aquelas mortes. Pouparia seus companheiros da culpa pelas vidas humanas tiradas naquele dia. Jonas deixou o carro com as mãos trêmulas tentando pensar o que falaria com o homem. O rapaz correu até o líder, seu rosto estava triste, a notícia não era boa.

— Senhor, seu irmão sofreu um acidente — Jonas balbuciou.

— O que aconteceu? Como ele está? E quanto sua esposa e filha?

— Apenas as duas sobreviveram. Infelizmente seu irmão não aguentou os ferimentos e morreu a caminho do hospital.

O homem gritou ajoelhando no chão enquanto chorava, havia partido na juventude para se juntar à Ordem e por isso não pode estar com sua família, perdendo-os um a um sem poder se despedir. O som das chamas que queimavam a fábrica era tudo o que conseguia escutar. Talvez a morte do irmão fosse Deus o punindo por tirar aquelas vidas humanas, em troca foi tirado dele o que tinha de mais precioso.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo