Amor, vamos lá

Eu não sabia por quanto tempo estive observando aquela cena que já conhecia tão bem; horas lânguidas vendo os movimentos quase coreografados dele se reverberando contra o vento, jogando para cima apenas poeira e folhas enquanto a bola de vôlei quicava de um lado para o outro da quadra. A grama alta ricocheteava para lá e para cá e as mínimas gotículas de suor que escorriam por sua pele eram arremessadas ao ar, irradiando os raios fortes do Sol.

Tornou-se parte da minha rotina olhar para Nathan imerso em seu treinamento exaustivo quase todas as manhãs. Eu apenas me sentava próxima — mas em uma distância segura, claro — e, com os cotovelos apoiados nos joelhos e queixo sobre as palmas das mãos, deixava-me perder totalmente em seus movimentos.

Uma gama de devaneios remexia minha mente nesses momentos, mas nenhum fazia realmente sentido ou era marcante o suficiente para eu me devotar a ele. Não, o único que realmente prendia minha atenção era Nathan. Ele se movia vigorosamente contra o vento, em passos bruscos e golpes crus, até as roupas se tornarem pesadas de suor ou seus músculos estarem se contraindo tanto que era possível vê-los estremecerem. Eu também olhava para os longos cabelos castanhos chacoalhando ao vento, tentando acompanhar o corpo onde estavam presos, formando uma espécie de espectro insistente entorno de sua cabeça e que, por vezes, intrometia-se pela face ou agarrava-se aos lábios. E, claro, seus olhos também chamavam minha atenção, mesmo sendo difícil acompanhá-los naquela bagunça de ações: opacas pérolas verdes, com um levíssimo tom de castanho em algum lugar, emoldurados por cílios grossos e por uma pele cor de creme.

Por que eu fazia isso? No começo, debati mentalmente sobre essa questão, surpreendendo-me na véspera ao concluir seu significado, todavia, agora, passado tanto tempo — isto é, tantos anos de convivência entre nós —, mesmo admitir minhas razões já não era mais motivo de constrangimento para mim.

Eu o amo, amo o Nathan.

E...? Nada. Estive mantendo esse sentimento pelos últimos meses, segurando-o numa gaiola para que não tentasse escapar. Eu não sou corajosa nesse sentido, posso me dispor a entrar num fogo cruzado de bom grado, porém não irei me declarar e tornar o clima constrangedor entre nós.

Nathan não tem olhos para mim, na verdade, digo com segurança que ele não tem olhos para ninguém. Nunca o vi comentar sobre o assunto, mesmo quando seus amigos levavam a questão até ele, muito menos o peguei olhando de soslaio para qualquer garota ou garoto. Acho que ainda existem pessoas que não pensam no amor ou conseguem se manter alheias a ele — sortudas miseráveis —, mas eu não sou uma delas, infelizmente.

No começo, fiquei desconfortável com essa situação, é claro. É doloroso segurar sentimentos infrutíferos e continuar olhando quem ama todos os dias sem nem ao menos poder ser sincera com ele. Eu até tentei conversar com minhas amigas sobre isso e me arrependi um segundo depois, quando elas ameaçaram me arrastar até Nathan. Não era tão simples, mas provavelmente as duas, que eram bem resolvidas quanto aos seus sentimentos e não hesitavam em seguramente fazer o que queriam, nunca cogitaram a hipótese de que eu não conseguiria cuspir meus sentimentos perante o gênio do vôlei da nossa turma.

A rejeição não era meu único temor, na verdade, eu provavelmente lidaria bem com ela, porém, acima de tudo, sabia que Nathan só poderia ser chamado de gênio quando se tratava de sua lógica e habilidades, pois o seu emocional...

Ele era indiscriminadamente orgulhoso e até arrogante algumas vezes, apesar de ter melhorado com o passar dos anos. Nathan também poderia ser estranhamente infantil ou teimoso e, sem sombra de dúvidas, competitivo. Claro, essas coisas não eram apenas deméritos, pois compunham uma personalidade interessante que comecei a compreender melhor com o passar do tempo.

Por exemplo, o grande astro do vôlei de quadra poderia até ser perspicaz nos campeonatos, porém, em se tratando de duplo sentido ou mesmo sarcasmo, ele conseguia ser enganado facilmente. Sua ingenuidade era engraçada e eu admito que me diverti às suas custas algumas vezes, porém sempre me desmanchava em risos depois.

Ah, por falar nisso, outra coisa muito singular em Nathan era sua dificuldade para lidar com constrangimentos. Foi hilário o dia em que, durante um treino próximo ao rio, decidi nadar um pouco e estrear meu novo maiô e ele e seus amigos acabaram me vendo. Enquanto o Rodrigo, seu melhor amigo, rapidamente decidiu nadar também e não se demorou a dar um mortal e cair na água, Nathan ficou tão vermelho quanto um morango maduro, gaguejando e sem conseguir me olhar direito.

Hehe, sim, aquilo foi muito divertido, pois aquela face corada só o deixou mais bonito. Porém, agora, tal lembrança era apenas um tapa na minha cara, alimentando minha frustração. Bem, tecnicamente eu mesma me torturava dia após dia ao acompanhar o treinamento dele, então não faz realmente muita diferença.

Qual é, tinha que ser o Nathan? Eu não poderia me apaixonar por alguém como o Rodrigo, gentil, sincero e animado — às vezes até demais —, ou mesmo Gabriel, outro amigo em comum, e seu emocional de manteiga derretida? Precisava mesmo ser o distante, orgulhoso e frio Nathan?

Será que ele sequer sabia o significado da palavra "amor"? Quiçá, tal como a arrasadora maioria dos garotos da sua idade, já teria se sentindo atraído por alguma pessoa? Não importa se fosse apenas uma atração física, mas duvido muito que tenha ocorrido.

Nathan era focado nos seus objetivos e nada além deles. Poderia ser até irônico admitir, mas, para alguém com uma precisão exemplar e reflexos de se invejar, ele só conseguia olhar para frente e, infelizmente, eu não estava nessa sua linha reta.

Mas estaria tudo bem se continuasse apenas gostando dele, certo? Nathan não precisava saber, nem ele e nem ninguém. Vê-lo já estava bom para mim, ter sua confiança bastava, ouvir seu tom de voz calmo e sério poderia me saciar, mesmo que eu nunca pudesse alcançar seus lábios...

E se fosse só um beijo? Ele me rejeitaria? Iria passar a me ignorar ferrenhamente? Ficaria bravo? Que tipo de expressão estaria em seu rosto...?

— Thaís? Está me ouvindo?

Voltei ao planeta Terra, chacoalhando para longe quaisquer pensamentos consternantes para encarar a causa das minhas divagações.

Meu Deus, como era possível alguém ser tão bonito mesmo estando uma bagunça?

Sua pele brilhava de suor, destacando a alvura que já possuía, seus cabelos, bagunçados, caíam como uma cortina pesada sobre os ombros, com alguns fios grudados aos lábios, e suas roupas, amarrotadas e desajeitadas pelo corpo, visivelmente eram um incômodo perante a respiração irregular que fazia seu peito subir e descer. Mas o rosto dele se destacava, naturalmente corado de exaustão, jogando um tom leve de rosa sobre a paleta pastel de sua pele, os lábios permaneciam entreabertos, largando respirações ao vento, enquanto seus olhos denotavam apenas cansaço.

Isso já estava virando tortura!

— -água?

— O quê? Desculpe, eu não ouvi direito...

— Pode me dar a água? — repetiu e eu aguentei seu olhar emburrado com uma expressão sonsa enquanto ele apontava para a garrafa ao meu lado.

Eu a entreguei, como sempre fazia. Na verdade, já que constantemente vinha vê-lo, acabei começando a gradativamente tomar meu espaço aqui, trazendo comigo algumas coisinhas, é claro. Na minha cabeça, antes de sair de casa, eu parava e me perguntava: "Ele sempre fica suado depois dos treinos, será melhor levar uma toalha?", "Nathan nunca se lembra de trazer nem uma simples garrafa de água consigo, talvez eu devesse levar uma então?", "Ele provavelmente vai estar faminto após gastar muita energia... Será melhor levar algo para comer?".

É, talvez eu não estivesse me saindo muito bem em tentar não alimentar minha paixonite por Nathan... O que posso fazer? Por alguma razão, passei a simplesmente amar esses momentos que passamos juntos neste campo de grama piniquenta e Sol ardido. Vê-lo sentar-se ao meu lado, com uma toalha no ombro para secar o rosto — a toalha que eu lhe trouxe —, garrafa de água gelada em mãos — a garrafa que eu lhe trouxe — e, depois, poder observá-lo desfrutar de alguma coisa que fiz para ele comer, eram coisas que conseguiam fazer meu coração entrar em êxtase.

Sim, eu era só uma idiota apaixonada, meu Deus!

— Isso está muito bom, onde você comprou? — ele perguntou, olhando o sanduiche em suas mãos, e eu, no mundo da lua, respondi sem hesitar.

— Ah, fui eu que fiz.

Parabéns, Thaís.

— É sério? — Seus olhos voltaram-se para mim, surpresos. — Não precisava ter esse trabalho. Na verdade, você também não precisava me trazer comida, já disse isso várias vezes.

Esse era o problema principal do Nathan: não sabia interpretar bem a atmosfera nem as ações dos outros, ainda mais quando eram gentis com ele e, geralmente, era frio ou grosseiro em resposta. Resumindo, ele era um tapado. Mas eu sempre soube disso, então, como nas outras vezes, apenas acenei para ele, fingindo que amanhã não faria novamente algo para lhe trazer. Na verdade, o seu sermão estava pontualmente engraçado dessa vez, principalmente com aquele grão de gergelim impertinente perto do queixo, estragando sua postura séria e madura.

— Está me ouvindo, Thaís?

— Sim, sim, totalmente...

Não sei se acabei provando do famoso "carma instantâneo" ao mentir na cara dura, porém meu cérebro simplesmente acionou o botão automático e eu ergui a mão para limpar seu queixo com o polegar, fazendo-o congelar e induzindo o meu próprio congelamento também.

Ah, que vontade de me chutar mentalmente!

— O-opa...! — Afastei a mão o quão rápido pude, gesticulando sem nenhum sentido na frente de Nathan, que continuava paralisado. — Um grã-grão de gergelim! Tinha um grão de gergelim no seu queixo, hahaha!

Um nanosegundo depois, ele virou o rosto para o lado, seus cabelos escorrendo como uma cachoeira escura para tentar ocultar sua face, porém eu ainda conseguia ver o quão vermelhas estavam suas orelhas. Meu Deus, que vontade de virar seu rosto e encarar qualquer que fosse a expressão que ele estivesse tentando tão ferrenhamente esconder!

Meu coração chegava a se contorcer, culpando-me por provocá-lo daquele jeito mesmo afirmando ser em vão. Como se fosse divertido ficar se corroendo por causa de amor! Eu não posso continuar desse jeito ou acabarei fazendo alguma bobagem.

Certo, a partir de amanhã, não virei mais, ponto final!

— Obrigado, Thaís...

Ah, não, não, nem me venha com essa agora...!

— Quero dizer, obrigado por vir sempre... Não só pela ajuda, di-digo, não que eu não aprecie o que faz por mim...

Por que ele tinha que continuar falando? E aquele rosto constrangido? O olhar acuado de quem não fazia ideia do que estava fazendo e a boca contorcida em um apertar trêmulo, hesitante... Por que eu tinha que estar apaixonada por esse idiota?

— -companhia...

— O quê? — Acordei novamente, piscando várias vezes, tentando assimilar o que ele falou, pois claramente havia perdido alguma parte.

Nathan ergueu o rosto até mim rapidamente, entretanto, censurou-se logo em seguida, cobrindo a boca com uma das mãos antes de ameaçar se levantar.

— Nã-não foi nada, okay? Estou indo, sugiro ir embora também.

O que estava acontecendo? Ou melhor, o que eu deveria fazer? Por causa da minha ação impensada, estraguei o clima confortável de sempre. E agora? Voltar amanhã e rezar para estar tudo bem? E, se estiver, continuar assim? Por quanto tempo? Quanto tempo estarei observando-o sem nunca poder tocá-lo apesar de estarmos tão pertos um do outro?

Mas, se eu desse o primeiro passo, o que me esperaria?

Ah, que se dane!

Mesmo que o meu próximo passo desencadeasse uma queda fenomenal para algum precipício, eu ainda ignorei qualquer voz interna e, agarrando aquele gênio covarde pela manga, trouxe-o de volta para mim. Ou melhor, para os meus lábios, pois, se ações sutis não o fariam reconhecer meus sentimentos, eu só precisaria ser mais enfática, não?

Mesmo que por segundos tão rápidos, pude sentir Nathan trancar sua respiração fortemente dentro do peito, senti seus lábios levemente ásperos contra os meus e os fios de cabelo dele enrolando-se ao meu redor com a força do vento...

Então, nós caímos.

Sim, foi uma queda, na verdade, literalmente uma queda. Nós dois caímos em meio a grama irritante, fazendo aquele beijo descoordenado se quebrar na minha risada pateta e constrangida. Mas, bem, Nathan ainda estava aqui e, com meus braços ao redor do seu rosto, ele não poderia se defender, né? Nem esconder sua estupenda face pasma, atônita e envergonhada, revirando-se em uma mistureba de sentimentos que mal lhe permitiam falar.

— Escute, Nathan — falei, e estava orgulhosa da coragem transbordando por minha voz — Sabe por que eu venho aqui todas as manhãs para te ver treinar? Não é por sermos amigos desde pequenos ou algo assim, não confunda as coisas. Na verdade, sinto que, mesmo se nos tornássemos inimigos mortais, eu continuaria vindo aqui só para poder passar alguns momentos com você e sua cara de sério. E sabe por quê?

Ele deixou escapar uma expiração quebradiça, sem tirar os olhos de mim, mesmo quando tornei a ultrapassar qualquer limite seguro entre nós para beijá-lo novamente, desta vez, deixando-me aproveitar melhor o momento.

Seus lábios estavam trêmulos contra os meus, eu podia ouvir os batimentos acelerados estalando dentro do seu tórax e a respiração quente que escorregava até a minha face ocasionalmente. Sua boca ainda retinha consigo o gosto do pão com gergelim e leve amargura de alface do sanduiche o que só me fez cogitar a hipótese de passar a trazer-lhe mais coisas doces para essas seções de treino.

Ah, mas também pude sentir suas mãos, hesitantes, segurando meus braços quando fiz menção em me afastar, prolongando aquele beijo cheio de suor e grama até a falta de ar vencer ambos.

Eu encarei aquela nova versão nada séria de Nathan, com as madeixas castanhas transpassando pelo rosto, os lábios amassados e vermelhos, a face cor de rubi, a respiração em arfos, o olhar perdido... Eis o meu gênio do vôlei.

— Eu amo você, Nathan, é por isso que continuo vindo aqui, para estar perto de você o máximo possível...

Por minutos expectantes, com o coração a galope, eu aguardei pacientemente alguma resposta. Vi Nathan voltar-se aos seus arredores, perdido em pensamentos, até tornar a me encarar com um olhar muito mais poderoso que qualquer arma, amaciado em alguns muitos sentimentos que o fizeram sorrir para mim quase como um suspiro.

— Eu também te amo, Thaís... — suas palavras penderam leves pelo ar que corria entre nós — Eu amo todas as vezes que você vem me ver, porque te amo, Thaís...!

Um sorriso largo surgiu pelo meu rosto e eu comecei a rir, contagiando a risada de Nathan também. Nós dois começamos a rir um do outro por estarmos ocultando nossos sentimentos durante tanto tempo como dois idiotas. Esse era o amor, ele poderia cegar alguém ou abrir os olhos de alguém.

O importante era que eu amava Nathan e ele me amava também, nada mais me importava.

Deixei-me derreter entre seus braços para beijá-lo novamente, um beijo muito mais profundo em que o vi se atrapalhar do começo ao fim. Ele era um desastre beijando, mas isso se concerta com o tempo e eu não estou nenhum pouco com pressa.

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