Capítulo Três

A imagem que agora se refletia no espelho mostrava um homem altivo, determinado, viril. Roberto Aguiar, com seus 30 anos de idade, não era propriamente bonito, no sentido literal da palavra, contudo os bíceps e o peito bem delineados pela musculação constante, combinados a um rosto atraente e de traços largos, causavam inveja a muitos homens e a cobiça de muitas mulheres.

Conferindo a barba recém-feita, ele contemplava com orgulho a própria imagem, enquanto sentia o corpo ainda vibrar, por uma vontade sexual quase insaciável.

Voltou ao quarto e conferiu as horas no relógio sob a mesinha-de-cabeceira: quase duas horas da manhã. Estava sem sono e um tanto quanto nervoso. Ainda precisava descobrir por que a esposa demorara tanto para sair da faculdade e por que mentira. Aquilo estava lhe consumindo.

Sentou-se na cama e, sob a claridade fraca do abajur, apreciou o belo corpo semidescoberto de Adriana, enquanto pensava se no sono profundo no qual ela estava entregue naquele instante apareciam outros homens. Tentou imaginar com quem e com o que ela estava sonhando e de repente sentiu-se impotente, deprimido. Nada poderia fazer para impedi-la de sonhar com outros homens. Nada! E isso o consumia ainda mais. Afinal, era completamente maluco por ela e não poderia admitir perdê-la para ninguém. A simples hipótese de que isso pudesse acontecer deixava-o transtornado, completamente desesperado.

Ele se empenhava para não se sentir assim e, sobretudo, para não sentir tanto ciúme, mas esse sentimento não era algo que ele conseguisse controlar. Além disso, ele tinha certeza que não se sentiria tão inseguro se Adriana simplesmente ficasse em casa, como uma boa esposa deveria ficar. Fora por isso que se casara com ela, apenas um ano e meio depois de tê-la conhecido. Ele a queria somente para si, dia e noite, noite e dia. Adriana, no entanto, era egoísta demais para compreender seus sentimentos, e o quanto ele sofria por vê-la em companhia de outras pessoas, pensou Roberto, sentindo uma revolta quase feral por esse motivo.

Ele tentou não pensar mais nisso ao puxar o lençol que cobria superficialmente o corpo da esposa e correr os dedos por suas coxas.

Ela estremeceu com o contato e abriu os olhos, assustada.

−  O que houve?! Algum problema?

−  Está tudo bem – respondeu, após aconchegar-se ao lado dela. – Estou apenas sem sono.

−  Então, vamos dormir – ela pediu, e se virou para o outro lado.

Ele hesitou por um instante, depois a abraçou por trás e comprimiu o corpo quente e excitado contra o dela.   

−  Você é tudo para mim, Dri. Não saberia viver sem você.

−  Por favor, Beto, vamos dormir. Estou morrendo de sono.

Ignorando seu pedido, a tentativa de recuo, Roberto virou-a para cima e estendeu-se pesadamente sobre ela.

−  Você prometeu que iria me recompensar...

−  Mas nós acabamos de fazer amor, Beto, e eu preciso dormir. Estou cansa...

Ele abafou sua voz com um beijo impetuoso.

−  Beto, por favor... – ela teve dificuldade para conseguir afastá-lo um pouco. – Você está me machucando.

−  Então não me rejeite – murmurou ele, antes de imobilizar as mãos dela para cima da cabeça e chupar com força a pele fina de seu pescoço.

−  Por favor... – ela estava praticamente suplicando agora. – Deixe-me descansar.

−  Não levará mais do que alguns minutos.

−  Eu sei. Mas... eu não estou pronta.

−  Basta apenas relaxar – disse Roberto, já em ofegos. – E tudo vai dar certo.

Adriana sentiu a dor da penetração rápida e seca, e tentou reprimir o grito, suprimir a dor, entretanto... seu choro abafado despertou a pequena Letícia.

−  Mãezinha – sussurrou a menina.

E a fim de bloquear o choro da mãe, embora não conseguisse impedir as próprias lágrimas, Letícia se encolheu na cama e comprimiu as mãozinhas com toda a força contra os ouvidos. Mesmo assim, ela continuou ouvindo os soluços contidos da mãe.

Não era a primeira vez que Letícia ouvia a mãe em prantos durante a madrugada, e apesar de não ter idade suficiente para imaginar o que de fato acontecia no quarto ao lado, ela não tinha dúvida, nenhuma dúvida, de que era o pai quem fazia sua mãe chorar.

Duas e meia da manhã, Daniel rolou irrequieto pela cama. Tentava procurar explicações para a avalanche de sentimentos que agitava seu coração desde a noite anterior. Mas não era fácil explicar sentimentos que ele pensara nem mais existir, até rever novamente a prima.

Embora a verdade pura e simples fosse que Adriana Diniz Martinez, ou Dri, como era chamada pelos mais íntimos, nunca havia saído completamente de seus pensamentos, admitiu Daniel.

Mesmo reconhecendo isso, porém, Daniel não pôde deixar de se surpreender pela facilidade e rapidez que tudo voltava à sua mente agora, por lembrar-se tão bem de mínimas coisas, e, sobretudo, por ainda ser capaz de sentir o gosto de um beijo que acontecera havia mais de dez anos. Adriana não suspeitava que ele já estivesse completamente apaixonado por ela naquela época. Se bem que, sendo sincero consigo mesmo, nem ele mesmo soubesse. Afinal, era apenas um garoto na flor da adolescência, e Adriana era apenas uma menina. Uma menina magricela e corajosa que sempre o fascinara. Mas obviamente ele jamais revelara seus sentimentos, e eles nunca passaram de um beijo, um único beijo, que ficara para sempre gravado em sua memória, em seu coração.

Droga! Daniel não queria pensar mais nisso, não queria pensar mais em Adriana, afinal ela estava casada, e ele estava feliz com sua atual condição de homem livre e desimpedido, de professor universitário bem-sucedido, de pai. Aliás, seu filho fora a única coisa boa que restara de seu último relacionamento amoroso. Um relacionamento que começara bastante divertido, excitante, mas que deteriorara antes mesmo de sua namorada anunciar a gravidez. Por uma questão de caráter, ele assumira sua responsabilidade sem qualquer pressão de seus pais ou dos pais dela. Mas Célia tinha um mau humor insuportável, lamentava-se por tudo e tinha ciúme até da própria sombra. Por isso, três anos depois de viver um inferno completo, Daniel se viu obrigado a sair do próprio apartamento.

Não fora fácil para ele, pois amava o filho mais do que tudo. Contudo, não houve opção, Daniel comprou um novo apartamento e entrou na Justiça para adquirir o direito de ficar com Felipe nos finais de semana.

Independentemente de tudo isso, ele não guardava qualquer mágoa da ex-mulher, pois, apesar de tudo, Célia era a mãe de seu filho, e uma boa mãe. E isso era o que importava, pensou Daniel, enquanto rolava de um lado para o outro da cama, tentando dormir.

Mas o sono não vinha.

Frustrado, levantou-se, colocou um roupão e seguiu para a cozinha para preparar sua bebida preferida: chocolate quente. Depois foi até a sacada de seu enorme apartamento, localizado no bairro de Perdizes, região nobre da cidade de São Paulo, e tentou relaxar. Só que o rosto de Adriana não saía de sua mente, por mais que ele tentasse esquecê-la.

Assim, retornou ao quarto apenas quando os olhos pesaram o suficiente para ter certeza que cairia na cama feito uma pedra. E não pensaria mais em Adriana... pelo menos por algumas horas.

Apesar do sono profundo no qual mergulhara até seis horas da manhã, ele não conseguira relaxar por completo. Acabou vestindo um short e uma camiseta para fazer uma caminhada, e no trajeto decidiu passar na casa dos pais, que moravam a apenas algumas quadras do seu prédio. Precisava conversar, distrair-se com um bom bate-papo.

−  Meu pai e minha mãe já estão acordados? – perguntou Daniel à jovem e desconhecida empregada, assim que entrou.

−  Ainda não. Quer que eu vá avisá-los que o senhor está aqui?

−  Não, não precisa – respondeu ele, conferindo as horas no relógio de pulso. – Minha mãe acorda num péssimo humor, se for despertada antes das sete e meia. E meu pai deve estar em pé daqui a pouco.

Ela sorriu. Um sorriso gracioso e gentil.

−  É. Eu sei.

−  Como é o seu nome? – quis saber Daniel.

−  Cleide, senhor.

−  Então, Cleide, você poderia me preparar um café?

−  Sim, senhor. Claro.

A prestativa empregada se retirou e Daniel seguiu até a confortável sala de estar e se aconchegou no sofá de couro branco em forma de L. Logo em seguida, ouviu um barulho às suas costas.

−  Filho, o que faz tão cedo aqui?!

Daniel aguardou o pai terminar de descer a escada, e abraçou-o com carinho.

−  Estava com saudade.

−  Humm, aí tem coisa! – disse Pedro, jovial. – Mas, venha, vamos ao escritório conversar.

−  Vamos primeiro tomar o café, pai. Pedi para a Cleide preparar... Ah!, e por falar em Cleide, o que aconteceu com a Ruth?

Pedro Antonio deu uma risadinha sarcástica, depois respondeu baixinho:

−  Não aguentou a sua mãe.

Ligeiramente descontraído, Daniel também sorriu. Apesar do amor que tinha pela mãe, ele sabia que o gênio dela era difícil de lidar.

Seguiram então para a copa e tomaram café enquanto procuravam colocar os assuntos mais corriqueiros em dia. A seguir, foram para o escritório.

−  E então, filho, o que está acontecendo? – perguntou Pedro, após acomodar-se atrás de sua escrivaninha e Daniel ajeitar-se na poltrona à sua frente.

−  Lembra da Dri?

−  Claro que me lembro. Como poderia não lembrar?... Aconteceu alguma coisa com ela?

−  Ela voltou para São Paulo.

−  Voltou?! Como sabe?

−  Ela está estudando lá na faculdade. É minha aluna.

−  Sua aluna?! Ora, ora, como o mundo dá voltas, hein! – comentou Pedro, com uma malícia engraçada. – Agora tá explicado o motivo deste brilho no seu olhar.

Daniel deu uma risada tensa.

−  Sabe, pai, sei que parece ridículo que depois de tanto tempo eu ainda sinta alguma coisa por ela, mas ontem, quando a revi... Bem, sei lá, foi tudo tão estranho...

−  Estranho? Como assim?

Daniel passou as mãos pelo rosto. Embora sempre fosse muito bom com as palavras, naquele momento as palavras não eram suficientes para explicar seus sentimentos.

−  Acho que não saberia explicar exatamente o que senti... A única coisa que posso lhe dizer é que mesmo depois de tanto tempo, eu... eu não a esqueci.

−  Sinceramente, – tornou Pedro, após pegar uma caixa de charutos importados na gaveta da mesa e acender um deles – não sabia que você havia gostado dela tanto assim. De qualquer forma, se quer saber minha opinião, não acho que isso seja ridículo. Nem um pouco.

−  Pois foi exatamente assim que me senti, ridículo.

Pedro soltou um pouco de fumaça no ar e depois sorriu divertido.

−  Em vez de ficar dizendo bobeira, por que não se declara logo a essa moça, antes que ela fuja novamente?

Daniel meneou a cabeça.

−  Não posso.

−  E por que não?

−  Porque ela está casada.

O sorriso de Pedro desapareceu, e ele não soube o que dizer.

−  É uma situação complicada.

−  É, pai, – respondeu Daniel, após respirar profundamente – eu sei.

Pedro continuou sem saber o que dizer, por isso foi direto:

−  Você tem de tirar essa moça da cabeça, Dani.

Daniel baixou os olhos e se remexeu na cadeira, inquieto.

−  Não vai ser fácil, agora que ela voltou.

−  Eu sei que não, mas é o que terá de fazer.

 Daniel respirou fundo novamente. Depois tentou mudar de assunto.

−  E como estão as coisas aqui em casa?

      Houve um longo momento de hesitação, antes de Pedro responder:

−  Mais ou menos.

−  Mais ou menos por quê? – quis saber Daniel. – Aconteceu algum problema?

−  Estou me separando de sua mãe...

Daniel levou um choque.

−  Como?! O que disse?

−  Que estou me separando de sua mãe... Eu sei que esse não é o melhor momento para falar disso, mas prefiro que saiba diretamente por mim, assim posso ter a oportunidade de explicar os meus motivos.

−  E por que, pai? O que houve?

−  Porque sua mãe e eu já não somos felizes há muito tempo – disse Pedro com amargura. – Sempre fizemos questão de manter as aparências em público, no entanto, entre quatro paredes, sempre tivemos graves problemas em nosso relacionamento – ele bateu o charuto no cinzeiro, num gesto nervoso. – Lógico que parte dessa farsa também foi culpa minha, pois como sempre fui avesso a escândalos, e muitas vezes engoli em seco as intrigas de sua mãe. Fiz isso até mesmo em casa, porque não queria que os empregados ou você nos vissem brigando.

−  Realmente, presenciei pouquíssimas brigas entre você e a mamãe – comentou Daniel, após alguns instantes em silêncio. Parecia que de repente o mundo começava a desabar em suas costas. – Por isso mesmo, nunca imaginei que fossem tão infelizes assim, embora soubesse que não fossem exatamente felizes, já que tão raros quanto as brigas que presenciei foram os flagras de carinho.

−  Não vou lhe dizer agora que sua mãe e eu nunca fomos felizes. Porém, de alguns anos para cá, percebi que para manter essa falsa felicidade eu havia me anulado e deixado sua mãe tomar conta da situação – Pedro falava com ressentimento profundo. – Sempre fiz tudo como ela queria para evitar brigas, para evitar confrontos... Fui um fraco.

−  O senhor deveria conversar com a mamãe, pai, e explicar tudo o que sente, abrir seu coração, quem sabe assim ela mude.

−  Não, filho. Não creio que isto seja possível. Sua mãe nunca mudará.

−  Está sendo muito radical, pai. – Daniel não pôde evitar que sua voz se tornasse mais pesada, rude. – Mamãe não é uma pessoa ruim. É apenas um tanto quanto dominadora e até mesmo manipuladora, mas não é má. Além disso, tenho certeza de que ela o ama e que não deseja perdê-lo.

Pedro meneou a cabeça com veemência.

−  Sua mãe nunca me amou de verdade. Também nunca me valorizou.

−  O senhor está sendo injusto com mamãe. Ela sempre valorizou o casamento, a família...

−  Não – corrigiu Pedro, pacientemente. – Sua mãe sempre valorizou o conforto e a segurança que o casamento traz. Sempre valorizou ter o sobrenome de uma família tradicional, a companhia de pessoas da alta sociedade etc.

Porque se sentia terrivelmente tenso para continuar sentado, Daniel levantou e começou a andar de um lado para o outro da biblioteca. Obviamente, ele reconhecia que a mãe sempre fora apegada demais ao conforto, joias raras, objetos de arte valiosos. Assim como reconhecia também que sua mãe era mesmo capaz de continuar em um casamento falido para manter a posição social, o status. No entanto, droga, reconhecer isso não tornava as coisas mais fáceis. Nem um pouco mais fáceis.

Após um longo momento de angustiante silêncio, ele respirou fundo e tornou a sentar-se. Talvez fosse egoísmo seu não compreender o pai, pois ele também se separara da mulher, por motivos não tão diferentes assim. Mas o que ele não conseguia compreender era por que o pai resolvera se separar de sua mãe depois de quase trinta anos de casamento. Ou será que havia outro motivo?

−  Posso lhe fazer uma pergunta, pai? Quero que a responda com toda a sinceridade.

Num gesto afirmativo, Pedro balançou a cabeça.

−  Faça quantas perguntas quiser, filho.

−  O senhor tem outra mulher?

Houve um momento de hesitação, e uma ligeira mudança nos olhos verdes de Pedro.

−  Não posso mentir – confessou, enfim. – Realmente conheci uma mulher que...

−  Há quanto tempo? – interrompeu Daniel.

−  Não faz muito tempo. Apenas alguns meses.

Daniel conseguiu controlar as palavras terríveis que amargavam em sua garganta, embora não conseguisse controlar o ressentimento que crescia em seu peito.

−  E ela é mais nova? – quis saber.

−  Ela é dois anos mais nova do que eu. Tem 48 anos.

−  Quase a mesma idade da mamãe – murmurou Daniel, sem saber se devia se sentir aliviado pelo pai não estar se separando de sua mãe para ficar com qualquer vagabundinha ou ainda mais irritado por não se tratar de um romance passageiro. – Então não é um simples caso?

−  Não, não é – respondeu Pedro com convicção. – Marisa não é do tipo de mulher que aceitaria ter casos. Ela é realmente especial... Quero que a conheça logo que se julgar em condições. Assim poderá comprovar por você mesmo o que lhe falei.

−  E filhos?... Ela tem filhos?

−  Dois. Já estão casados e ela vive sozinha.

Amargurado, Daniel ainda pensou em dizer ao pai que desse nova oportunidade à mãe, afinal eram quase trinta anos de casamento! Porém, como poderia pedir isso?, perguntou a si mesmo. Seu pai tinha todo o direito de ser feliz. Além do mais, já existia outra mulher na parada. Era tarde demais.

−  Pai, não posso deixar de admitir que estou muito decepcionado – ele não fitou o pai enquanto falava. Estava ressentido demais para isso. – Só que eu não estou decepcionado porque o senhor está se separando da mamãe e sim porque arrumou outra mulher, antes de consumar a separação. Mamãe não merecia isso.

Apesar de compreender o ressentimento de Daniel, era muito importante para Pedro que seu filho, seu único filho, entendesse seus motivos, aceitasse sua decisão.

−  Não pense que foi algo proposital – tentou explicar. – Simplesmente aconteceu... Eu a conheci no clube onde jogamos tênis.

Daniel tentou imaginar quem seria a pessoa. Porém, evidentemente, seu pai mantivera nesse caso a mesma admirável discrição que sempre tivera.

−  Eu a conheço?

Pedro meneou a cabeça.

−  Não. Acho que não. Ela é... ela é uma das faxineiras do clube.

−  Faxineira?! – Daniel nunca fora preconceituoso. Porém, passou por sua cabeça que o pai poderia estar sendo vítima de uma golpista experiente.

−  Sim. Qual é o problema disso?

−  Qual é o problema?! Ora, pai, como pode ter certeza que essa mulher não está apenas a fim do seu dinheiro?

Pedro franziu o rosto.

−  Não estou lhe reconhecendo, Dani. Mas se quer saber, eu tenho certeza da integridade da...

−  Como pode ter tanta certeza? – Daniel não queria sentir-se tão irritado, pois, como já dissera a si mesmo, o pai tinha todo o direito de ser feliz. Mas seu tom de voz denunciava sua confusão de sentimentos. Desapontamento, amor e até mesmo raiva se misturavam quase na mesma medida. – Tem muita mulher por aí capaz de qualquer coisa para...

Pedro ergueu a mão antes que Daniel terminasse de falar.

−  Filho, não acha que tenho experiência suficiente para distinguir uma mulher honesta de uma vagabunda?

Daniel tornou a levantar-se. Precisava de um tempo para pensar... para se acostumar à ideia.   

−  Só espero que saiba o que está fazendo, pai.

Pedro levantou-se também, aproximou-se do filho e colocou a mão em seu ombro.

−  Não se preocupe. Sei exatamente o que estou fazendo.

−  É o que eu espero – disse Daniel, antes de se desvencilhar da mão do pai, deixar a biblioteca e subir as escadas.

Wilma ainda dormia. Acordou assim que ele entrou.

−  Querido! Que saudades!

Daniel aproximou-se e a beijou na face, quando ela se sentou na beirada da cama com expressão abatida.

−  Deixe de ser exagerada, mãe. Se alguém ouvisse isso, pensaria que há meses não venho aqui. E eu estive aqui no sábado retrasado.

−  Ainda não me acostumei com sua ausência – reclamou Wilma, após ajeitar os cabelos desarrumados para trás. – Também não entendo por que não voltou para casa, depois que se separou da Célia.

−  E acho que nunca vai querer entender, não é, mãe? – brincou Daniel, na vã tentativa de quebrar um pouco a tensão.

−  Faz tempo que você chegou? Já tomou café?

−  Faz pouco mais de uma hora – respondeu ele, após sentar-se ao lado dela. – E não se preocupe que eu já tomei café. Eu e o papai.

Ela lançou-lhe um olhar triste.

−  E ele lhe contou alguma coisa?

Daniel balançou a cabeça para cima e para baixo.

−  Contou sobre a separação? – e rapidamente lágrimas de autocompaixão afloraram nos olhos castanhos de Wilma. – Contou que está saindo de casa?

Ele tornou a balançar a cabeça. Depois, pegou a mão esguia e elegante de Wilma e colocou entre as suas.

−  Oh!, mãe, eu lamento muito o que está acontecendo. Lamento de verdade.

−  Ele tem outra, filho. Tenho certeza disso.

Daniel ficou calado. O que poderia dizer? Confirmar as suspeitas de sua mãe e magoá-la ainda mais? Claro que não achava certo que o pai tivesse arrumado outra, antes mesmo da separação. Mas o que ele poderia fazer?

−  Você não vai dizer nada? – perguntou ela, olhando fixamente para o rosto de Daniel. Ele se parecia demais com Pedro Antonio quando era jovem. – Seu pai comentou alguma coisa sobre outra mulher?

Ele não podia falar. Havia um bolo enorme em sua garganta que o impedia disso. Ainda calado, envolveu a mãe em seus braços e beijou o topo de sua cabeça, afagou seus cabelos, até que pudesse falar alguma coisa.

−  Mãe, eu sinto muito. Sinto muito mesmo. Mas talvez seja melhor assim. Sei que a senhora e o papai nunca foram realmente felizes. Viveram juntos todos estes anos por pura conveniência.

−  Não! – Wilma afastou-se para fitá-lo. – Não diga isso, meu filho. Eu amo seu pai. Sempre amei. Está certo que após tantos anos de vida em comum, Pedro e eu tivemos problemas, decepções, mas isto acontece com todos os casais.

−  A verdade, mãe, – contrapôs Daniel, suavemente – é que faz muito tempo que a senhora e o papai vivem apenas de aparências... Talvez seja hora de pensarem em ser felizes de verdade.

Wilma deixou as lágrimas descerem. Realmente seu filho estava certo. Havia muito tempo Pedro e ela viviam de aparências. Havia muito tempo ela e Pedro não demonstravam verdadeiro carinho um pelo outro. Reconhecia que por causa do seu gênio forte e arrogante, muitas vezes magoara o marido, entretanto, nunca imaginou que ele chegaria a ponto de querer separar-se dela. Pedro sempre fora tão cordato, passivo. O que havia mudado?

−  O que os outros vão dizer, filho?

−  Não acredito que em pleno século 21 a senhora esteja preocupada com o que os outros vão falar! – Daniel ficou ligeiramente irritado. – Que se danem os outros! Falem o que quiser! Não devemos nada a ninguém. O importante é ser feliz, mãe.

Wilma continuou chorando. Seu filho nunca a compreenderia.

−  Ah!, filho, se pelo menos você voltasse a morar comigo, eu me sentiria mais feliz.

−  Desculpe, eu não posso fazer isso, mãe – falou Daniel, antes de tornar a acolher Wilma em seus braços. – Preciso ter minha privacidade, entende? Porém, prometo que sempre virei aqui para lhe fazer companhia.

Ela permaneceu abraçada a Daniel, enquanto se perguntava por que Pedro mudara tanto. Ele tem outra. Só pode ser.

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