A Revelação

Chegamos lá antes do sinal tocar, a minha irmã me apresentou sua professora e depois foi brincar com os seus amigos. Engoli em seco de nervosismo por imaginar o que a professora da Karol podia querer comigo.

- Por que não veio os pais da Karolayne? - Me perguntou a professora.

A professora de Karol era uma moça jovem, loura de olhos castanhos e muito bonita, devia ter por volta de uns vinte e cinco anos e parecia ter muita paciência com seus alunos, não era a toa que minha irmã me falava muito bem dela.

- O pai dela morreu há alguns anos e nossa mãe trabalha muito e não tem como faltar o serviço, mas pode falar comigo, eu sou irmão mais velho dela e passarei qualquer coisa para a nossa mãe. - Falei.

- Ok. Sabe, a Karolayne sempre foi uma das minhas melhores alunas, sempre foi a primeira a acabar a tarefa, super inteligente, ela corrigia comigo todas as questões do quadro, sempre foi rodeada de amigos, mas ultimamente ela está muito quieta, não tem vontade de brincar ou fazer os exercícios que eu passo, fica sozinha no recreio e se eu chamo a atenção dela por não fazer algo ela chora, anda muito sensível. Você tem notado alguma mudança no comportamento dela?

- Realmente eu tenho notado que a Karol tá meio diferente e tá bem sensível mesmo, tem chorado com muita facilidade. - Falei.

- E sabe que isso não é tudo. Esses dias eu pedi para eles fazerem três desenhos sobre eles, sobre suas paixões ou medos ou apenas aquilo que lhe definisse. E olha o que a Karol desenhou.

Ela me mostrou um desenho de uma menina sentada com aspecto de medo e o fundo todo de preto, confesso que estranhei bastante, pois Karol nunca havia desenhado essas coisas.

- Quando eu perguntei quem era, ela falou que era ela.  - Falou a professora se referindo ao desenho.

Depois ela me mostrou dois outros desenhos que ela havia feito, um deles tinha um homem com um cinto na mão e o outro era de uma menina com esse homem e todos os desenhos estavam em preto e branco, cores que a Karol nunca havia gostado.

- Seu Manuel, eu peço que converse com a mãe de vocês e tentem descobrir o que se passa com a Karol, pois ela não está bem, ela não fala o que está acontecendo, mas pede socorro com o olhar, só que sem saber o que aconteceu fica difícil de ajudar. - Fez uma pequena pausa. - Está tudo bem na casa de vocês?

- Está sim, pode deixar que eu vou tentar descobrir o que houve. - Falei.

Nisso o sinal tocou e todas as crianças começaram a entrar na sala de aula, dei um beijo no rosto da minha irmã e fui embora, ela me olhava de um jeito como se estivesse me pedindo para ficar com ela, porém eu não podia, então lhe disse para ela não ir de kombi naquele dia porque eu iria lhe buscar, ela adorou a ideia, falou que me esperaria, e então eu fui embora.

- Eu vou buscar a minha irmã no colégio e depois a gente vai lanchar fora. Você quer ir com gente? - Perguntei ao Victor pelo telefone.

- Claro. - Respondeu.

No caminho para a escola da Karol eu comecei a pensar em tudo que sua professora me falara, o que me deixou bastante intrigado, não conseguia tirar isso da cabeça.

- O que foi? - Perguntou Victor enquanto caminhávamos. - Você está tão quieto. 

- Ah estava pensando umas coisas aqui, mas nada demais .- Falei.

Ao me ver Karol pulou no meu colo como se não me visse há anos e depois cumprimentou Victor de quem ela gostava bastante, o garoto havia avisado os seus irmãos que iria lanchar fora para que eles pudessem fazer algo para comer.

Fomos lanchar em um lanchería perto da escola da minha irmã, eu havia pedido um hot dog que estava muito bom e depois de sair da lanchería fomos tomar alguns sorvetes.

- Soube que tem um filme bem legal em cartaz. Que tal se a gente for hoje ao cinema? - Perguntei a Victor quando eu estava em sua casa.

- Ah, ia ser legal, mas não vai dar. Tenho que ir trabalhar. - Falou Victor cabisbaixo.

- Victor, no que você trabalha? - Perguntei. - E nem pense em fugir do assunto dessa vez.

- Manuel, eu vou te contar, mas não quero que você pense besteiras sobre mim. - Falou.

- Claro, pode falar.

- Eu sou garoto de programa, Manuel. No começo eu até achava legal ficar com as minas e ainda receber por isso, mas agora meio que enjoou, sabe? Eu nunca pensei em trabalhar nisso, mas quando nos vimos sozinhos no mundo eu tive que dar um jeito de sustentar os meus irmãos e como ninguém queria dar emprego para um menor de idade eu acabei entrando nesse mundo que foi o único que me aceitou. - Falou Victor.

- Ah, entendi. Tudo bem Victor, eu entendo e não tenho nada a ver com isso, você faz o que quiser com a sua vida. - Falei.

É, pelo menos agora eu havia descoberto porque ele não queria que eu soubesse no que ele trabalhava. E parece que era verdade mesmo o que todo mundo dizia, ouvia muitas pessoas falarem isso no colégio, mas nunca pensei que fosse verdade, Victor era tão lindo para ser garoto de programa, ah vai entender esse garoto, mas por um lado eu até entendia, Victor tinha dois irmãos menores e precisava sustentar eles e foi esse o jeito que ele encontrou para fazer isso, até porque não é todo lugar que dá trabalho para um menor de idade.

- Sabe Victor, eu estou muito preocupado com a minha irmã. - Falei.

- Por quê? O que houve com ela? - Me questionou Victor.

- Ela está estranha, diferente, até a professora dela me falou isso e o que mais me preocupa é que ela não quer se abrir comigo.

- Putz cara, imagino como você deve estar se sentindo, se fosse um dos meus irmãos eu também estaria louco de não poder ajudar. - Falou Victor enquanto jogava uma bola de ping pong para o ar e pegava com uma mão.

- É. É horrível mesmo. - Falei cabisbaixo.

- Sabe o que eu sempre faço quando estou chateado? - Perguntou Victor ao guardar a bolinha em sua escrivaninha. 

- O quê? - Perguntei curioso.

Ele então se levantou da cama e tirou um embrulho de seu armário, porém ao me mostrar eu fiquei boquiaberto.

- Você usa drogas? - Perguntei surpreso.

- Uso, por quê? Você não? - Ele me perguntou como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

- Não! - Falei.

- Não sabe o que você tá perdendo, isso faz você esquecer os problemas do mundo. Quer experimentar? - Me perguntou enquanto cheirava aquele troço de cheiro horrível.

Por um momento eu até pensei em aceitar, mas depois eu percebi que estava errado, que não era aquilo que eu queria para a minha vida e na verdade nem para a vida do Victor, tinha muito medo de acabar gostando daquilo e não conseguir mais parar.

- Valeu, mas eu tô fora. Quando você voltar a consciência, se quiser me procure. - Falei me retirando.

Dava para crer nisso? Victor usando drogas era algo ruim demais para ser verdade, foi horrível ver ele ali diante de meus olhos se drogando sem eu poder fazer nada para impedir. Queria saber a quanto tempo ele usava aquelas porcarias, o porquê dele haver começado a usar, mas na hora que eu vi ele lá usando aquelas coisas eu não consegui perguntar mais nada, fiquei muito mal de ver o cara que eu gostava fazer aquilo.

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