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– Minha tia, eu consegui! Eu realmente consegui um emprego no primeiro dia nessa cidade!

Maria das Dores entrou no apartamento, feliz por sua conquista. Sabia que, assim, poderia pelo menos dar à tia uma parte do valor recebido para cobrir os gastos naquele lugar. Ainda que estivesse tão contente, percebeu que a tia estava sentada no sofá, cabisbaixa. Marta se bastou em responder:

– Que bom, minha filha, eu fico muito feliz. Espero que dê tudo certo. – Sua voz era fraca e estava embargada, como se estivesse chorando momentos antes daquele encontro.

Percebendo que algo estava errado, Maria das Dores se aproximou da tia, sentando ao lado dela no sofá. A TV estava ligada, passando algum programa que ambas desconheciam. Na verdade, nem lembravam que estava ligada naquele instante.

– O que aconteceu, tia Marta? – A pergunta de Maria das Dores trazia um medo em seu rosto da resposta que poderia vir logo depois.

– Ah, minha filha. Não ando muito bem da saúde não. O médico recomendou uma dieta bem forte. Nada de comer aquelas coisas boas que tanto gosto. E também preciso tomar uns remédios meio fortes – ela suspirou. – E disse que não posso me esforçar tanto para que meu coração aguente. É, minha filha, parece que sua tia aqui não vai ficar muito tempo nesse mundo.

Maria das Dores abraçou a tia, sabendo que ela estava preocupada principalmente por conta dos remédios:

– Não fale assim, tia, eu tenho certeza de que a senhora viverá muitos dias ainda nesse mundo. E eu vou conseguir conquistar tudo que precisarmos para que a senhora melhore.

Tia Marta sorriu timidamente. Era bom ter uma companhia naquele instante. Afinal, sempre vivera sozinha. Uma senhora solitária naquele imenso mundo. Com a companhia de Maria das Dores, pelo menos tinha com quem contar nos dias ruins e ainda uma pessoa que a acompanharia em cada dia.

– É a idade, Maria das Dores, é a idade – a tia repetia, tentando se conformar com a novidade de ficar dependente de remédios. – Ainda bem que você é nova e não precisa passar por isso.

Depois de suspirar um pouco mais, pensativa naqueles problemas recentes de saúde, tia Marta disse para sua sobrinha querida:

– Mas me fale de você. Quer dizer que conseguiu um emprego? Me conte, foi aquele de secretária que vimos no jornal ontem de noite?

Ao mesmo tempo que estava feliz, ela sentia um pouco de vergonha. Mas respondeu sinceramente:

– Não, minha tia. Não foi de secretária, mas foi naquela empresa. Eu cheguei tarde, me perdi pelas ruas da cidade. E aí eu acabei me deparando com dois homens saindo da empresa. Perguntei sobre emprego e um deles, o mais novo, acho que ficou com pena de mim. Disse que conseguiria um emprego na empresa. Só não seria de secretária porque já tinha preenchido.

– E quem era esse jovem, minha sobrinha? – perguntou a tia, com um ar de fofoqueira que adorava uma conversa como aquela.

– A senhora não vai acreditar. Era o dono da empresa, o seu Patrick.

A tia Marta soltou uma risada:

– Que sorte a sua! Encontrou diretamente com o dono!

Então, com um clima um pouco mais leve, Maria das Dores relatou toda aquela manhã e tarde atípica que vivenciara com o dono da empresa e seu motorista particular “nada agradável”, segundo ela. Tia Marta se divertia com os relatos, apoiando a sobrinha nessa empreitada que se iniciaria no dia seguinte.

Após algumas horas a mais de conversas, as duas foram descansar. Maria das Dores queria estar bem para o dia de trabalho na Barrier. Sabia, em seu íntimo, que aquele emprego iria mudar toda sua vida.

Amanheceu no Rio de Janeiro. O sol já castigava as ruas, trazendo o calor e a certeza de um dia iluminado na vida dos cariocas. A movimentação pelas ruas e avenidas começou cedo, antes mesmo do dia raiar. Era como aquela rotina se estabelecia. Assim, aos poucos, os habitantes da cidade maravilhosa viviam cada vez mais presos em trânsito e em longos trajetos para seus empregos.

Tia Marta acordou bem cedo. Preparou um bom café da manhã, como deveria ser, segundo ela. Água fervida no fogão, passada em coador de pano com um pó que seja de boa qualidade. Era assim que ela tomava seu café.

– Nada de usar aquelas máquinas que fazem um café ralo e morno – ela dizia. – Café de verdade tem que ser assim, bem feito e bem preparado.

Enquanto isso, Maria das Dores separava seus documentos e a roupa que usaria naquele dia. Tomou um banho rápido, lavando o cabelo com um xampu especial que a tia Marta comprara com um camelô. O homem prometera que aquele xampu deixaria qualquer cabelo lindo durante cinco dias sem nenhum esforço. Era só comprar com ele e aproveitar para fazer uma transformação. E, claro, tia Marta queria experimentar. Maria das Dores admitia que era bem cheiroso, apesar de não ter visto nenhuma diferença clara no cabelo após o banho.

Assim, ela colocou a mesma calça jeans do dia anterior, uma blusa preta sem desenho e seu velho tênis. Depois, pegou uma pasta, colocou todos seus documentos e suspirou. Sabia que era o primeiro passo para sua nova vida naquela grande cidade.

– Venha tomar seu café – tia Marta gritou dentro do pequeno apartamento. Ainda que o espaço fosse mínimo, ela gostava de falar alto. Parecia que sempre falara assim, gritando, como toda boa tia deveria ser, segundo a concepção de Maria das Dores.

– Estou indo, tia. Só um segundo.

Na pequena cozinha do apartamento, as duas beberam uma boa caneca de café e comeram pão. A tia, como sempre exagerada, elogiava a menina:

– Veja isso, dois dias aqui na cidade e já tem emprego. Você é um orgulho, minha sobrinha. Eu tenho certeza que depois que descobrirem seu potencial, vão trocar você de cargo rapidinho.

Maria das Dores sorria. Sabia da supervalorização da tia, que sempre agira assim com seus parentes:

– Minha tia, não exagere. O mais importante é que sou funcionária da Barrier. E, então, eu terei dinheiro e começarei a reconstruir a minha vida nessa cidade.

– Deve encontrar um homem rico e bonito para se casar! Siga meus passos! Eu casei com um coroa rico e olha só! Agora não preciso trabalhar!

Maria das Dores deu uma gargalhada. A tia era bem animada. Ainda mais quando se tratava de assuntos assim. Mas, no íntimo de seu ser, seu objetivo era outro:

– Eu quero estudar, minha tia. Quero conseguir ter uma profissão boa. Depois disso eu penso em casar. Além do mais, ainda sou muito nova.

– Nova nada, menina! – interrompeu a tia. – Na sua idade, eu já estava era namorando muito e escolhendo com quem eu iria me casar!

As duas riram da cena. Mas, para Maria das Dores, era algo inconcebível naquele momento de sua vida.

Então, a jovem deu um forte abraço na sua tia Marta, recebendo um beijo estalado na bochecha:

– Boa sorte, minha sobrinha. Bom primeiro dia de trabalho. Que os anjos lhe protejam na ida e na volta e que tudo dê certo para você!

– Amém, tia Marta.

Assim, a jovem esperançosa Maria das Dores deixou sua casa. Agora, sabia exatamente o caminho que deveria seguir para chegar na Barrier. Na tarde anterior, fizera um mapa mental onde conseguira criar o trajeto certo para aquele lugar. E era isso que ela precisava, de um caminho que fosse de fácil acesso à empresa e que a levasse de volta para casa de maneira rápido. Com isso, pouparia o dinheiro da passagem e usaria para outras finalidades.

Depois de andar quinze minutos já sofrendo com o sol do Rio de Janeiro, a jovem finalmente chegou na porta da empresa. Da mesma forma que no dia anterior, ela bateu na porta. Segundos depois, uma jovem loira, alta, abriu, olhando estranhamente para ela:

– Pois não.

– Bom dia. O senhor Patrick me contratou para trabalhar aqui. Ele pediu que eu viesse esse horário porque parece que preciso resolver algumas pendências de documentação.

A mulher, vestida com uma roupa fina, usando um brinco de ouro, cabelos arrumados e olhar de desprezo, viu aquela figura na frente da empresa e estranhou. Seria essa a jovem que Patrick falara na tarde anterior que iria assumir a parte de limpeza?

– Qual o seu nome, querida¹? – ela perguntou, ainda incrédula de ter que trabalhar com alguém daquele nível.

– Maria das Dores.

A mulher, então, suspirou. Sim, era essa a nova empregada da parte de limpeza. E ela deveria receber bem a jovem, segundo seu patrão. Ainda mais que era a nova secretária e, se tentasse algo naquele momento, teria alguns problemas.

– Muito bem, então, Maria das Dores. Entre. Eu sou Mariana, a secretária do senhor Patrick – ela respondeu, claramente desprezando a mulher ali parada na sua frente.

Mas Maria das Dores não se preocupava com aquilo. Na verdade, nem mesmo notara o desprezo da mulher que ali se encontrava. Queria mesmo era trabalhar e não seria nada como esta atitude que faria com que fosse diferente. Ela entrou, sorridente de voltar àquele lugar.

Naquele instante, a secretária pegou alguns papéis e entregou nas mãos da jovem, dizendo:

– Preencha primeiramente isso. São todas para a empresa. Enquanto isso, vou pegar outro papel para que você possa fazer alguns exames e ter a certeza de que está tudo bem com você.

Na cabeça dela, era difícil imaginar o que faria uma jovem aceitar o trabalho de limpeza em uma empresa. Isso porque ela sempre pensava em grandes cargos, que ganhasse bem e que fosse ideal para o que ela chamava de “seu nível”. Mas, por outro lado, via que era uma pessoa despreparada para qualquer outro cargo que ali houvesse.

Quando Maria das Dores conseguiu preencher todas as folhas, Mariana retornou à pequena sala de espera:

– Agora siga neste endereço e leve este papel. Você vai fazer um exame. O resultado sai na hora. Traga para cá assim que conseguir sair de lá.

Ainda que estivesse achando estranho tudo aquilo, Maria das Dores concordou. Pegou os papéis, deixando os documentos na empresa, e saiu dali, seguindo para o lugar que ela indicara.

Do lado de fora, ela se deparou com Patrick, que acabava de descer de seu carro:

– Maria das Dores, que bom que veio. Preencheu todos os papéis certinho?

– Sim, agora preciso fazer este exame aqui.

– Isso mesmo. Faça e traga de volta para poder começar certinho.

Dentro do escritório, Mariana não estava gostando nem um pouco de ver o chefe da empresa com aquela jovem empregadinha.

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