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Patrick não gostava de ser abordado nas ruas. Menos ainda na saída de sua empresa. Ele pedira Jarbas para dispensar todas as mulheres porque sabia que, assim, estaria livre para ir almoçar. Por isso, ao se deparar com aquela jovem o abordando assim, tão diretamente, ele se assustou.

Por um instante, pensou que poderia ser um assalto. Afinal, quem iria em busca de emprego com aquelas roupas. Ainda mais em uma empresa como a Barrier. Mas, assim que seus olhos fitaram a jovem, ele percebeu um ar de inocência, algo diferente. Talvez, só talvez, aquela fosse uma jovem que realmente precisasse de um emprego e estava desesperada procurando.

Assim foi que aparentou para ele. Abordado por ela, com uma voz afobada de quem estaria correndo desde de manhã. E isso, de alguma forma, chamou a atenção daquele jovem empresário.

Jarbas olhou para aquela mulher. Roupas que não condiziam com a entrevista, expressão de quem não tinha experiência nenhuma e um desespero que não era tão habitual em alguém procurando emprego em uma empresa daquele nível. Ainda que não fosse de desprezar as pessoas, ele não gostou nem um pouco da aparência da jovem que ali se encontrava. Logo respirou, como quem se prepara para dizer que a entrevista já havia encerrado e que a jovem deveria procurar em algum outro lugar. Mas, naquele momento, de maneira um tanto quanto surpreendente, Patrick o interrompeu. Não deixou que ele falasse, respondendo à jovem no mesmo instante:

– Desculpe, minha jovem. Nossa vaga de secretária já está preenchida. Era essa a vaga que estava procurando aqui na empresa?

Ela, ainda afobada, respondeu:

– Eu procuro qualquer emprego. Não estou trabalhando, acabei de chegar no Rio e moro com a minha tia idosa. Então, não estou procurando uma vaga específica.

Algo chamava a atenção naquela jovem. Patrick sentiu uma estranha compaixão por ela. Algo incomum para ele, que só se preocupava com os negócios da família. Ele olhou para Jarbas, que fez uma expressão de reprovação, mas sabia que a decisão final era do jovem Patrick.

Pensativo, ele disse:

– Nós estamos saindo agora para almoçar. Se puder voltar mais tarde... posso tentar algo para você.

Maria das Dores abriu um sorriso. Estava ali a oportunidade que precisava para começar sua nova vida:

– Se importa se eu esperar aqui, do lado de fora? – ela respondeu, um pouco constrangida. – Não tenho dinheiro para almoçar por aqui e se voltar na casa da minha tia, posso acabar me perdendo novamente. Além disso, é bem distante de lá até aqui.

Jarbas suspirou. Conhecia aquela expressão no rosto do rapaz. Por muitas vezes viu a mesma face no pai dele, reprovando quase que metade das decisões tomadas depois de um momento assim, impensado. Por outro lado, ele era empregado. O patrão era Patrick, e estaria sob o comando deles.

Naquele momento, o jovem patrão sentiu pena da jovem. Sem pensar muito, ele disse:

– Você quer almoçar conosco?

Constrangida, Maria das Dores respondeu:

– Desculpe, senhor, mas não tenho como pagar por almoço no momento. Até gostaria, seria um prazer. Mas como pagaria sem ter dinheiro?

Patrick sorriu, colocando a mão no ombro da jovem:

– Eu estou lhe convidando, eu pago pelo almoço. Vamos. – Ele olhou para Jarbas, que estava já suspirando, querendo falar algo sem poder e completou seu pensamento. – Jarbas, pegue o carro. Teremos uma convidada.

Naquele instante, voltou seus olhos para Maria das Dores. Estava mal vestida, com roupas velhas, sim. Mas era uma mulher bonita. Aqueles olhos castanhos combinavam com aquele cabelo negro que precisava apenas de um bom tratamento para ficar excelente. Ele disse:

– Qual o seu nome?

– Maria das Dores – ela respondeu, um pouco tímida ainda com o convite de almoçar. – E o senhor?

Patrick se surpreendeu:

– Não sabe quem eu sou? Que interessante! – ele sorriu. Era a primeira vez que uma jovem aparecia sem interesse em seu cargo. – Eu sou Patrick, o dono da Barrier. E este que está voltando com o carro é Jarbas, meu motorista e segurança pessoal.

Naquele instante, Maria das Dores sentiu a face corar. Estava diante do dono e não sabia. Como poderia ter cometido uma gafe dessas? Mas, agora, não tinha mais jeito. Ela já tinha abordado o jovem assim, sem preparação, sem preocupação de quem ele poderia ser.

Jarbas parou com o carro ao lado dos dois. Educado, Patrick abriu a porta de trás, esperando que ela entrasse primeiro. Depois, entrou e fechou a porta.

O trio seguiu para o restaurante favorito de Patrick. Ali, o jovem tinha um espaço reservado, onde sentou com Jarbas e Maria das Dores. A jovem não sabia nem ao menos o que pediria, mas sabia se comportar bem.

– Maria, posso pedir o especial do dia? – Ela ficou surpresa ao ver Patrick a encarando com aquele inusitado pedido.

– Sim, senhor. O que o senhor achar melhor – respondeu, de forma delicada e educada.

Patrick deu um leve sorriso. Fez um sinal para o garçom e o pedido foi anotado. Ele iniciou o diálogo na mesa:

– Maria das Dores. Vou lhe chamar apenas de Maria, para ser mais fácil, tem algum problema?

– Não, senhor – respondeu, sem tirar os olhos da comida que estava a caminho.

Patrick olhou para Jarbas, que estava em silêncio em todo o trajeto:

– Ei, Jarbas, o que achou de Maria? Acho que consigo uma vaga para ela na empresa. Talvez na parte de manutenção geral, que vai precisar crescer a equipe por conta do novo prédio, mas consigo.

Jarbas esperava por aquele momento. Sabia que chegaria a hora onde ele perguntaria sobre a opinião dele em relação àquela jovem. E sua opinião, por mais clara que fosse, não poderia ser tão bem sinalizada naquele momento, considerando que ele estava diante de seu patrão.

– Um tanto exótica, senhor – respondeu, enquanto levava uma garfada de um bom pedaço de carne até a boca. – Diferente do que normalmente conhecemos e contratamos.

Enquanto Jarbas mastigava a carne, Patrick respondeu, pensativo:

– Talvez seja isso que a gente necessite na empresa, meu amigo. Pessoas que sejam diferentes daquele padrão que estamos acostumados. O que acha, Maria?

Maria das Dores estava distraída, comendo a carne assada com batatas e o arroz à piamontese. Ela jamais havia provado aquela comida e estava se deliciando com cada sabor:

– A comida é realmente boa, senhor Patrick. Muito boa mesmo, melhor que a que comia na minha cidade.

Sem compreender a resposta, Patrick começou a rir:

– Estou falando de você trabalhar na empresa, sendo diferente dos outros funcionários, menina.

Um tanto sem graça, a jovem abaixou os olhos. Não sabia como reagir. Estava tão distraída que não ficara atenta ao que ele dissera anteriormente:

– Me desculpe, senhor. Estava aqui, distraída com a comida.

Patrick, então, fez um carinho na mão dela, respondendo:

– Não se preocupe. Estava falando de você trabalhar na empresa, ainda que não for como secretária, mas dentro da empresa em alguma área. Com seu jeito, diferente dos outros que lá estão, você pode contribuir de alguma forma. O que acha disso, Maria?

Ela se alegrou, deixando um sorriso brilhar no seu rosto. Não conseguiu guardar aquele foco de esperança em saber que seria contratada por aquela grande empresa.

– Seu Patrick, então eu terei um emprego? – disse, quase gaguejando, procurando firmar cada palavra que direcionava ao seu patrão.

– Sim, Maria. Você terá um emprego na Barrier.

Ao dizer essas palavras, Jarbas, que estava mastigando algo, engasgou. Sabia que não conseguiria tirar essa ideia louca da cabeça de seu patrão. Patrick iria realmente dar um cargo, fosse qual fosse, para aquela mulher desconhecida e sem classe encontrada na sua calçada toda mal arrumada. Como ele poderia ser assim? Qual era a sua verdadeira intenção? Mostrar ao mundo sua benevolência? Certamente que ele encontraria outras formas, mas ele queria fazer isso, esse ato insano. Por outro lado, sabia que ela não ia permanecer muito tempo na empresa. Logo faria algo errado, Patrick teria esquecido dela e seria demitida. Assim, pelo menos, ele esperava.

– Está bem, Jarbas? – Patrick perguntou, assustado ao ver o homem tossindo, engasgado.

Após engolir um copo de água, ele respondeu, um pouco constrangido:

– Desculpe, patrão, acho que me surpreendi com o rumo dessa conversa e acabei não mastigando bem um pedaço da carne que pedi. Mas já me recuperei. Eu acho que sim.

– Que bom. Vamos pedir a sobremesa, então.

O restaurante trouxe um pedaço de pudim para cada um dos três. Eles comeram, enquanto Patrick e Maria das Dores conversavam. Jarbas apenas estava pensativo sobre aquela estranha coincidência de encontrarem uma jovem assim tão estranha na porta da empresa.

Ao final do almoço, ainda veio uma xícara de um café especial. Eles beberam antes de voltarem para a empresa. Maria das Dores estava aproveitando aqueles momentos. Sabia que não seria sempre que poderia andar de carro com o patrão ou almoçar com ele. Mas, o mais importante, era que conseguira seu emprego.

Jarbas dirigiu de volta para o escritório da empresa. Deixou Maria das Dores e Patrick na entrada, seguindo para o estacionamento. Viu os dois entrarem e se preocupou:

– Essa mulher. Vou ficar de olhos atentos. Pode acabar com a empresa e com o patrão.

Patrick entrou e pediu que Maria das Dores se sentasse na cadeira de frente a ele:

– Muito bem. Me diga suas qualificações. O que você já fez na sua vida?

– Bem, eu sei cozinhar, cuidar de casas, de hortas e plantar. Estou na cidade há um dia – ela respondeu, ainda constrangida por não ser formada.

– Consigo uma vaga na equipe de limpeza, aceita? – A pergunta veio cercada de uma certa esperança.

– Claro que sim! Preciso muito de um emprego!

Quando Jarbas chegou, ela estava saindo da sala de Patrick. Passou por ele e disse:

– Até amanhã, seu Jarbas. Obrigado pelo dia de hoje.

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