Ilha Sul - Livro Um
Ilha Sul - Livro Um
Por: Sabina Rambova
REENCONTRO NA ILHA SUL

Do vapor avistou as pessoas que aguardavam no porto, ainda sem poder distingui-las, ouviu alguém se aproximar. Era Diana, sua companheira na viagem até a Ilha Sul. Sorriu para a amiga.

– Lidia, vê aquelas pessoas esperando? - Diana parou ao lado dela no deque.

– Creio que seja meu irmão e minha cunhada… - Lidia avistou meia dúzia de pessoas que aguardavam no cais.

– São as únicas pessoas brancas que encontrará na ilha, sedentas por novidades, e você querida Lidia, será essa novidade – Diana lhe sorriu de forma maliciosa.

 Lidia nada disse, sabia o que fazia ali, de fato, a cunhada escrevera que daria a luz no fim de julho, não solicitara explicitamente a ajuda de Lidia, mas ela entendera que precisavam dela. Recordou a ocasião da vinda do irmão para a ilha.

 Quando o irmão fora designado para administrar a Ilha Sul, a família não aprovou, estava recém-casado, e o pai queria que ele tomasse conhecimento sobre os negócios da família. Mas nada dissuadiria Travis de sua decisão em explorar novas terras, na verdade nada nunca detinha-o, até mesmo seu casamento havia se dado fora do que era esperado de um herdeiro de Conde de Lewis.

 Katherinne, a esposa de seu irmão era professora primaria, uma órfã nascida na Escócia, havia chegado a Londres para lecionar matemática em uma escola mista, não muito popular entre a alta classe local. Katherinne Morrison era uma mulher progressista e arrojada, que conquistara não apenas a Travis como também a Lidia.

 Agora ela precisaria de ajuda e Lidia estava lá para ajudar. Assim que leu a carta da cunhada enviou a resposta, anunciando que chegaria em um mês.

 É claro que depois disso teve que persuadir seu pai a deixá-la viajar, este, não estava disposto a ceder, não fosse a intervenção da Condessa de Lewis, sua mãe, enérgica e ainda mais autoritária, sempre preocupada com a reputação da família, comandava a todos com mão de ferro mais forte do que o próprio Conde de Lewis, porém uma avó recente bastante orgulhosa e preocupada, que entendia a necessidade de um auxílio para a nora em sua primeira gestação, principalmente em tao longínquas terras.

 Depois viera o segundo problema, Lidia não poderia viajar só, era obvio que sua mãe não tinha a intenção de acompanhá-la, por mais que estivesse preocupada com o nascimento de um Lewis tao longe da civilização, a Condessa de Lewis não estava disposta, a ela mesma, abrir mão da civilização.

 Souberam por amigos em comum, durante um dos massantes, segundo Lidia, encontros do Clube Londrino, que havia uma viúva, retornando a ilha para cuidar da casa deixada por seu marido, esta era Diana.

 Foi com agradável surpresa e extremo alívio que Lidia constatou que Diana não era mais uma das enfadonhas damas da sociedade inglesa, até mesmo a diferença de idade entre elas não havia sido empecilho para uma rápida e total identificação.

 Lidia observou a companheira de viagem, Diana Elliot-Crowford, tinha mais de 50 anos, viúva a menos de um ano, já não usava o luto, dizia que não lhe caia bem com a tez tao pálida, era uma mulher interessante, os olhares tortos da sociedade ao seu redor, não a impediam de praticar esgrima ou hipismo, organizar saraus e animadas festas, que alimentavam todo tipo de comentário sórdido daqueles que não eram convidados. Leitora voraz dos escritores da nova geração e patrona de artistas iniciantes, uma mulher bastante ousada para sua época. O tipo de mulher que Lidia admirava, talvez, o tipo que almejasse ser.

 Mas o único motivo que fizera a família de Lidia não negar a companhia da senhora Elliot-Crowford, se dava por ela ser herdeira da maior distribuidora de tecidos das índias orientais, aquilo não era só etiqueta social, eram negócios, e fora decisivo para convencer seu pai.

 Um vínculo com a senhora Elliot-Crowford sempre seria bem-visto no mundo dos negócios, mesmo que ela resolvesse usar as anáguas por cima do vestido. Lidia sorriu com a imagem que criou.

– Eu serei a novidade? Creio que a senhora tem muito mais espírito para entreter os habitantes da ilha – Lidia soltou um risinho enquanto encarava a amiga.

– Oh, doce criança, eu já os escandalizei em minha época, agora sou apenas uma velha excêntrica para as mentes pouco desenvolvidas, mas terei prazer em orientá-la no seu caminho dos “ohs” chocados e olhares avaliativos enquanto estejamos aqui – Diana fingiu seriedade, as duas mulheres riram com a perspectiva da aventura que as aguardava. O apito do vapor soou, estavam, finalmente, na Ilha Sul.

 No porto, a espera de Lidia, estavam seu irmão e sua cunhada, acompanhando-os o engenheiro da Ilha, senhor Karl Hardy e sua esposa senhora Paula Hunter Hardy. Também presente estava, o pároco local, padre Maugham, que havia sido enviado, segundo ele, pelo próprio rei, para salvar e guardar a alma dos filhos da Inglaterra. Acompanhando-os estava o Capitão Peter Pratt.

 Ali estava mais da metade da sociedade dita alta, a elite branca que se julgava no direito de governar aqueles que, apesar de serem tratados como minoria, eram muitos e os verdadeiros donos da Ilha Sul.

 Quando Lidia desembarcou, correu para abraçar a cunhada, que retribuiu com carinho o cumprimento, logo seu irmão, que gracas aos céus, tinha o mesmo habito que ela de ignorar todos os protocolos, a girava no ar em um abraço saudoso.

 Lidia apresentou empolgada sua companheira de viagem. Enquanto era introduzida aos que lhe aguardavam. Primeiro padre Maugham, notou a estranha reação do pároco – É como se ele conhecesse Diana… – Fez uma anotação mental para perguntar mais tarde a amiga sobre a estranha percepção, mesmo que da parte de Diana não tenha notado nada incomum.

 Ao ser apresentada ao engenheiro e sua esposa, notou a rigidez ao protocolos que cercava o casal, ainda assim, como um instinto natural estendeu a mão ao senhor Hardy para cumprimentá-lo com um aperto de mãos, não muito protocolar. Sem surpresa, já que tinha um legítimo britânico diante de si, Lidia viu Karl Hardy inclinar-se e levar sua mão ate os lábios, virando-a delicadamente para que pudesse roçar o bigode nos nós de seus dedos. Lidia olhou rapidamente para a cunhada enquanto ambas continham o riso, não que não estivesse habituada com a rigidez da sociedade londrina, beijos na mão e sombrinhas, apenas os considerava patéticos.

 Havia também a familiaridade, a alegria em reencontrar o irmão e a cunhada, tão feliz sentia-se, que não se dera conta do quão incomum poderia parecer seu comportamento, com sorrisos e calor humano. Ela sabia que não era o que esperavam da filha da Condessa de Lewis, ao ser sincera consigo, pensou – E eu não ligo para o que eles esperam.

 Ainda que todos aguardassem ansiosos para ver o comportamento digno da realeza, nada impediu Lidia, de correr com braços estendidos e sorriso franco para Peter Pratt.

– Peter! - Lidia abraçou-se ao capitão, que retribuiu o gesto estendendo-lhe os braços e a erguendo no ar. É possível que para aqueles que não os conheciam, a cena parecesse, se não total, muitíssimo fora de qualquer padrão de comportamento esperado de uma senhora da alta classe, herdeira de um conde e irmã do governador da Ilha Sul.

 O que as pessoas não sabiam é que Peter, assim como Travis, era irmão de Lidia. Não um irmão de sangue, ainda assim um irmão amado, pelo qual ela sentira imensa saudade nesses dois anos que não se viram. Quando Lidia nasceu, 17 anos atrás, Peter já morava com os Lewis. Neto da governanta da casa, Conde de Lewis havia tomado para si a educação do garoto, patrocinando a formação apropriada, que levou Peter Pratt ao seu posto de capitão da marinha em ascensão.

 Em verdade, muitas vezes, quando se metia em confusão, Lidia procurava o auxílio de Peter, ao invés do de Travis. Mesmo Peter tendo a mesma idade de Travis e possivelmente sofrendo ainda mais cobranças de bom comportamento que o herdeiro de Conde de Lewis, sempre tinha tempo para ajudá-la a sair de qualquer situação problemática que viria a se meter aos 10 anos de idade.

 Assim, enquanto Travis vivia monopolizado por seu pai e os assuntos dos negócios da família, muitas vezes os jogos e brincadeiras se davam entre ela e Peter. Quando se separaram do abraço, Lidia observou o amigo e perguntou.

– Onde esta sua Matilda? Em sua última carta falou tanto sobre ela… - Instantaneamente, Lidia sentiu o clima mudar, houve um silêncio de constrangimento, mas mesmo sem entender, sorriu para Peter, ele lhe respondeu.

– Ela teve um compromisso, o doutor precisou dela no vilarejo, uma das crianças teve um acidente de pesca.

– Ah sim, você havia mencionado que ela auxilia o médico local… - Lidia sentiu a mão da cunhada em seu ombro.

– Logo tera oportunidade de conhecê-la – ouviu Kat dizer – mas agora – Kat pegara o braço de Lidia – devem estar exaustas da viagem.

 Lidia sorriu para a cunhada, Katherinne já se encaminhava em direção a saída do porto, virou-se para o marido.

– Vamos?

– Sim – Respondeu um Travis sorridente, porém apreensivo – oferecendo o braço para senhora Elliot-Crowford, que aceitou com risinhos e “Ohs” o braço do governador da Ilha Sul, dando apalpadelas no bíceps de seu acompanhante enquanto dizia alegremente.

– Tão galante…. Tão galante…

 As quatro mulheres foram levadas até a carruagem, enquanto os homens se dispersavam em seus afazeres, a cunhada conhecendo Lidia tão bem, havia adiado o jantar de boas vindas para a noite seguinte. Travis avisara que teria uma reunião com o senhor Hardy e depois as encontraria em casa, Peter acompanharia padre Maugham até o povoado, onde o padre morava e onde encontraria Matilda e o médico. Antes que Peter partisse, Lidia se aproximou do amigo e cochichou em seu ouvido.

– Traga sua Matilda hoje a noite, estou ansiosa para conhecê-la e é provável que amanhã não tenhamos nem tempo e nem privacidade para nos conhecermos apropriadamente. - Peter sorriu para a amiga, segurando suavemente suas mãos.

 Katherinne caminhou até Lidia.

– Os convidei para o jantar – Disse Lidia timidamente.

– E eu só não os tinha convidado porque não tive tempo de falar a sós com Peter – Respondeu uma sorridente Katherinne.

 Embarcaram na carruagem, Lidia ao lado de Diana e em frente a cunhada. Deixariam a senhora Hardy em sua casa e seguiriam para a propriedade do governador – Lidia riu internamente, lembrou-se da época em que seu irmao não gerenciava nem a organização do próprio quarto, sentiu-se orgulhosa do que Travis estava construindo, observou a cunhada. Tão bonita e inteligente, Peter costumava caçoar de Travis, avisando-o com falsa seriedade que devia pedir logo Kat em casamento ou ela se daria conta do caso perdido que Travis era – Lidia sorriu com a lembrança, recebendo em resposta um sorriso caloroso da cunhada.

– Senhorita Lidia – Paula se dirigia a garota mais jovem – Fico feliz que tenha tão bom relacionamento com nosso querido capitão Pratt – Lidia não gostando do sorrisinho da mulher, observou-a melhor antes de responder.

 Paula Hunter, Hardy desde que se casara com o recém-formado engenheiro, Karl Hardy, era herdeira da quarta maior extratora de ouro do novo mundo, ainda assim, graças ao que ela chamava de – cabeça dura do Hardy – viviam de forma simples em Londres, ate que surgira o convite para a Ilha Sul, um engenheiro era sempre necessário onde se pretendia erguer uma civilizada sociedade e por isso ela e o marido estavam ali.

– Senhorita Lidia – ouviu a senhora Hardy chamar. Antes que pudesse elaborar uma resposta, Kat já respondia a mulher.

– Peter e Lidia são como irmãos, cresceram juntos e sempre se deram bem – Katherinne falava suave, mas energicamente, na verdade, Lidia riu para si – parece a mamãe.

– Oh sim… - Lidia olhou novamente na direção da mulher que continuava falando, observou melhor, devia ter poucos anos mais que a cunhada, muito magra com cabelos loiros finos e lábios também finos, na verdade tudo nela era – raso – pensou Lidia, antes de continuar ouvindo o que a senhora Hardy dizia – Creio que seria tao mais promissor para o capitão, uma jovem como a senhorita Lidia, afinal relacionamentos com selvagens…

 Lidia olhou rapidamente para Katherinne que encerrou o assunto de forma enfática.

– Creio que a vida pessoal do capitão não seja de nossa alçada, além de considerar extremamente rude falarmos de alguém que não está presente – A senhora Hardy calou-se imediatamente, enquanto Diana começava a rir de forma incontrolável.

 Diana ainda tinha lágrimas de riso quando a senhora Hardy foi deixada em sua casa. Assim que a mulher desembarcou, a senhora Elliot-Crowford comentou.

– Mulherzinha intrigante, parece que tudo nela já estragou – e olhando com falsa seriedade para Katherinne completou – E você não me censure, você pensa exatamente o mesmo – Lidia riu, seguida pelas duas mulheres.

 Lidia observou o restante do percurso, a Ilha Sul. Uma ilha – um grande pedaço de terra, paradisíaco, cercado de água por todos os lados. Não, não a Ilha Sul – Lidia viu grandes propriedades afastadas por extensões de terra, onde dândis europeus faziam fortuna explorando o trabalho dos antigos proprietários do local. Não parecia muito paradisíaco.

 Fora toda a decadência que cercava as explorações no Novo Mundo, Lidia sabia que seu irmão estava se esforçando para levar a civilidade inglesa para a Ilha Sul – mas o que significava isso? - Desviou o olhar da paisagem, baixando os olhos para as mãos pousadas sobre o colo. Katherinne notou a reação da cunhada, inclinando-se como era possível com sua barriga de 24 semanas, pegou a mão da Lidia.

– Li… - Lidia encarou Kat – Nós vamos melhorar as coisas aqui… Certo?

– Certo – Lidia sorriu para a jovem loira a sua frente.

– Oh! Parece que chegamos – falou uma Diana aliviada – Já não tenho as costas de vinte anos atrás – riu do próprio comentário.

 Assim que chegaram na mansão do governador, a casa do irmão de Lidia, Diana pediu licença informando que precisava descansar após a longa viagem no desconfortável vapor. Katherinne acompanhou a cunhada ate o quarto que ocuparia.

 Já passava das 17h00 quando subiram para desfazer as malas, no caminho Kat solicitou que Selene servisse o chá no quarto onde Lidia ficaria. Assim que chegaram no espaçoso quarto, Kat sentou-se em uma grande poltrona, sorrindo com cansaço, alongou as pernas enquanto embalava a barriga.

 Lidia sentou-se ao pés da cunhada.

– Posso tocar sua barriga? - Kat sorriu.

– É claro que sim, Li – Lidia com muito cuidado pousou a mão sobre o ventre da cunhada – O que foi? - Kat perguntou contendo o riso – Que expressão mais intrigante – Lidia respondeu após um minuto de ponderação, suspirou…

– Bom… é um pouco estranho pensar que… você sabe – Kat riu da fala da cunhada.

– Sim, Li… Se pararmos para pensar é bastante estranho – as duas riram.

 De repente Katherinne contento o riso, perguntou, erguendo uma sobrancelha.

– Você está sem seu corset? - Lidia riu maliciosamente.

– Faz 40 graus lá fora, talvez meu corset tenha saído de mim – As duas riram alto.

 Asim que o chá foi trazido e Selene deixou-as a sós, Lidia não conteve a curiosidade.

– Ela é… - Perguntou buscando a palavra correta. Katherinne sorriu.

– Ela tem um gênero fluido, Selene pertence aos primeiros moradores dessa ilha, em sua estrutura social ela é aceita… - Lidia ficou bastante empolgada com o assunto.

– Oh sim, eu vejo, como acontece em algumas tribos de nativos americanos, ela tem duas almas…

– Exato, e pode viver livre em sociedade, usufruindo de direitos e ocupando cargos importantes…

– Por que ela está aqui então e não com sua tribo? - Kat parou de sorrir.

– Ela é a última… - Observando o choque de Lidia, Kat tentou consolar a garota – Não se preocupe, aqui ela está bem e é livre para ser como deseja.

 Lidia sorriu, porém pensou consigo, que não havia liberdade em servir estrangeiros na sua própria terra, não da maneira que acontecia nas colônias, mas preferindo não aborrecer a cunhada grávida com seu discurso, que já fora chamado de anarquista pelo pai, calou-se.

 Orou internamente, apenas para que Kat não estivesse se tornado um espelho da Condessa de Lewis. Notou a cunhada sorrir, parecendo curiosa sobre os pensamentos que refletiam no rosto de Lidia.

– Oh desculpe-me, apenas pensei… existe tao pouca informação sobre a história da Ilha Sul.

– Fale com Peter, ele poderá te contar mais detalhes sobre antes da colonização.

 Sorrindo Lidia agradeceu a cunhada e disse que perguntaria a Peter assim que possível.

– Vamos ao chá? - Kat convidou-a com um sorriso – Depois você desfaz suas malas… Selene pode te ajudar.

– Sem problemas, eu não trouxe tanta coisa assim, na verdade, os livros darão trabalho, trouxe como companhia para mim, mas deixarei como um presente de boas vindas para meu sobrinho… ou sobrinha.

– Uma menina… seu irmão gostaria.

– Eu sei, ele é todo babão comigo – As duas riram como quem compartilha um segredo.

 Realmente, Travis era dedicado a irmã caçula. Com uma diferença de 11 anos entre eles, Travis tomara para si o papel de mimá-la e adorá-la, tamanha era a amizade dos dois que quando Katherinne foi introduzida na vida de Lidia, ela se apaixonou pela cunhada imediatamente, apenas pelo simples fato de Kat fazer Travis tão feliz.

 Quando terminaram o chá, Lidia caminhou ate a cama onde repousava sua mala de mão, abrindo-a retirou um livro.

– Aqui… - disse para Kat. A cunhada leu a capa…

– “Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher”, Mary Wollstonecraft? - Kat ergueu uma sobrancelha contendo um sorriso.

– Para minha sobrinha ou sobrinho… tenho certeza que ela ou ele fará parte de um novo mundo.

– Sua mãe deve adorar as horas do clube do livro – Disse Kat divertida, Lidia sorriu e piscando para a cunhada, disse.

– Você sabe, nada como uma filha subversiva que passa mais tempo no Museu de Historia Natural do que na modista, para fazer a condessa de Lewis orgulhosa.

 As duas riram alto, Lidia sentia-se admiravelmente livre.

 A noite a família encontrou-se no grande salão, enquanto aguardavam os convidados para o jantar informal de boas vindas, Lidia agradecera a cunhada por deixar para o dia seguinte o jantar oficial, ainda não digerira bem aos inoportunos comentários da senhora Hardy. E não sentia-se apta, depois da longa viagem, a elaborar chistes que escandalizariam ao padre Maugham.

 Lidia aguardou próximo a porta a chegada de Peter e Matilda, quando ouviu a carruagem se aproximar desceu as escadas da entrada para recepcioná-los.

 Abriu a porta da carruagem, de onde um sorridente Peter desceu.

– Lidia! - abraçou-a – Bastante inadequado para uma condessa abrir portas de carruagens – Disse em forma de pilheria.

– Ora você sabe, se precisa ser feito… - Lidia falou imitando os trejeitos de alguns senhores ingleses, com o qual ambos estavam habituados a conviver, Peter riu como quando eram crianças.

– Lidia – O amigo indicava a jovem ao lado dele – essa é Matilda.

 Lidia correu para abracá-la.

– Olá Matilda, é muito bom conhecê-la – Lidia sorria para a jovem – Você não tem ideia do quanto Peter só falou de você em todas as cartas.

 Matilda achou incomum o comportamento da jovem, mas nada disse, apenas sorrindo em retorno a acolhida da anfitriã. Lidia notou o nervosismo do amigo. Também reparou que havia mais alguém na carruagem.

– Tem alguém com vocês?

– Oh sim – Peter respondeu – É o doutor Bysshe, mas ele não se juntará a nós.

 Fosse por educação ou por curiosidade Victor Bysshe achou por bem descer da carruagem e cumprimentar a nova moradora da Ilha Sul. A essa altura, o governador e sua esposa se juntavam a eles e davam as boas vindas. Foi Peter quem fez a apresentação formal.

– Senhorita Lidia, este é doutor Victor Bysshe, médico da ilha e um grande amigo – Lidia sorriu para o doutor e recebeu um aceno educado – Victor, essa é a senhorita Lidia Lewis, filha de conde Vladimir de Lewis, ela veio ajudar Katherinne nos últimos meses da gestação.

 Lidia estendeu a mão para um cumprimento, e lá estava outra vez, um beijo suave nos nós dos dedos, ela definitivamente não gostava daquilo.

 Foi a vez de Kat falar.

– Doutor, obviamente o senhor se juntara a nos para o jantar?

 Com um sorriso cortês Victor fez menção de negar o convite, mas Travis insistiu, interrompendo-o antes mesmo que começasse a falar.

– Ora, vamos Victor, se você não tem nenhum compromisso… Selene fez torta de peras para sobremesa.

 Kat complementou o convite com um pedido de desculpas.

– Cometemos um erro ao não informá-lo do jantar hoje, amanhã teremos uma ocasião mais formal, este foi orquestrado de última hora…

 Lidia interrompeu-a.

– Por mim – sorrindo para Victor ela concluiu – Mas agora corrigindo meu erro, peço que aceite o convite da senhora Lewis – Victor sorriu para ela e assentiu.

 Victor Bysshe era um homem bastante pragmático e objetivo, dado a hábitos e constância, em seus 40 anos de vida sempre tentara manter as coisas sob seu controle, mas naquela noite resolvera aceitar um convite de última hora para um jantar informal, fosse pela calorosa recepção da família do governador ou para estar ao lado de Matilda que, percebera ele, ainda não parecia a vontade diante da simpatia de senhorita Lidia ou ainda por estar intrigado com a jovem de longos cabelos castanhos a sua frente.

 O jantar correu muito bem, eram família e Lidia morrera de saudade de seus irmãos, Travis, Peter e Kat faziam uma falta que Lidia só percebeu quão intensa ao vê-los parados, aguardando-a no porto.

 Também era muito agradável conversar com Matilda, ela era extremamente culta e progressista, claro, dentro do que seria possível ser progressista em um lugar como a Ilha Sul. Lidia soube o porque da má vontade da senhora Hardy em relação a Matilda, assim que a viu, Matilda era negra.

 Mais tarde, naquela noite, Lidia encontrou o irmão na biblioteca.

– Você vai organizar esses baús? - Perguntou ele com fingida seriedade, apontando para os caixotes de livros ainda intocados, Lidia imitando os trejeitos da mãe, respondeu.

– Caríssimo governador da Ilha Sul, acaso parece ao senhor que os Lewis são desordeiros e indolentes?

 Os dois irmãos riram até chegarem as lágrimas. Fazia tempo que Travis não ria assim, fazia tempo que Lidia não se sentia em casa.

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