CAPÍTULO 4 - MICHAEL VANE

MICHAEL ENTROU para o grupo de teatro na escola e se dava muito bem com todos os companheiros, principalmente com as garotas, ele tinha o dom natural de tratar com o público feminino, era um predador natural e as mulheres adoravam ser presas de Michael, o garoto mais bonito e descolado da cidade.

Sua atuação era carregada de excentricidades que o professor de artes não sabia se isso era genialidade ou pura maquiagem teatral, ou os dois, mas Michael era uma metamorfose ambulante, era quase uma pessoa com TMP – Transtorno de Múltiplas Personalidade, porém, ele sempre tinha o controle de tudo, com exceção de sua vida familiar, da qual não dependia dele tal controle.

Michael visivelmente tinha muitos problemas dentro de casa e o professor Clark estava ciente de todos eles.

Antes de ser professor, era amigo de Michael e sempre que podia tirava-o daquele turbilhão de emoções traumáticos que enfrentava dia-a-dia com seus pais e o levava para dormir em sua casa e passar um tempo com a sua família e mostrar que havia uma vida boa longe de tudo aquilo.

— Mike, quero que saiba que pode sempre contar conosco.

— Eu sei – disse Michael em um dos poucos momentos de humildade.

Ao lado da família do professor Clark ele não precisava se mostrar o que na verdade não era, Michael simplesmente era um garoto que queria e merecia ser amado, ele não precisava conquistar nada e nem demonstrar algo para ninguém, simplesmente as pessoas apreciavam a sua companhia e viviam felizes.

KENNEDY SEMPRE quis trabalhar com artes e quando se formou percebeu que não tinha a menor aptidão para ser ator, ele não conseguia demonstrar quaisquer sentimentos em sua atuação, era quase que fria e visualmente decorado.

— Próximo!

Foi o que mais Kennedy ouviu nos dois primeiros anos, até que surgiu a oportunidade de ser figurinista e estar trabalhando mais de perto do diretor deu a ele a oportunidade de conhecer seu verdadeiro dom, de ensinar e dirigir peças de teatro.

O diretor não sabia mais o que fazer para deixar a peça do jeito que ele queria, até que Kennedy deu a ideia mais simples que alguém poderia sonhar.

— E se limpássemos o ambiente, diretor?

— Que ideia estúpida, Kennedy.

— O senhor não está encontrando as peças certas, o ideal é começar do zero e ver onde estamos errando.

O diretor estava sem cabeça e sem tempo, então pediu para que todos desmontassem o cenário e o remontassem, até que ele viu onde estava o erro.

— Não é possível que estava aí o tempo todo essa merda.

Kennedy chegou perto dele e o diretor o abraçou.

— Kennedy, meu garoto, você salvou o dia.

Depois deste dia, Kennedy foi chamado para ser o diretor assistente e diretor de arte de inúmeras peças e ministrava aulas de teatro como forma de descobrir novos talentos.

Foi nesse sentido que Kennedy Clark conheceu Michael Vane.

KENNEDY CLARK estava andando pela calçada e um garoto se esbarrou nele e caiu.

— Você está bem, garoto?

O garoto estava chorando, quando ia se levantar, um homem o puxou pelo braço e disse de forma exageradamente grosseira:

— Ele está bem, queira ficar bem também sem se intrometer em nossa vida, agora vamos, moleque.

Kennedy tentou intervir, mas Michael entrou entre eles e fez que não com a cabeça e saiu acompanhado pelo pai segurando em seu braço que olhou de cara carrancuda para Kennedy.

Clark viu o pobre garoto olhando para trás como se estivesse implorando por ajuda.

Ele não sabia explicar porque, mas aquilo mudaria para sempre a vida deles.

Aquele garoto era Michael Vane.

— VOCÊ ESTÁ no caminho certo, Michael, acredito verdadeiramente que terá um grande futuro no teatro, quem sabe na Televisão ou talvez no cinema se tiver um pouco de sorte.

— Eu não acredito na sorte.

— Deveria.

— Se eu acreditasse em sorte, teria nascido em uma família no mínimo amável, mas nasci pobre e em uma família amaldiçoada por todos os diabos que existem no mundo, porque eu deveria acreditar em sorte?

— Você está exagerando, todo mundo tem problemas familiares, Michael.

— Exagerando? Olha a minha vida... eu não tenho nada... meu pai é um bêbado, minha mãe é uma mulher frustrada, eu sou um mentiroso que encena as loucuras dos outros para sobreviver.

— Você tem tudo o que as pessoas sempre sonharam, é bonito, talentoso, tem um imã natural que faz as pessoas quererem estar perto de você e não é qualquer pessoa que tem um dom desses, eu mesmo queria ser você, sabia?

— Isso não serve para nada se você não tem nada.

— Mas você tem... o fato de você ainda não enxergar o seu potencial não quer dizer que ele não existe, precisa enxergar o Michael além da situação que está vivendo, enxergue o Michael vencedor de um Oscar ou um Tony Awards.

Mas Michael tinha outros planos que incluíam ter tanta sorte que as pessoas jamais diriam que era sorte demais para quem tinha tanto talento como ele.

— Não posso me dar ao luxo de sonhar, senhor Clark.

— Se você não sonhar, Michael, jamais vai poder viver.

— Não faz muita diferença.

Kennedy abraçou o garoto.

— Talvez agora não faça, mas lá na frente irá fazer toda a diferença.

Kennedy ficou cara-a-cara com ele e disse:

— Feche os olhos, Michael.

Ele obedeceu.

— Existe algo que você quer muito?

Ele assentiu.

— E isso te faz feliz?

Michael sorriu imaginando uma família feliz, vendo-o interpretar na Broadway.

— É ruim sonhar, Michael?

— É muito bom, uma pena que nunca se tornará realidade.

— Os sonhos só não se tornam realidade quando não acreditamos neles, basta apenas um passo na direção dele para que as portas se abram e Deus te abençoe.

CLARK SABIA QUE MICHAEL tinha um sério problema em demonstrar suas emoções, ele lhe confidenciara todos os abusos que seu pai praticava em casa e por isso o interior de Michael era um labirinto do Minotauro, existia momentos em que ele era para chorar e estava resistente como um diamante e em outros em que deveria ter uma leveza natural em sua interpretação, começava a chorar.

— Michael... achei que tínhamos resolvido esse tipo de erro.

Michael não sabia o que dizer.

— Desculpa, professor, é que...

— Não existe “É que...”, você tem que se concentrar, não dá para olhar para a plateia e dizer para eles que você está tendo uma vida difícil, a vida é assim...

— Eu sei...

— Não, você não sabe...

Clark ficou cara-a-cara com ele.

— As pessoas não querem saber do seu problema, Mike, elas veem ao teatro para esquecer dos problemas delas, querem sentar e relaxar, querem entrar em outra dimensão, e quem proporciona isso a elas?

— Nós – disse ele humildemente.

— Exato! Nós proporcionamos isso a elas, e sabe porquê?

Ele negou com a cabeça.

— Mike, aqui no palco você não é o Michael Vane, você é o personagem que encanta o mundo... fecha os olhos.

Ele obedeceu.

— Respira fundo... – Michael obedeceu... – Imagina você entrando por aquele palco vestindo uma capa.

Ele assentiu.

— Essa capa é o Mike... você está tirando essa merda de capa e está pendurando naquele cabideiro ali na entrada, está visualizando isso?

Ele assentiu novamente.

— Ótimo! Você não é mais o Michael neste momento, você é o personagem, o personagem é a capa que você está vestindo agora, não há mais Michael Vane nesse momento, ele está naquele cabideiro, quando você sair daqui, pode pegar a capa se quiser, ou pode pegar outras capas, isso é o que um artista é, isso é o que um artista faz... uma pessoa repleta de capas... escolha uma para viver e simplesmente viva intensamente aquilo...

Quando Michael abriu os olhos percebeu que era outra pessoa.

— Quem é você, Michael?

— Quem é Michael?

— ESTAMOS PRONTOS PARA CONTINUAR PESSOAL – gritou Clark acenando para todos que agora realmente iria começar.

— Michael nunca mais voltou para pegar aquela capa em sua mente.

MICHAEL TINHA o mais profundo respeito pelo professor Clark, era o homem a quem tinha como pai, todos os dias depois da escola o levava para uma lanchonete e lhe pagava um lanche com refrigerante.

— Como estão as coisas em casa, Michael?

— Na mesma, professor.

O professor assentiu.

— Sabe a minha opinião sobre a situação, não é mesmo?

— Sei sim... mas jamais faria algo sem o consentimento da minha mãe, seria injusto com ela.

— Aquele homem é perigoso.

Ninguém melhor do que ele sabia disso...

— Eu também sou, professor...

Kennedy Clark sabia disso melhor do que ninguém, uma pessoa que consegue viver muitas vidas, interpretar muitas histórias pode ser quem ele quiser, inclusive um assassino.

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