Capítulo 6

Cheguei um pouco atrasada do almoço, mas ninguém percebeu. Naquele dia, o meu chefe participava de uma reunião fora da cidade, então não precisei dar satisfação a ninguém, além do meu cartão de ponto, claro. Na realidade poderia demorar o quanto quisesse, só não era irresponsável o suficiente para agir daquela forma, pelo menos no emprego.

Permaneci por uns longos minutos, sentada no meu espaço, saboreando a adrenalina por beijá-lo, o medo de sermos vistos juntos e a culpa pela traição. Passada a euforia, o peso da minha atitude trouxe-me a falta de ar. Inspirei fundo algumas vezes, acalmei o meu coração enquanto as perguntas se formavam. O que eu faria? Viveria o meu romance em segredo? Equilibrando um amante e um marido? Desistiria de tudo para ficar com o Gustavo? O que os meus filhos pensariam de mim? E os meus pais? E que beijo foi aquele? As dúvidas me deixavam confusa, aprofundando a necessidade de conversar com alguém. Relutei, com medo do seu julgamento, mas liguei para a primeira pessoa que talvez pudesse me dar um conselho.

 — Alô.

— Rita, oi, sou eu. — A urgência ditava cada palavra pronunciada.

— Oi, Fabiana, tudo bem? O que aconteceu? Você parece nervosa.

— Preciso falar com você. Posso ir à sua casa hoje? O Alexandre estará aí?

— Claro que pode vir, nem precisava perguntar. Ele tem um compromisso hoje, chegará mais tarde. Mas o que aconteceu? É sobre aquele assunto?

— Sim, mas não posso falar por telefone. Assim que sair do serviço, pego as crianças na escola e vou direto para sua casa, certo?

— Tudo bem, estarei te esperando. Beijos e fica calma, estou te achando muito nervosa.

— Ah, Rita — o misto de alegria e pavor trouxe um sorriso tenso em meu rosto —, você nem imagina o quanto. Beijos e até mais tarde.

Desliguei o telefone e fui ao banheiro para lavar o rosto. Estava apavorada e precisava me acalmar. Fiquei me olhando no espelho, deslizando os meus dedos pelos lábios e me lembrando da sensação da boca dele na minha. Nunca senti o meu corpo reagir daquela forma ou, até mesmo, o coração ser preenchido por luxúria e complexidade. Foi uma emoção única. A pele ainda formigava em vários lugares, assim como a certeza da saudade de seus beijos. As conversas foram deixadas de lado, mesmo que tivéssemos um problema gritante em nossas mãos. Como resolver aquela situação? Será que era amor? E se fosse, seria forte o suficiente para romper todas as barreiras? Não sabia e ele também não. Possuíamos somente a promessa de encontrar um caminho. Trocamos os números de telefones e me comprometi a ligar no dia seguinte. Ele queria me levar para almoçar de verdade e eu aceitei o convite.

Depois de me reestabelecer, voltei ao trabalho. Vários relatórios para produzir e atender ao telefone me ajudou um pouco a adormecer meus pensamentos recorrentes. O que eu tinha feito? Seguido meu coração? Traído meu marido e minha família? Sim, tudo isso.

                                                               *****

Cheguei à casa da Rita assim que peguei as crianças na escola. No caminho, mandei uma mensagem de texto ao marido avisando a minha programação, pois não tinha coragem de falar ou mesmo vê-lo pessoalmente.

— Oi, Rita. — Entrei num rompante com as crianças no meu encalço, assim que ela abriu a porta. Meus filhos queriam ir para casa, mas usei o subterfúgio mais fácil que existe para convencê-los. Vamos fazer uma troca? A gente fica um pouco na casa da tia Rita e depois vamos à lanchonete preferida de vocês. Que tal? Pronto. Viu como foi simples? Assim que eles se estabeleceram na sala para jogar videogame, fomos para a cozinha e trancamos a porta.

— Vai, me diz logo o que aconteceu. — Ela me serviu uma taça de vinho. Realmente precisava de algo mais forte, queria ficar anestesiada, mas como estava dirigindo, resolvi ficar no vinho e só bebi dois goles.

— Eu beijei o Gustavo hoje! — confessei de uma vez, sem perder a coragem. Rita me olhou, espantada, pegou a minha taça e verteu tudo de uma vez.

— Você fez o quê? — Seu tom de voz preenchendo todos os cantos da cozinha.

— Shiiii... fala baixo, por favor. Assim as crianças vão escutar — Respirei fundo, me preparando para contar, mas antes fiz um apelo honesto: — Rita, sei que não preciso pedir, mas esse assunto é segredo. Você pode brigar comigo, gritar, me bater, me aconselhar, é claro, só não pode contar para ninguém, nem para o Alexandre. Na realidade, não pode nem pensar em voz alta sobre isso.

Ela precisou de alguns segundo antes de responder. Sua respiração tão pesada quanto a minha culpa.

— Eu sei, Fabi, nem precisava falar, pode contar comigo. Entretanto, uma coisa é certa, não vou hesitar em lhe dar um conselho real e não o mais fácil para você....  Agora desembucha.

Relatei tudo. Como fiquei naquele último mês, a confusão dos meus sentimentos, as minhas dúvidas, o meu relacionamento em casa e até o meu “acidente” na hora do sexo. Enquanto discorria a minha história, de forma ininterrupta, tomada pela emoção, Rita se calou, tentando assimilar ou, até mesmo, compreender a complexidade do problema. Precisei tirar a garrafa de vinho da frente dela, para não beber mais do que uma taça; já tinha problemas suficientes e não queria ser responsável se algo acontecesse com a sua gravidez.

— E agora, o que eu faço? — Desesperada por um conselho.

— Ah, Fabi, eu... Putz... por falta de uma palavra mais adequada, vou pelo básico e confessar que não desejaria estar na sua pele. Além de achar que agora essa situação tomou outro rumo, outra dimensão.

— Eu sei, e você nem imagina o quanto lutei contra esse sentimento. Não procurei por essa confusão, simplesmente aconteceu, Rita. Eu juro pra você. Mas o Gustavo chegou atropelando os meus sentidos.

— Tá, essa parte eu já entendi. Agora, vamos direto para a realidade com uma pergunta bem óbvia: você acha que é forte o suficiente para deixar a vida que tem? — Sentou-se à minha frente, para segurar minha mão. O toque trouxe conforto ao meu coração irresponsável. — Fabi, sou sua amiga e quero que seja muito feliz. Porém, você precisa pensar melhor a respeito. Decidir se vale a pena largar tudo por ele. É uma mudança extremamente brusca tanto para você quanto para as crianças e o seu marido. A segurança, o julgamento da família e dos amigos. O primeiro passo é buscar a compreensão dos seus sentimentos, não aja por impulso para depois ver que tudo não passou de uma aventura. Não posso te ajudar a tomar essa decisão, somente te apoiar no rumo que escolher.

Saí da casa da Rita com as dúvidas antigas e outras novas. Entretanto, ela estava certa em um detalhe: precisava descobrir se o amor estava envolvido na equação. Agora me diz, como se descobre isso? Vivendo. E foi o que decidi, por mais errado que fosse vivenciar aquela aventura.

Cheguei em casa e, por sorte ou ajuda do destino, você escolhe, havia um recado do meu marido dizendo que ele tinha saído para um happy hour com os amigos do escritório. Coloquei as crianças na cama e fui para o meu quarto. Aproveitei a solidão para usufruir da banheira. Liguei o meu iPod e ofereci ao meu corpo o relaxamento necessário ao som de “Jack Johnson – I got You.” A cabeça doía pelo cansaço dos meus questionamentos. Minha conclusão? O que fazia era errado, um pecado, de acordo com o que aprendemos na escola, na igreja e na vida. Magoaria muitas pessoas se alguém descobrisse, mas estava mais do que disposta a tentar. E faria de tudo para que, no final da história, com ou sem o Gustavo, eu tomasse a decisão certa. Após tomar banho e um remédio, fui para a cama ainda exausta. Adormeci com meu último pensamento em Gustavo.

                                                          *******

Por incrível que possa parecer, tive um início de manhã tranquilo em casa. Levantei-me cedo, preparei o café, arrumei o lanche das crianças e até conversei normalmente com o meu marido. Eu compreendia a minha ação condenável, mas não conseguia evitar.

Mesmo com muito trânsito, cumpri o meu horário de entrada no trabalho. Recebi uma ligação da Rita, nas primeiras horas da manhã, me perguntado como eu estava. Comentei minha decisão de levar as coisas com calma, antes de tomar qualquer atitude. Como uma amiga perfeita, ela me lembrou de alguns riscos:  ter um amante e a demora na resolução da situação agravaria ainda mais as pessoas envolvidas. Deixou escapar um pequeno consolo, descobri que ela também estaria perdida em meu lugar. A convenci ou, pelo menos tentei provar, que não tinha encontrado outra maneira de descobrir a verdade. Eu precisava viver para saber.

Quase perto da hora do almoço comecei a ficar ansiosa e insegura com a expectativa de me encontrar com o Gustavo. E se ele não aparecer? Deveria ligar? Perguntas e inseguranças desnecessárias.

— Escritório do senhor Antônio, bom dia.

— Oi. — O sorriso tomou forma. — Sou eu. — Como se eu não soubesse. — Você já pode sair? Estou aqui embaixo te esperando.

— Posso, estou indo.

Desliguei o telefone, saí em seguida com a bolsa nas mãos. Aproveitei o espelho do elevador para checar a minha maquiagem, borrifei mais um pouco de perfume e dei uma última olhada na minha roupa, que foi escolhida a dedo naquele dia. Resolvi colocar um vestido azul-escuro com decote em V alongando o meu colo; a cintura marcada combinava com o comprimento na altura dos joelhos. Era simples, mas com um resultado eficaz. Por que será que me sentia tão bonita? Eu sabia o motivo e acho que você também.

Gustavo me aguardava no mesmo lugar do dia anterior, trajava uma calça jeans escura, camiseta básica e All Star. Simples e perfeito, exatamente como no nosso primeiro encontro.

— Demorei? — Dei um beijo casto em seu rosto.

— Não. Você está linda... gostaria de te beijar de verdade — sussurrou bem perto do meu ouvido.

— Eu também.

— Vamos, antes que eu cometa uma loucura. — Afastou-se, passando as mãos pelo cabelo. — Você escolhe o local, não conheço nada aqui. — Conduziu-me para fora do prédio, colocando uma das suas mãos nas minhas costas, em um gesto casual aos olhos alheios, mas para nós uma promessa grandiosa.

Geralmente almoçava por perto, contudo, como precisava evitar os olhares curiosos, fomos a um restaurante um pouco afastado. Durante todo o tempo, conversamos bastante e, por várias vezes, segurou a minha mão ou tocou a minha perna por baixo da mesa.

— Por que ontem você estava usando roupas sociais e hoje está mais a caráter?

— Como assim?  Você não gostou daquela roupa?

— Gostei, mas prefiro esse estilo. É mais a sua cara.

— Que bom, também não gosto de me vestir daquele jeito. Somente em ocasiões especiais. — Deu uma piscada para mim com aqueles olhos lindos.

— E aconteceu algo especial? — Mesmo enferrujada, flertei um pouco.

— O que acha? — Enquanto seu toque queimava a minha pele, sua face intensa me hipnotizava. — Quando podemos nos ver novamente, Fabi? Precisamos decidir o nosso futuro.

A minha vontade em beijá-lo dificultava a minha concentração na conversa, além disso, a sua mão dominando a minha perna despertava minha excitação.

— Estive pensando sobre nós, Gustavo, e tomei uma decisão. Não sei se você concorda, mas foi a única que encontrei.

— Essa decisão me deixará mais próximo a você? Se a resposta for sim, então eu concordo. — Começou a me acariciar com ganância.

— Você está tirando a minha concentração, Gustavo — confessei, me sentindo perdida.

— Por quê? Não estou fazendo nada. — Seus lábios a um suspiro do meu pescoço.

— Hum — sussurrei, mal ouvindo as minhas palavras. — Desse jeito não consigo contar o que decidi.

— Tá bom! Parei. Prometo me comportar, por enquanto. — Sorriu, com o canto dos lábios erguidos.

— Acho melhor levar a nossa situação devagar. — Eu me recompus e continuei: — Preciso ter a certeza dos meus sentimentos e, acho que você também, antes de tomar uma decisão que envolva a minha família. O que acha? — Ele retirou a mão, transformando o semblante por completo. A seriedade dele me deixou apreensiva.

— Fabiana, quando fui te procurar, por mais que eu parecesse confuso e buscasse por explicações, os meus sentimentos eram fortes e precisos. Compreendia exatamente a dimensão do meu desejo e querer. Você precisa decidir qual direção tomar. Sei que não é fácil, que está insegura e, por esse motivo, vou aceitar a sua decisão de caminharmos com cautela. Mas quero que saiba, não pretendo ficar muito tempo me escondendo. Não estou brincando, nem vivendo um sonho de adolescente, sou um adulto apto a conduzir minha vida.

Fiquei perplexa com a resposta. Acreditei que viver na clandestinidade fosse de comum acordo, mas me enganei. Descobrir a intensidade dos seus sentimentos por mim, acalentou o meu ego. No entanto, não abrandava a ofensa em ser comparada a uma adolescente.

— Eu sei, Gustavo — minha voz soou um pouco ríspida —, mas você precisa compreender que não posso fazer isso de um dia para o outro. Nós acabamos de nos conhecer. São dez anos de casamento e três filhos. Eu tenho medo. O que eles pensarão?

— Não sei, Fabi, mas confiar em mim, e nos meus sentimentos, talvez seja o primeiro passo. Não estou brincando de gostar de você, eu sei exatamente o que quero. Por isso estou concordando com a sua decisão, estou aqui para te apoiar e te dar forças. Podemos ficar assim por um tempo, mas não concordo. Coloque-se no lugar do seu marido. Entende o que quero dizer? — Abraçou-me, depois de limpar algumas lágrimas sorrateiras.

Ele tinha razão, eu sabia. Também não me sentia bem em enganar, não somente ao meu marido, mas, sim, a minha família inteira. Contudo, não poderia optar pelo caminho certo sem ter a convicção dos meus sentimentos. Gustavo conhecia a sua vontade, mas eu ainda não. Será?

— Só preciso de um tempo.

— Tudo bem, te dou esse tempo — deu-me um beijo no rosto —, mas se acalme, por favor.  Não quero te ver assim.

— Obrigada. Podemos nos ver na próxima semana. Meu chefe participará de um congresso na segunda e geralmente vou junto. Durante o horário do evento, consigo dar uma fugida para te encontrar. Que tal?

 — Perfeito. Vou cancelar a minha agenda na parte da tarde, pode ser?

— Pode. Esses congressos duram o dia todo. Após o almoço está ótimo. Você não terá problemas no estúdio?

— Não, às segundas, geralmente, não tenho cliente. E o Anderson nem pode falar nada, porque ele é o meu sócio e não devo satisfações. Sempre cumpro a minha parte.

— Sócio?

— Sim. Quando saí do escritório de arquitetura e fui pedir emprego para o Anderson, descobri que ele estava precisando de dinheiro, então, ofereci sociedade e, é claro, que aceitou.

— Ele não comentou nada que era seu sócio quando me falou de você.

— Porque ninguém sabe. Não estou ali para ser patrão de ninguém, só quero tatuar. A parte burocrática e chata, deixo para ele.

— Ah, entendi. — Espantei-me com a sua declaração, percebendo a dimensão do seu amor pela profissão. — Não queria, mas preciso ir embora — choraminguei.

— Eu também, tenho um cliente daqui a pouco. — Levantou-se, pagou a conta e saímos de mãos dadas. A noção do perigo cega pela paixão avassaladora.

Voltamos pelo caminho mais longo para usufruir os últimos minutos juntos. Combinamos em trocar mensagens de texto somente para dizer o horário e local do nosso encontro na próxima segunda. Ele aproveitou que a rua não tinha muito movimento e me beijou. Foi um beijo rápido, exigente, que me deixou com as pernas bambas.

Após aquele almoço, a tarde transcorreu sem nenhum problema e, mesmo se tivesse, acho que nada afetaria o meu bom humor. Assim que cheguei no carro, quase saindo do estacionamento, ouvi o sinal de mensagem no celular. O meu coração começou a bater sem controle e o choro de felicidade veio logo em seguida.

Obrigado pelo almoço, adorei estar ao seu lado, mesmo sem poder te tocar como gostaria. Tenho certeza dos meus sentimentos e vou fazer de tudo para te convencer que somos feitos um para o outro. P.S.: Esqueci-me de te dizer pessoalmente, mas por mensagem também vale. E quando te encontrar na segunda, faço questão de repetir. Eu quero e preciso de você na minha vida!

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